Nota Pública em apoio ao Povo Pitaguary; comunidade sofre ameaça de reintegração de posse

Em Observatório Socioambiental

Nós, organizações indígenas, indigenistas e ambientais; ambientalistas e defensores de direitos humanos no Brasil declaramos nosso total e irrestrito apoio ao Povo Indígena Pitaguary e repudiamos a nova investida de uma empresa de mineração, que pretende explorar o maciço rochoso da Serra da Monguba, o que causará graves impactos a esta comunidade, bem como a todo o meio ambiente, incluindo a fauna, a flora e os recursos hídricos. A empresa afirma ter “comprado” essa área de outra empresa de mineração, a antiga pedreira Britaboa.

A Terra Indígena Pitaguary é constituída por quatro aldeias – Santo Antônio, Horto, Olho D’Água; localizadas no município de Maracanaú e Monguba; localizada no município de Pacatuba, no estado do Ceará. A área oficial da terra indígena é de 1.735 hectares. Há ainda registros de representantes deste povo habitando no município de Maranguape.

A aldeia Monguba corresponde a uma estreita faixa de terra situada entre o paredão rochoso da Serra da Monguba e a Rodovia CE-060. A Serra da Monguba, que possui características de um serrote, está localizada no Município de Pacatuba, fazendo parte do complexo da Área de Proteção Ambiental da Serra da Aratanha.

Esta aldeia, a Monguba, possui um forte adensamento populacional, o que já demandou diversas reivindicações para a aquisição de uma área maior, uma vez que, para o povo Pitaguary, tem se tornado extremamente difícil preservar seus usos e costumes quando lhe falta o que para ele é imprescindível e sagrado, a terra.

Para complicar ainda mais a situação da comunidade, na manhã desta terça-feira, 14 de novembro de 2017, o povo Pitaguary recebeu uma inspeção judicial para reintegração de posse de uma área onde vivem, conhecida como aldeia Pedreira dos Encantados, na localidade de Monguba, no município de Pacatuba-CE. Desde 2012, o povo Pitaguary retomou essa área, onde antes funcionava a pedreira Britaboa, que foi desativada há mais de 30 anos e causou grande degradação ambiental neste território. Ressalta-se que na Serra da Monguba já estão em atividade outras duas pedreiras, que impactam o território Pitaguary.

A ação de retomada, na época, se deu justamente para evitar a reativação dessa empresa na área. A então pedreira Britaboa, ao ser desativada, deixou para trás um grande passivo ambiental, como o extermínio de diversas espécies da fauna, da avifauna e da microfauna; o depauperamento da cobertura vegetal nativa, que deu lugar a uma vegetação de capoeira; o desaparecimento de dezenas de nascentes e olhos d’água; o desmoronamento de blocos rochosos; o assoreamento da rede de dranagem superficial, dentre outros impactos. Em 2013, os Pitaguary também receberam ordem de reintegração de posse dessa área. Após muita luta, a ação foi anulada.

E, neste final de 2017, recebem com imensa preocupação a notícia desta nova decisão judicial do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em Recife-PE. Esta decisão prevê que a pedreira (Canaã) ficaria de posse dos 3,0 hectares, situados na “parte nordeste da área objeto da concessão de uso, onde possui autorização para a efetiva extração da lavra, ressalvando o direito dos índios permanecerem nos 33,0 hectares”. Ocorre que os 33ha são compostos pela área inabitável e os 3ha, correspondentes à área que a pedreira teria direito, conforme essa decisão, são exatamente a parte habitada pelos indígenas.

Nesta área está instalado o Museu Indígena Pitaguary, construído por este povo como muita luta e constituindo importante equipamento da memória, arte, cultura e preservação ambiental. Estão também localizados nessa pequena área os locais sagrados; os cultivos para a alimentação, a criação de pequenos animais, dentre outras atividades.

Alertamos as autoridades, os apoiadores da causa indígena e a sociedade civil sobre os impactos ambientais negativos causados pelas atividades das pedreiras. Estes impactos se iniciam já no processo de desmonte da rocha, onde são utilizados materiais explosivos, o que gera grande desconforto para as populações que vivem no entorno destas pedreiras, estando estas cotidianamente expostas aos seus efeitos nocivos. Dentre os impactos destacam-se os ultralançamentos de fragmentos; aumento significativo dos níveis de ruído; emissão de poeiras e gases tóxicos na atmosfera; vibrações no terreno e assoreamento da drenagem.

Os impactos negativos, de forma ainda mais detalhada, conforme descritos na literatura especializada, ocorrem com a poluição do ar e do solo; impactos sobre o solo, como a erosão, a “contaminação por óleos, graxas e combustíveis, a instabilidade do terreno devido às frequentes explosões (escorregamento de blocos)”; Impactos sobre a água, como o “assoreamento de corpos d’água, turvamento da água e contaminação de águas superficiais e subterrâneas por óleos, graxas e combustíveis”; impactos sobre a fauna e a flora, que “começam já na etapa de decapeamento com as máquinas retirando a vegetação nativa”. Além disso, “o ruído das máquinas e a destruição do habitat afugentam os animais que vivem na região”; impactos sobre o homem – “quando uma pedreira está situada em perímetro urbana ocorre grande desconforto provocado pelo nível de ruído causado pelas explosões e pelo trabalho das máquinas”. (BACCI, Denise de La Corte; LANDIM, Paulo Milton Barbosa; ESTON, Sérgio Médici de. Aspectos e impactos ambientais de pedreira em área urbana. Ouro Preto, vol. 59 nº 1, jan. mar. 2006).

