Henfil é tema de documentário ainda sem data de estreia nos cinemas

Cartunista, jornalista e escritor morreu há três décadas, a menos de um mês de completar 44 anos

Em O Tempo

Há 30 anos, morria no Rio de Janeiro, a menos de um mês de completar 44 anos, o cartunista, jornalista e escritor Henrique de Souza Filho, mais conhecido como Henfil. Assim como seus outros dois irmãos – o sociólogo Hebert de Souza, o Betinho, e Chico Mário – Henfil era hemofílico (doença genética que se manifesta sob a forma de hemorragias espontâneas ou traumáticas).

Como os pacientes acometidos pela doença, necessitou de transfusão de sangue e a partir dela foi contaminado com o vírus da Aids.

Falando ao jornal “Folha de S.Paulo” em setembro de 1987, Betinho disse que Henfil “sempre se recusou a entrar na ideia de que estava doente”. “Ele sempre negou radicalmente a hemofilia, sempre viveu como se não sofresse doença nenhuma, é o jeito dele”.

Henfil se mostrou engajado politicamente desde cedo, traço que muitos atribuem ao irmão mais velho, Betinho, mesmo que ele recusasse a influência.

“Se o fiz, foi de forma indireta, por observação dele. Menino ainda, ele se mostrava uma pessoa extremamente atenta a tudo que acontecia à volta. Sei que me observava e me seguia, mas não exerci papel de educador”, afirmava Betinho.

Começou a desenhar no início dos anos 60, mas pretendia cursar sociologia, como Betinho. Passou no vestibular, cursou menos de um semestre e, por influência de um professor, largou a academia para se dedicar ao desenho.

“Se você se empenhar, se aprimorar, acaba chegando lá. Não pode se acomodar. Não adianta fazer sociologia pensando em outra coisa”, dissera-lhe o professor Antônio Otávio Cintra.

CHARGES

Em 2008, quando dos 20 anos de morte de Henfil, o chargista Cláudio de Oliveira, que o conheceu quando foi morar em Natal (no período de 1976 a 1978), explicou como ele via o papel do profissional que assumia o desenho como forma de protesto.

“Henfil refutava o besteirol. Para ele, o cartunista deveria ter um alto senso de responsabilidade ao ocupar um espaço na imprensa. Deveria sempre fazer uma crítica contundente, um humor crítico, e não o mero gracejo com os donos do poder”, relembrou Oliveira.

Impetuoso no traço e na personalidade, Henfil publicava charges com traço rápido e humor ácido, o que o levou a rusgas com jornalistas, artistas e autoridades.

Criou personagens que marcaram sua carreira desde os tempos da revista “Alterosa” (onde sua carreira começou) até suas últimas publicações nos jornais “O Globo” e “O Estado de S. Paulo”.

São criações suas os Fradinhos, Zeferino, Graúna, Bode Orelana, Cabôco Mamadô, Urubu e Ubaldo, O Paranoico – além de Kid Alegrete, para representar João Saldanha.Publicou-os nos mais diversos periódicos. Na já citada “Alterosa”, nos jornais “Correio da Manhã”, “Jornal dos Sports”, “O Dia” e no suplemento “Folhetim” da “Folha de S.Paulo”; no “Movimento” e “Em Tempo”, da imprensa alternativa; na revista “Isto É”; e no famoso “Pasquim”, onde sua fama de chargista se consolidou.

Dos tempos de Estados Unidos (de 1972 a 1975), colaborou brevemente para o “Chicago Tribune”, “Philadelphia Inquirer” e o “Toronto Sun”.

Papel ativo na redemocratização

Como quase todo chargista, Henfil era crítico do sistema, e nos anos de chumbo não poderia ser diferente. Com o irmão mais velho exilado, o chargista foi um dos expoentes na luta pela anistia. O ponto alto foi a música “O Bêbado e a Equilibrista”, composição de João Bosco e Aldir Blanc, interpretada pela cantora Elis Regina (1945-1982).

Henfil ficou fascinado pela canção e telefonou ao irmão. “Liguei para Betinho e disse: agora temos um hino, e quem tem um hino faz uma revolução”.

A música tornou-se um símbolo da luta pela volta dos exilados e ficou conhecida como o “Hino da Anistia”.

Na esteira da luta pelos direitos a serem readquiridos, em 1983 começa o movimento Diretas Já.

Novamente Henfil tem participação importante pelo engajamento político que sempre exerceu e pelo desenho que gravou como símbolo do movimento: o senador alagoano Teotônio Vilela de bengala para o alto e exigindo “Diretas Já!”.

OBRAS 

Sob os cuidados do filho Ivan Cosenza de Souza está o acervo de Henfil. Estima-se que, em 26 anos de carreira, ele tenha produzido entre 20 mil e 30 mil desenhos, sem contar cartuns animados, textos, sinopses e roteiros para televisão, cinema e teatro.

De sua lavra constam dez obras em vida e seis póstumas, além de outras três coletivas. Está para ser lançado “Coletâneas do Pasquim” e relançado “Como se faz humor político”.

Tem também o filme “Tanga (Deu no ‘New York Times?’)”, de 1987, que não foi bem recebido pela crítica, que apontou erros de narrativa e falta de elementos cinematográficos.

Apesar de toda a participação em assuntos de política e na luta pelos direitos suspensos na ditadura (1964-1985), Henfil explicou em depoimento, em 1980, ao jornal “Movimento”, porque declinou do convite para integrar-se à luta armada.

“Eu não ia para o escuro da clandestinidade. Quem leva vantagem no escuro é cego. Ninguém leva vantagem sobre ele numa briga de foice no escuro”.

Homenagem

Os 30 anos da morte de Henfil foram lembrados por seu filho, Ivan Cosenza, há dois dias, em postagem no seu blog “As Cartas do Pai”, onde ele publica rotineiramente mensagens direcionadas ao cartunista. “O que fico imaginando é quanta coisa teria feito em mais 30 anos, já que em 25 anos de profissão, produziu tanta coisa boa! Seus personagens até hoje são usados em campanhas sociais, sindicais, no movimento estudantil e em tantas outras campanhas”, escreveu.

Amigos falam em filme a ser lançado

Se fosse vivo, Henfil teria hoje 73 anos. Mineiro de Ribeirão das Neves, nasceu em 5 de fevereiro de 1944. Em outubro do ano passado, a história do cartunista foi retratada no documentário Henfil. Dirigido por Angela Zoe e lançado no Festival do Rio, o filme tem depoimentos de figuras próximas a ele, como seus colegas no semanário “O Pasquim”: Ziraldo, Jaguar, Sérgio Cabral e Tárik de Souza. “É um erro chamá-lo de cartunista, porque ele foi um multiartista”, diz Tárik de Souza em um dos depoimentos.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos

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