Tem racismo na infância sim, e não é brincadeira

Por Viviana Santiago para o Palavra de Preta

(Para o menino com o cabelo de cachinhos…)

Pensar a infância quase sempre significa pensar em deliciosas brincadeiras, fantasias, risadas, banhos de chuva, contar estrelinhas, doces… As memórias afetivas que são invocadas quando falamos de infância sempre são as mais doces possíveis, mas para algumas pessoas as  memórias da infância não são tão fáceis de evocar:

Na escola, em casa, nas pracinhas e em outros espaços de sociabilidades, muitas pessoas trazem a memória de terem sofrido com a violência do racismo: Os apelidos dolorosos que desumanizavam, as ofensas que sempre evocaram a cor da sua pele para te destituir, a animalização dos desenhos que lhe representavam, as piadas sobre sua boca e  nariz… O racismo estava sendo reproduzido ali.

O problema disso tudo,  é que não são apenas memórias; no dia de hoje , crianças negras estão vivenciando o racismo. E racismo não é brincadeira.

A vivência de racismo na infância impacta a aprendizagem, incide negativamente a construção da autoimagem, e tem elação direta com processos de ansiedade, melancolia, e baixa autoestima.

Enfrentar o racismo, exige um recorte geracional que nos faça identificar a infância como um território demarcado também por relações de raça, classe, gênero dentre outros, perceber que as crianças no começo de sua vida perfomam uma visão de mundo, de si e do outro baseada nas visões de mundo, de si e do outro que são operadas pelas pessoas adultas que a cercam e o racismo das pessoas adultas também será performado. E é por isso que falar de racismo na infância não é papo apenas  para criança, precisamos de uma análise mais ampla.

A maneira como as pessoas adultas agem e reagem em relação ao racismo, vai legitimar e estimular a maneira como as crianças se percebem e são percebidas umas pelas outras, e isso envolve a cada uma de nós pessoas adultas familiares, professoras e professores, vizinhança…As pessoas adultas jogam um papel primordial nesse processo:

Enquanto pessoa adulta, renunciar todas as formas de discriminação, assumir a diversidade étnico-racial como um elemento positivo e isso significa de maneira prática: trazer muitas referências multirraciais pra as crianças, ensinar que existem diversas formas de cabelo, nariz, boca, pelo, mais do que poderíamos contar e ensinar a apreciar o valor e a beleza de cada uma delas. Estar atenta à maneira como se conta a história dos povos indígenas e africanos, se preocupar em falar mais do lugar histórico de África que nao se inicia nem se resume a escravidão.

Conectar as crianças com seu pertencimento racial significa também apoiar as crianças negras a reconhecerem seus traços, seu biótipo como expressão de graça e beleza, isso inclui pensar sobre como ensinamos a desenhar nossos corpos humanos? O desenho é a nomeação para a criança, desenhando a criança nomeia e pertence, colorindo a criança se conecta com suas cores, quando ensinaremos a desenhar narizes que não sejam arrebitados? Quando terão a oportunidade de colorir com um lápis cor de pele que seja da cor de todas as peles?

Definido o entendimento que a diversidade etnico racial é positiva, o passo seguinte implica em ter uma atitude de não aceitação da discriminação, e isso não significa silenciar as possíveis desavenças, mas sim atuar sobre elas: diante de um episódio de piadas de cunho racista, exclusão, bullying, compete as pessoas adultas  atuar sobre isso: Permitir que as  crianças apresentem as noções que sustentam  sustentam a sua ação e , ajudar as crianças a problematizar essa noção racista e desumanizante e propor novas visões, novas relações com a diversidade racial. Interditar a prática violenta é metade do caminho, a outra metade é a oportunidade de construir novos conceitos.

Quanto antes iniciamos um trabalho de ampliar as percepções que as crianças têm sobre raça, negritude, partipação africana  na construção do país, menos atuaremos em interdição, menos a ação adulta será curativa, nesse caso o novo repertório apresentado terá o poder de prevenir violências. Quanto antes as pessoas adultas que mediem a relação das crianças com o mundo revisitem suas posturas e práticas em relação ao racismo e a diversidade racial, mais cedo teremos crianças construindo maravilhosas memórias de uma infância, marcada por aceitação, certeza de pertencimento e afeto.

 Todas as crianças tem direito a uma infância sem violência. O racismo é uma violência. É dever de todo mundo  lutar por uma infância sem racismo.

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