Desejo que, em 2018, todos leiam um texto até o final antes de compartilhar, por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

As eleições deste ano têm tudo para serem as piores de nossa história. Se por um lado, o Palácio do Planalto voltará a ser ocupado por um presidente eleito pelo voto popular, por outro o show de horrores digital poderá deixar sequelas em nossa frágil democracia.

Os boatos tiveram um papel central nas eleições de 2014 e 2016, aproveitando-se do fato de parte dos eleitores não ter sido devidamente preparada para distinguir fofoca de informação correta, talvez pelo mesmo motivo de consumir memes de qualidade duvidosa com mais voracidade do que reportagens produzidas com profundidade.

Apesar de ter aumentado o número de pessoas que discutem política como efeito de um longo e traumático processo de impeachment, não é possível dizer que isso significou uma qualificação do debate político brasileiro. Pelo contrário, a polarização burra – incitada em grande parte a partir da guerra campal estabelecida nas eleições de 2014 – ajudou a moldar a forma como discutimos política em 2015, 2016 e 2017: gritando ”verdades” e escondendo ”mentiras” – sendo que verdade foi tudo aquilo com o qual concordamos e mentira, tudo da qual discordamos.

A proibição de financiamento empresarial vai levar, novamente, a candidaturas a combinarem com empresas interessadas em apoia-las para que arquem com serviços digitais de construção e desconstrução de reputações via internet num grande caixa 2. Esses serviços pagos tiveram um papel importante nas últimas eleições gerais de 2014 com a transformação da rede em palco de batalha em que ”fatos” caíram mortos. Por ser feito nas sombras, ser difícil de rastrear, não ter custos expressivos e nem passar pela campanha e seus representantes, esse financiamento é invisível à análise das contas. Mas pode mudar o resultado de uma eleição.

O Tribunal Superior Eleitoral afirma que irá agir, proibindo anúncios pagos em redes sociais sem a identificação do contratante e obrigado a derrubada de perfis falsos e robôs que alimentam redes sociais. Demonstra, com isso, que desconhece completamente como funcionam as fazendas de perfis falsos, com funcionários que atuam como ”semeadores” que dão vida como se atuassem em uma peça de teatro. Esses perfis inventam uma vida real, tornam-se amigos de milhares e relacionam-se contigo por anos até que, em período de eleição, mudam seu voto usando sofisticadas técnicas de manipulação digital. Mesmo derrubada de perfis falsos pelas próprias empresas de redes sociais (e elas vêm fazendo isso aos milhares) não consegue atuar de forma satisfatória junto a esse tipo de ação. Ou seja, a Justiça brasileira propõe trocar a fita da máquina de escrever quando todo mundo usa tablet e smartphone.

A democracia representativa segue em descrédito por parte da população por não conseguir dar respostas aos seus problemas. Ao mesmo tempo, candidatos como Donald Trump, nos Estados Unidos, e seus simulacros mal ajambrados no Brasil, travestem suas figuras anacrônicas do aparente frescor da novidade por serem outsiders do jogo político partidário tradicional, apesar do discurso que empunham defender a permanência do mundo de sempre.

As redes sociais, que passam ao largo dos veículos tradicionais de mídia, são peça fundamental nesse processo. Há uma presunção no ar, de quem está acostumado com as campanhas de sempre, dizendo que na hora em que começar a propaganda na TV, as coisas vão mudar e a política tradicional assumirá a dianteira. A verdade é que, na hora em que a campanha de TV começar, será tarde demais.

Parte da elite intelectual, seja de esquerda, de centro ou de direita, é vítima da arrogância de sua análise de conjuntura enviesada. Não raro, tratamos como piada ou folclore figuras que sabem muito bem o que fazer e que entendem como parcelas do eleitorado estão divididas, utilizando essa percepção a seu favor. Essas ”piadas” vão conquistar espaço nos Estados e em Brasília a partir de outubro através da conexão estabelecida por uma campanha levada a campo por seguidores desses candidatos (ou seja, de forma nativa) ou pela campanha paga (via semeadores de perfis e outras ferramentas digitais).

A população precisa ser alfabetizada, urgentemente, para o debate público nas redes sociais – principalmente os mais jovens. Isso não é censurar mas, pelo contrário, apresentar instrumentos para garantir a liberdade diante de quem tenta manipular nossa opinião. Por isso, fiz uma lista de meus desejos para internet brasileira em 2018:

Que todos leiam um texto ou assistam a um vídeo até o final antes de compartilhá-los.

Que verifiquem a fonte da informação de uma notícia antes de passá-la adiante. Se ela não tiver fonte ou se a fonte não contar com nome, sobrenome e endereço, evite compartilhar porque pode ser algo inventado.

Que procurem ler de tudo, não apenas coisas com as quais concorda. O ”outro lado” também tem suas razões que merecem ser conhecidas e entendidas.

Que não compartilhem qualquer coisas atrás de likes. O ”like” é um lugar quentinho. Quem não gosta de uma chuva de likes? Mas, ao repassar uma mentira, você também é culpado por ela.

Que procurem verificar os argumentos trazidos por uma postagem antes de assumir que ela é verdade. A postagem está baseada em fatos reais ou é discutível e você quer compartilhar apenas para usar como munição contra o seu amigo chato do WhatsApp?

Que se forem xingar este blogueiro, usem a criatividade. Ofensa sem criatividade, daquelas de ”tiozão da internet”, são de matar.

Por fim, desejo muito amor em 2018. Mas desejo mais ainda interpretação de texto.

Foto: Fernando Maia/Riotur

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

1 × 2 =