Temer torra milhões para te convencer a reeleger quem mudar a Previdência, por Leonardo Sakamoto

Blog do Sakamoto

O governo Temer vem torrando uma grana violenta para veicular publicidade a fim de te convencer que a proposta que defende para a Reforma da Previdência é tão legal, mas tão legal, que você não deveria amaldiçoar o seu querido deputado federal, nas eleições deste ano, caso ele vote a favor da proposta.

Temendo que o eleitor vá à forra, parte dos congressistas está se borrando de medo e não promete estar ao lado do governo, em fevereiro, na hora da votação. Talvez tenha que ir ao dentista para uma limpeza de tártaro de emergência. Ou ficará gripado.

Diante disso, Temer sabe que não adiantaria fazer um discurso como aquele famoso de Fernando Collor, do dia 21 de junho de 1992, em que pediu à população: ”Não me deixem só”. Sim, antes de ser nome de música da Vanessa da Mata, isso já foi apelo de presidente acusado de corrupção.

Temer, raposa velha, sabe que o melhor a fazer nessas horas é torrar todo o dinheiro existente e o inexistente.

O problema é a origem desse dinheiro. Se ele viesse de uma vaquinha realizada por grandes empresas e pelo mercado financeiro, que ora pressiona, ora ameaça o governo e o Congresso pela mudança nas regras da aposentadoria, seria mais justo. Mas vem do bolso de todos os que pagam impostos direta ou indiretamente, ou seja, todos nós.

Isso ocorre, como bem sabemos, através da liberação de emendas. O governo afirma que tem disponível R$ 30 bilhões para que os parlamentares anestesiem sua base eleitoral com alguns investimentos desejados há tempos a fim de não sentirem a chicotada da reforma no lombo. Depois pelo perdão de dívidas e também o apoio à aprovação de leis e portarias que signifiquem prejuízo aos cofres públicos e ganhos para deputados e senadores. Enfim, o loteamento da República.

Ao mesmo tempo, contrata-se (com dinheiro de todos, ressalte-se) muita publicidade estatal. Para rádio, TV, jornal e revista, internet. Apuração publicada na Folha de S.Paulo, desta segunda (22), mostra que o governo já gastou R$ 103,5 milhões em anúncios defendendo as mudanças na aposentadoria. E prevê que gastará mais R$ 50 milhões em janeiro e fevereiro, quando está prevista a sua colocação em pauta.

A recente campanha do governo federal focada nos ”privilégios” quer fazer crer que os atingidos serão apenas as carreiras do funcionalismo público que se aposentam com altos salários. Quem lê este blog com regularidade sabe que, por mais que o governo tenha cedido, a proposta ainda causará um forte impacto entre os trabalhadores que não se encaixam nem entre os que ganham bem, nem entre os que estão em pobreza extrema. Muitos são os que receberão pensões menores do que aquelas aos quais teriam direito caso se aposentem com idade mínima e 15 anos de contribuição.

Além do mais, o governo quer fazer crer que a única proposta possível é aquela apoiada por ele.

Primeiro, garantindo que apenas o seu ponto de vista seja divulgado. O posicionamento contrário à proposta não conta com recursos para expor ao público amplo seus argumentos, mostrar aquilo que o governo não que contar sobre a reforma e abrir um debate público sobre a questão. Ou seja, a sociedade brasileira, através dos seus impostos, está bancando anúncios que tratam de apenas um lado da questão. Não é uma questão de injustiça. É sacanagem mesmo.

Já ouvi a justificativa de que a razão disso é que a proposta da Reforma da Previdência do governo não é um posicionamento, mas ”bom senso”. Vale lembrar que o ”bom senso” não é neutro. Pelo contrário, é construído. Uma ação ou um comportamento visto como naturais ou lógicos são, na verdade, a resultante de uma série de disputas no seio de uma sociedade. Com o tempo, a lembrança dessas batalhas se esvai ficando apenas o seu resultado: uma ideia largamente aceita e pouco questionada.

Aliás, não há discurso mais ideológico do que aquele que diz que não possui ideologia. Ao tentar naturalizar relações sociais, culturais e econômicas como se fossem ”naturais” ou ”lógicas” ele está construindo, na verdade, uma complexa rede de estruturas. O neoliberalismo é craque em se afirmar neutro quando, na verdade, não é. Em dizer que é lógico e natural que uma forma específica de lidar com as aposentadorias é a única ”racional” possível. A sua forma.

A Justiça Federal havia suspendido essa campanha publicitária pró-reforma do governo federal. Contudo, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, suspendeu essa decisão em abril, afirmando que isso tira a possibilidade do governo de divulgar a motivação da proposta. E que se houver conteúdo inverídico em uma peça publicitária, que a restrição seja pontual.

Mas a discussão não é apenas o conteúdo da campanha, mas a campanha em si. Isso significa que a própria Justiça – ao endossar uma ação de propaganda política que é claramente de convencimento e não de informação – está desequilibrando esse debate e restringindo a força do contraditório.

Particularmente, acredito que grande parte da população não quer a reforma não porque o governo não sabe se comunicar, mas porque, pelo contrário, deixou muito claro o que queria. E não mostrou esforços pela restruturação do país que também incluam sacrifícios por parte dos mais ricos, que não dependem do INSS ou de serviços públicos porque podem pagar pelo seu presente e seu futuro.

Fala-se em combate a privilégios, contudo o governo não fala sobre o retorno da taxação dos dividendos recebidos de grandes empresas ou a mudança no Imposto de Renda, criando alíquotas de até 40% para salários muito altos e isentando a maior parte da classe média.

A sociedade mudou, a estrutura do mercado de trabalho mudou, a expectativa de vida mudou. Portanto, as regras que regem a Previdência Social podem e devem passar por discussões de tempos em tempos como já disse aqui repetidas vezes. Contudo, a discussão deveria ser bem conduzidas. O que não está sendo o caso.

Até porque essa proposta de Reforma da Previdência não estava no projeto de governo apresentado pela chapa vitoriosa com a qual Michel Temer concorreu em 2014 – mesmo que tenha sido um ”vice decorativo”, como ele mesmo diz.

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