No Palácio do Planalto, um Pato Manco pede ajuda a Patos Amarelos e Urubus, por Leonardo Sakamoto

No Blog do Sakamoto

Não dá para dizer que Michel Temer transformou-se em um ”Pato Manco” recentemente, uma vez que ele assumiu o mandato presidencial já sendo um.

Para quem não conhece a expressão usada com frequência nos Estados Unidos, ela se refere ao político que, no final de sua gestão, perde influência se não tiver excelente índices de popularidade. O Pato Manco torna-se uma presa fácil aos predadores, como parlamentares e grandes empresários.

Por aqui, essa situação de limbo até que um novo governante assuma também é tratada como a ”Síndrome do Café Frio”. Pois a percepção coletiva de perda de poder é tamanha que até garçons palacianos não se preocupariam em garantir que cafezinho estivesse sempre quente a dispor do mandatário.

Nosso Pato Manco assumiu, com o impeachment, contando com o apoio (condicionado) de outra espécie, o Pato Amarelo. Se ele não andasse na linha, o que inclui entregar reformas estruturais que facilitaram a vida do poder econômico, tendo como efeito colateral a redução da proteção social e da segurança dos trabalhadores, teria que mancar para fora do cargo.

Ao mesmo tempo, para permanecer no poder mesmo diante das denúncias de corrupção contra ele e seu grupo, deixou-se sequestrar por certos urubus e hienas. Inquilinos do Congresso Nacional, parte deles foi muito bem remunerada para transformar direitos básicos conquistados em décadas de luta em carniça.

O que me intriga é que, por conta disso, exista quem fique surpreso quando, em um evento organizado por Temer para investidores e representantes do setor produtivo, nesta terça (12), vá pouca gente como bem apontou a Folha de S.Paulo. O cerimonial do Palácio do Planalto teve até que retirar parte dos assentos que estava planejados.

Acompanho os eventos em que Temer se encontra com o poder econômico e posso dizer que aqueles com grande número de participantes ocorrem em São Paulo. Ou seja, quem obedece vai ao encontro de quem manda. Em Brasília, desta vez, tiveram que trazer assessores e ministros para fazer volume.

Temer queria pedir apoio para aprovar a ”Reforma da Previdência – Parte 1”, que diz respeito à idade mínima, redução no valor das pensões para quem se aposenta com 15 anos de contribuição e entraves para o trabalhador rural da economia familiar. A ”Reforma da Previdência – Parte 2, A Missão”, fatiada da principal, pode ficar para depois das eleições de 2018, e diz respeito à aprovação não de uma emenda constitucional, mas de leis simples. Com isso, o governo conseguiria ampliar o tempo de contribuição para 25 anos e aumentar a idade para a garantia de pensões dada a idosos pobres. Isso vem sendo suplicado por economistas ligados ao mercado.

Como Temer já demonstrou que não tem certeza de que a proposta será colocada em votação este ano, não consegue transferir confiança aos empresários por um apoio mais forte a fim de um sprint final. Falta credibilidade e popularidade ao governo? Falta. Mas diria que isso é um problema anterior, de legitimidade.

Mas mesmo um evento esvaziado produz boas frases.

Presidente e ministro da Fazenda afirmaram que a mídia apoia a Reforma da Previdência. ”Não há momento melhor. Os senhores podem perceber que a imprensa toda brasileira, sem exceção, está apoiando com editoriais e notícias. Então, a hora é agora”, disse Temer. ”Meses atrás existia atitude reticente, observadora, por parte da mídia. Hoje, não. A mídia apoia integralmente”, confirmou Henrique Meirelles.

É fato que editoriais de grandes veículos de comunicação estão apoiando a Reforma da Previdência. Até aí, nada de novo. Eles têm direito a ter sua opinião, como imprensa, e mesmo a defender seus interesses, como empresas. A solução para melhorar a pluralidade da mídia brasileira não é calar vozes com as quais não concordamos, mas ampliar o número de vozes no debate público.

Também é fato que há uma grande quantidade de notícias de viés positivo para a reforma, dando espaço amplo para vozes que defendem a posição econômica do governo em detrimento às que criticam. Isso é apontado por uma análise de mais de 400 textos dos maiores jornais do país e de 45 minutos de matérias dos principais telejornais publicada pela Repórter Brasil em abril deste ano.

Contudo, boa parte das informações que circula na rede mostrando os impactos negativos da Reforma da Previdência para trabalhadores e populações mais vulneráveis também saíram de reportagens de parte desses mesmos veículos. É pela cobertura e investigações realizadas pelas mídias tradicional e independente que ficamos sabendo das falcatruas e das negociatas que mostram como Temer se tornou refém do Congresso para conseguir suas pautas aprovadas.

”Isso de rede social pega, é uma horror”, disse Temer na semana passada. Ele e Meirelles querem, equivocadamente, fazer crer que toda notícia crítica à reforma é produzida por fontes sensacionalistas, anônimas, exageradas, mentirosas. Há muita informação de má qualidade circulando, mas também há muita coisa boa, tanto aquilo produzido por páginas nativas das redes quanto por veículos que usam a rede como sua plataforma de difusão de conteúdo.

Prova disso está no próprio comportamento da Câmara dos Deputados neste momento, temerosos – sem trocadilho – em votar uma matéria extremamente impopular às vésperas do início do calendário eleitoral. Sabem que reportagem com listas de quem votou a favor, bem como notícias relatando quais mimos os deputados receberam para decidirem pela mudança nas aposentadorias vão ser produzidas pela mídia e irão circular intensamente nas redes até outubro de 2018. No fundo, o próprio governo sabe disso ao lembrar aos deputados que é melhor aprovar a reforma agora do que às vésperas das eleições, quando a memória dos eleitores estará mais fresca.

Solicitar ajuda ao Pato Amarelo não é novidade, mesmo ignorando a vontade da população, que lhe confere popularidade de um dígito. ”Todo um imenso esforço de retirar o país de sua maior recessão pode se tornar inútil. E nós não podemos jogar no lixo da história tanto trabalho feito em prol do país”, afirmou ele em um dos pronunciamentos diante dos escândalos que envolveram seu nome pelos donos da JBS. Traduzindo: ”Eu estou fazendo o que me pediram para fazer. Agora, vão me largar? Olha, que pode ser ruim comigo, mas é pior sem mim”.

Em um dos eventos com o grande empresariado em São Paulo, deixou claro: ”Quero dizer que cada passo que nos guiou foi sentimento de responsabilidade. Queremos um futuro melhor. Não há Plano ‘B’. Afinal, a responsabilidade rende frutos”. Uma resposta direta ao mercado que professava a crença da imortalidade das reformas. Ou seja, se Temer voltasse ao pó, elas reencarnariam no corpo de outro político que assumisse seu lugar. Desde que não entremos em período eleitoral, quando poucos parlamentares seriam loucos o bastante para tentar passar as medidas goela abaixo do povo.

Pelo menos, Temer – mesmo sem o apoio que gostaria – não terminou o evento com um ”Não me deixem só!”, frase que se tornou icônica a partir de pronunciamento na TV do então presidente Fernando Collor de Mello, em 21 de junho de 1992, quando negou relação com o esquema de PC Farias. Até porque, como todos sabem, o pedido – que completou 25 anos – não funcionou muito bem.

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