A guerra pelo PSOL: uma reunião com o petista Tarso Genro desencadeou o inferno

Por Rogério Daflon, no The Intercept Brasil

Em 2003, quatro deputados federais e uma senadora do PT deixaram a legenda por discordar da reforma da Previdência aprovada pelo então governo Lula. Da briga surgiu o Partido Socialismo e Liberdade, PSOL. No último dia 3, em um evento em São Paulo, Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, anunciou sua candidatura à Presidência da República. O evento não teria nenhuma relação com aquela debandada em 2003 não fosse por um detalhe: Boulos seria candidato pelo PSOL sob as bênçãos de Lula. No evento, o ex-presidente apareceu em um vídeo dando as boas-vindas à candidatura de Boulos.

O evento em São Paulo – que Boulos fez questão de frisar que era dos movimentos sociais, e não do partido – enfureceu boa parte da militância do PSOL, mas não pegou ninguém de surpresa. Em junho do ano passado, uma reunião da cúpula pessolista acendeu o pavio que descambaria no incêndio visto nas redes sociais nos últimos dias, com militantes e dirigentes atacando-se abertamente. Naquele mês, Tarso Genro, petista histórico e amigo de Lula, se reuniu em São Paulo com o deputado estadual Marcelo Freixo, o deputado federal Ivan Valente e o próprio Boulos, além do senador petista Lindbergh Farias. Todos negam que tenham conversado sobre a candidatura, mas Boulos saiu do encontro como presidenciável do PSOL.

A reunião de Freixo e Valente com Tarso colocou uma granada sem pino na mesa. A ideia de que o partido que surgiu de um racha com Lula teria um candidato ungido pelo próprio ex-presidente provocou reação imediata.

“A reunião com Tarso Genro já trouxe grande preocupação”, lembra Renato Cinco, vereador do partido no Rio e uma das vozes mais pesadas contra o enxerto de Boulos sem discussão ampla. “Dali em diante, surgiram vários interlocutores a me dizer que havia uma intenção de reorganizar a esquerda. E, dessa reorganização, o PSOL teria seu nome transformado para algo como ‘Vamos’, ‘Podemos’, essas coisas… Tudo isso foi inquietando parte da militância”.

Em conversas com outros descontentes, Cinco contra-atacou.

 

A candidatura de Plínio: um contra-ataque

Em outubro do ano passado, Cinco procurou o economista e professor Plínio de Arruda Sampaio Jr. para sugerir que ele fosse candidato à Presidência pelo PSOL. O professor do Instituto de Economia da Unicamp rompeu com o PT em 2005. Em 2010, foi um ativo colaborador da campanha para presidente da República pela legenda de seu pai, Plínio de Arruda Sampaio, que morreu em 2014, como um dos mais severos críticos dos latifúndios no país.

“Boulos é tão alinhado ao Lulismo que leva o PSOL a se confundir justamente com o PT”.

Plínio Jr. não só abraçou a ideia como também aumentou o tom contra as práticas petistas nos poderes executivos, sobretudo, é claro, no Governo Federal dos anos Lula e Dilma. Mas, à medida em que a pré-candidatura de Boulos se transformava em realidade, foi também aumentando o tom contra o que chama de descaracterização do PSOL.

“Boulos é tão alinhado ao Lulismo que leva o PSOL a se confundir justamente com o PT, partido com o qual temos profundas diferenças programáticas e que, nos anos em que governou o país, não fez qualquer mudança estrutural”, disse Plínio Jr.

 

Guerra escancarada: Plínio Jr. não mede palavras nas críticas à aliança entre Lula e Boulos.

Renato Cinco foi além: “O PSOL nasceu para superar a experiência do PT. Eles nos tacham de udenistas e moralistas, porém o partido apareceu na cena política não no Mensalão, mas a partir da reforma promovida pelo PT, na qual o aposentado passou a contribuir mais, e da ‘Carta ao povo brasileiro’, em que Lula fez uma aliança explícita com o capital”.