As explosões podem, ainda, causar vibrações que provocam rachaduras nas residências próximas à área de exploração. Devido ao abandono das áreas de exploração pelas pedreiras um impacto que deve ser considerado é o estético causado pela ação sobre a formação rochosa.

O Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) – que deveria ter sido implementado pela empresa anterior ao encerrar a exploração mineral – se foi solicitado/exigido pelos órgãos ambientais como parte integrante do processo de licenciamento de atividades degradadoras ou modificadoras do meio ambiente, não foi cumprido, como já foi constatado em pesquisas acadêmicas e pelos depoimentos de pessoas da comunidade. O PRAD refere-se ao “conjunto de medidas que propiciarão à área degradada condições de estabelecer um novo equilíbrio dinâmico, com solo apto para uso futuro e paisagem esteticamente harmoniosa”, porém as medidas não chegaram a ser executadas, como mencionado acima.

O povo Pitaguary relata que as atividades das pedreiras situadas no entorno da Terra Indígena já causaram e/ou ainda causam vários tipos de enfermidades, sendo as mais frequentes as doenças do trato respiratório e as doenças de pele, além de problemas de ordem psicológica – face ao sofrimento a que estão constantemente submetidos – em razão das duas pedreiras já existentes na Serra da Monguba. A reativação de mais uma pedreira colocará em risco a saúde e mesmo a vida das pessoas na comunidade; o povo Pitaguary está disposto a lutar, como sempre lutou, contra essa decisão que poderá provocar graves consequências em seu modo de viver.

Essa não é a primeira decisão recente que afeta diretamente a vida do Povo Pitaguary sem ser permitida a sua participação na ação judicial. O poder judiciário através do TRF da 5ª Região nega o direito básico dos Pitaguary à vida e a dignidade humana.

Solicitamos que sejam realizadas pelo poder público, representado pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Superintendência do Patrimônio da União no Ceará (SPU/CE) e Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE), as diligências aos locais impactados pela ação das pedreiras, para tomar ciência da gravidade da situação e não permitir que essa decisão judicial seja executada em desfavor do povo Pitaguary e do meio ambiente; solicitamos ainda que sejam feitas vistorias às pedreiras já existentes na região e reavaliação de todas as licenças ambientais já concedidas, observando se as mesmas obedecem ao que está estabelecido na Legislação Ambiental Brasileira, na Constituição Federal e no tratado internacional sobre os direitos dos Povos Indígenas.

Nenhum direito a menos! Nenhuma pedreira a mais!
Pelo direito de viver!
Nós apoiamos o Povo Pitaguary!

Assinam esta nota:

ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS, INDIGENISTAS, AMBIENTAIS E DE DIREITOS HUMANOS

– Articulação das Mulheres Indígenas no Ceará – AMICE
– Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – Microrregião CE
– Articulação Regional das Pastorais Sociais CEBs e Organismos
– Associação para Desenvolvimento Local Co-Produzido – ADELCO
– Cáritas Regional Ceará
– Ceará no Clima
– Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza – CDVHS
– Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza – CDPDH
– Centro de Pesquisa e Assessoria – Esplar
– Coletivo Florestar
– Coletivo Socioambiental Jangu
– Coletivo Verdejar
– Comissão da Juventude Indígena do Ceará – COJICE
– Comissão Brasileira de Justiça e Paz – CBJP
– Comitê Nacional de Apoio à Causa Indígena
– Escola Indígena Ita-Ara
– Federação dos Povos e Organizações Indígenas no Ceará – FEPOINCE
– Fórum Justiça Ceará
– Fundação Mata Atlântica Cearense (FMAC)
– Grupo de Estudos com Povos Indígenas – GEPI / UNILAB
– Índio é Nós
– Movimento Pro-Árvore
– Observatório Socioambiental
– Organização dos Professores Indígenas do Ceará – OPRINCE

AMBIENTALISTAS E DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS

– Alexandre Araújo Costa – Professor Titular, Uece
– Ednaldo Vieira do Nascimento – Ambientalista
– Érica Pontes – Doutora em Geografia – UFC
– Flávia Castelo Batista – Advogada (OAB/CE 15.563), Doutora em Biotecnologia, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Professora Unichristus de Legislação Ambiental e Urbanística
– Francisca Evilene Barbosa de Castro – Professora
– Gabriel Lima de Aguiar – Estudante de Ciências Biológicas
– Janete Melo – Geógrafa, especialista em Planejamento e Gestão Ambiental (UECE) e pós-graduanda em Geoprocessamento Aplicado à Análise Ambiental e aos Recursos Hídricos (UECE).
– João Alfredo Telles Melo – Professor de Direito Ambiental – Centro Universitário 7 de Setembro – Advogado – OAB/CE 3762
– João Paulo Vieira – Historiador, assessor da Rede Indígena de Memória e Museologia Social
– José Mardonio Rodrigues Tabajara – Liderança indígena
– Maria Eliane da Silva Gomes Tabajara – Professora
– Pádua Fernandes – Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais
– Tania Pacheco – Blog Combate Racismo Ambiental
– Vanda Claudino Sales – Geógrafa, professora universitária

 Você pode assinar a nota de apoio até o dia 27/11/2017. Envie um email para: [email protected]

Foto: Arquivo Observatório Socioambiental / Momento da detonação em pedreira impactando o território indígena Pitaguary

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