Primeira estudante indígena defende mestrado na UFG

A pesquisadora Mirna Anaquiri é a primeira mestre indígena da Universidade

Por Carolina Melo, na UFG

Mirna Marinho da Silva Anaquiri é a primeira estudante indígena a defender o mestrado na Universidade Federal de Goiás (UFG). Com o estudo autobiográfico “Que memórias me atravessam?”, a pesquisadora discutiu o esvaziamento da cultura indígena no espaço escolar e, nesse sentido, trabalhou com a perspectiva da desconstrução dos estereótipos da imagem dos povos originários, especialmente da mulher indígena, no ensino fundamental. Ao longo de sua defesa, que ocorreu quinta-feira (14), a conquista histórica foi celebrada por um auditório diversificado, que tecia a imagem da rede de solidariedade entre comunidades quilombolas, indígenas, escolar e universitária.

Pertencente ao povo Kambeba Omágua – yetê, de Belém (PA), Mirna ingressou na primeira turma do UFGInclui, em 2009, no curso de Licenciatura em Artes Visuais, sendo uma das poucas mulheres indígenas que terminaram a graduação. Em 2016, ingressou na pós-graduação em Arte e Cultura Visual e já está aprovada no doutorado do mesmo programa. “Estou ocupando esses espaços com o meu corpo, mas é por mais pessoas que estou aqui. Abro as portas da universidade dizendo que outras mulheres indígenas também vão estar na pós-graduação”, afirmou.

Primeira indígena a defender mestrado

Para a escrita de sua dissertação, a pesquisadora fez um resgate da própria história enquanto estudante e mulher indígena, que serviu como base para a elaboração de uma performance apresentada aos alunos de uma das turmas da Escola Municipal Benedito Soares de Castro, do Conjunto Caiçara, em Goiânia. A inspiração de levar sua história para desconstruir o estereótipo dentro do espaço escolar surgiu de algumas perguntas realizadas pelos alunos. “Quando dei aula nessa escola, as crianças reconheciam minhas características étnicas e faziam perguntas no mínimo curiosas, do tipo: ‘tia, índio come gente?’, ‘índio rouba?’, ‘é verdade que os índios colocam a mão dentro de uma luva com formigas?’. Enquanto estudante, professora e mulher indígena, fazia parte de minha responsabilidade me posicionar sobre a forma como esse conhecimento chega na escola”.

Segundo Mirna Anaquiri, esse tipo de pergunta carregada de preconceito chega em sua vida de forma precoce e aparece de diferentes formas, como em um salão de beleza, quando escuta que “índio não pode estar na cidade”, quando perguntam se ela “é índia de verdade” e quando afirmam que “queriam ir à aldeia para descansar a cabeça e comer peixe”. “Não há espaço para descanso nas aldeias, os povos indígenas estão em luta e a sociedade ainda fantasia uma aldeia romântica e sexualiza o corpo das mulheres indígenas”, disse.

Um corpo que sangra

“Eu dedico essa pesquisa às mulheres indígenas que seguem na resistência”, afirmou a pesquisadora. No processo de reconstrução da imagem dos povos indígenas no espaço escolar, Mirna disponibilizou seu percurso pessoal também para problematizar sobre as distorções narrativas da sociedade em relação à mulher indígena, que contribuem para formulações e práticas de violências simbólicas, discursivas e físicas. Ao falar da violência, sobretudo sexual, em seu primeiro capítulo, a partir das experiências pessoais, a pesquisadora lançou mão de uma coragem elogiada pelos integrantes da banca examinadora. “Parabéns pela coragem. Você contribui para trazer à tona um problema e uma memória que não é somente sua”, afirmou a professora da Faculdade de Artes Visuais (FAV), Carla de Abreu. De acordo com Mirna, apesar das construções sexualizadas por meio de imagens como de Iracema, “as mulheres indígenas, na verdade, estão ocupando a linha de frente da luta nas comunidades e, aqui, na UFG, elas estão cada vez mais presentes”.

Diante o questionamento do professor Fernando Miranda, membro externo da banca, sobre o limite de se colocar uma história pessoal na pesquisa acadêmica, a pesquisadora indígena respondeu ser a consciência e a percepção de como essa história pode contribuir para a formação. “Quando fui conhecendo os relatos autobiográficos e a perspectiva dessa metodologia, entendi também o quanto a história pessoal é importante para aprender e ensinar”, disse. No percurso da pesquisa, ela se deparou com uma questão inversa: “Por que os estudos teóricos e acadêmicos estão tão distantes das pessoas que os escrevem?”, perguntou.

Conforme Mirna, a União dos Estudantes Indígenas e Quilombolas (Uneiq) é um grupo que vem se unindo e se fortalecendo dentro da Universidade, visando a construção de novas narrativas dentro do espaço acadêmico. “Estamos nos unindo e nos fortalecendo para colocar nossas histórias e nossa fala como importante dentro desse e de outros espaços”, disse.

Fotos: Ana Fortunato, Audnã Abreu, Carolina Melo /UFG

 

Comments (1)

  1. Parabéns Mirna pelo brilhante trabalho, gostaria de ler por completo. Um grande abraço. Saudades dos nossos tempos de Bernardo Elis

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