Uma presença que exige espaço e não espera parada

Bruno C. Dias – Abrasco

Tem protesto, lacre e mobilização. E também tem catálogos, curso e rede de formação e de afetos. Inúmeros coletivos de estudantes, grupos de pesquisa e entidades negras e negros tomaram a dianteira e vem promovendo atividades, documentos e manifestações para mudar na prática a baixa presença e visibilidade desse segmento nos programas de pós-graduação (PPG) do país. Apesar de compor etnicamente a maioria da população (52,9%), apenas 28,9% do total de pós-graduandos declara ser negro e/ou ter origem afrodescendente.

Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2015, e refletem uma fotografia que já tem quatro anos. O número de estudantes negros (soma de pretos e pardos autodeclarados) mais que duplicou nos programas strictu sensu entre os anos de 2001 a 2013, passando de 48,5 mil para 112 mil. Considerando apenas os estudantes pretos, o número passou de 6 mil para 18,8 mil, um aumento de mais de três vezes. No entanto, quando comparada com a população branca, fica visível o tamanho do fosso. No mesmo período, o número de estudantes brancos nessa etapa formativa também aumentou: de 218,8 mil para 270,6 mil. Apesar do grande salto proporcional da participação da identidade negra, o aumento absoluto de brancos ainda é muito maior, o que só comprova a necessidade das ações afirmativas.

Em que pese a reserva de vagas para negros e negras autodeclarados ser a ação afirmativa mais efetiva em resultados e principal forma de reparação histórica com a população negra, a implementação de cotas raciais para as seleções dos PPG anda lentamente no Brasil de Temer. No entanto, estamos em 2017, e com muita garra, inovação e qualidade intelectual, negros e negras têm aberto caminhos autônomos no elitizado espaço da Academia brasileira.

Idealizados e produzidos de maneiras diferentes e por grupos distintos, os catálogos de pesquisadores têm se apresentado como uma potente ferramenta de visibilidade e constituição de redes. Lançado no primeiro semestre deste 2017, o Catálogo das Intelectuais Negras Visíveis é um produção do Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras (GIN-UFRJ) em parceria com a Editora Malê. A publicação eletrônica traz os perfis e trajetórias de cento e cinquenta e três profissionais negras atuantes em variados campos nas cinco regiões do país. Os textos são em primeira pessoa, numa estratégia de evidenciar as histórias de beleza, força e sucesso dessas mulheres, parte central do trabalho de restituição de humanidade no qual elas acreditam e empreendem. “Em escolas e universidades públicas, nas Artes, nos campos dos Direitos Humanos, Literatura, Saúde e tantos outros nos quais, embora muitas vezes confinadas como imperceptíveis, estamos de corpo presente fazendo a diferença. Visíveis” traz a nota da equipe, coordenada por Giovana Xavier, historiadora e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FE/UFRJ).

Inspirados na iniciativa do GIN-UFRJ, o Grupo de Estudos Feminismos Negros da Unicamp lançou o Catálogo de Pesquisadores Negros, Negras e Indígenas que atuam no campo das Ciências Sociais Brasileiras. O grupo de Campinas optou por abrir o processo de produção inicialmente com um formulário eletrônico.  Em menos de quatro meses, mais de 200 pesquisadores já se cadastraram. “Além de reunir e possibilitar o acesso de pesquisadores negros e indígenas, o catálogo tem objetivo de criar dados que não existem. O formulário contém perguntas bem mais amplas que não aparecerão na busca geral, mas servirá para criamos dados comparativos”, explica Stephanie Lima, integrante do coletivo junto com Thiago Falcão e Nathanael Araújo, doutorandos do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade (IFCH/Unicamp).

Outra bela iniciativa é o curso preparatório para candidatos negras e negros ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, do Museu Nacional (PPGAS/MN/UFRJ), lançado neste ano pelo Coletivo Marlene Cunha de alunos negros e negras do PPGAS.

“Nesse curso, que para nós foi mais um grande encontro de forças, debatemos os textos do processo seletivo e orientamos a partir de nossas experiências, de como os novos candidatos poderiam fazer a prova e participar da entrevista. Mais de 50 candidatos de diferentes partes do Rio de Janeiros e de outros Estados (que acompanharam o curso a distância) compartilharam conosco suas histórias e dedicaram seus tempos de resistência, acreditando no tempo do coletivo”, diz Anderson Lucas da Costa Pereira, doutorando da instituição, e integrante do Marlene Cunha, grupo que reúne hoje 20 alunos negros e negras da Instituição e presta uma homenagem à pesquisadora que iniciou o movimento negro no final da década de 1970, na Universidade Federal Fluminense (UFF). O colegiado do PPGAS aprovou as cotas para ingresso de indígenas e negros em 2012. A primeira turma ingressou em 2014.

Quem também tem aberto espaços de inserção e interseção dos estudantes negros e negras é a Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG). Em janeiro, a entidade lançou a campanha “Lugar de negro é na ciência”, durante a edição da 10ª Bienal da UNE, em Fortaleza (CE). “É necessário descolonizar o pensamento científico e ter cada vez mais mestres e doutores negros e negras para contribuir para um conhecimento emancipador e promotor de igualdades e oportunidades para toda a população brasileira, em todos os seus tons de pele”, argumenta Flávio Franco, doutorando em Ciência Política também pelo IFCH/Unicamp, diretor de Relações Internacionais da ANPG e militante da UNEGRO.

Além de promover a conscientização, a campanha quer estabelecer comitês de monitoramento nos PPG para a efetivação das cotas raciais e demais ações afirmativas dentro dos marcos da Normativa 13/2016, do MEC. “Conseguimos emplacar a portaria antes do golpe e temos sido convidados para compor alguns comitês de discussão de implementação das cotas, além de estar em contato com as reitorias para mapear as universidades que já aprovaram a reserva de vagas em seus Conselhos Universitários”, completa o dirigente baiano, reforçando que cabe única e exclusivamente aos negros e negras fincarem suas bandeiras para fazer suas presenças e visibilidade acontecerem.

Imagem: Uma das artes da campanha, lançada em janeiro de 2017

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