 

Em post no Facebook, vereador Renato Cinco critica o PT

Freixo tenta minimizar sua importância no “projeto Boulos”. Diz que é apenas um grande amigo de Tarso Genro. “No PT, Tarso foi um dos poucos que não degeneraram”, comentou. Para lembrar: Tarso é pai da ex-deputada federal Luciana Genro, uma das vozes mais críticas ao PT dentro do PSOL, mas que avaliou a candidatura de Boulos como “uma vitória enorme para o partido”.

Prévias? Que prévias?

Para Plínio Jr., tanto Freixo como o deputado Ivan Valente construíram a candidatura de Boulos de forma pouco democrática. “Tenho viajado muito o país, e muitos militantes do PSOL estão revoltados quanto à forma como esse processo foi conduzido. A ideia de prévias eleitorais foi totalmente desprezadas pelo partido. Pelo menos 40% dos militantes estão insatisfeitos”.

O pré-candidato diz que chegou a hora de levar a critica ao PT às últimas consequências: “Não há soluções dentro desse sistema. Queremos o novo, e não reciclar o velho, como aponta a candidatura de Boulos”.

“O Plínio acha que não teve golpe neste país. Então, pensamos bem diferente”.

Freixo não esconde a irritação com a conduta do colega. Sempre se posicionando como grande admirador de Plínio, o pai – a quem chama “o Plínio bom” – ele ressalta que houve uma grande convenção do PSOL e que, nela, ninguém propôs que prévias fossem feitas para a escolha de uma entre as pré-candidaturas a presidente da República – além de Plínio Jr, também são pretendentes o pedagogo Hamilton Assis e o economista e professor Nildo Ouriques.

“O Plínio acha que não teve golpe neste país. Então, pensamos bem diferente. Não precisamos do aval de Lula para lançar a candidatura de Boulos. Temos críticas severas aos governos do PT. E Boulos também é crítico desses governos. Não somos anti-Lula, mas isso não significa que somos a favor do Lulismo”, argumentou Freixo.

E alfinetou mais uma vez Plínio: “Ele estava sumido ultimamente… até aparecer nessa pré-candidatura. Espero que seja mais ativo daqui para frente”.

”Nós queremos ultrapassar os limites do partido. Aumentar sua base popular, e uma candidatura como a de Boulos é capaz disso”.

O deputado federal Ivan Valente também mostrou-se contrariado com as declarações de Plínio Jr.. Disse que prévias no partido para a escolha de um candidato a presidente iriam demorar pelo menos três meses. “O partido iria se ensimesmar, se internalizar e perder o bonde da história no momento da maior crise política do país. Seria um despautério”, enfatizou. “Trata-se de uma questão política. Fizemos uma convenção do PSOL, houve mais de mil plenárias, e delas tiramos os delegados que vão referendar o nome de um dos candidatos a presidente. Nós queremos ultrapassar os limites do partido. Aumentar sua base popular, e uma candidatura como a de Boulos é capaz disso”.

Valente acredita que a legenda não vai se descaracterizar. E citou opolêmico vídeo de Lula dando boas-vindas à candidatura de Boulos, no último dia 3: “O evento não era do PSOL. E Lula jamais vai descaracterizar o PSOL”.

 

Perda de identidade

Quadro histórico da esquerda e do PSOL, Milton Temer, do diretório nacional do PSOL, conversou pessoalmente com o Guilherme Boulos sobre o caso do vídeo de Lula: “Ele argumentou que acolheu a determinação dos movimentos sociais que quiseram expor o vídeo. O evento ali foi antes da filiação do Boulos. E temos de entender que ele traz uma ampliação da base popular para o partido. E isso não é pouca coisa”.

Seja como for, existe o temor da descaracterização do PSOL em segmentos do partido. Segmentos esses que Freixo diz serem “apenas 10%” dos filiados. Membro da Executiva Estadual do Rio, Honório Oliveira afirma que o discurso de Boulos é bem mais condescendente com Lula do que o do próprio Freixo. “Embora Freixo esteja na origem dessa candidatura, Boulos ainda está bem longe do discurso crítico do deputado em relação aos governos do PT”.

Na última quarta-feira, Boulos viajou ao Rio de Janeiro e debateu com Plínio Jr, Hamilton Assis e Nildo Ouriques, na Associação Brasileira de Imprensa. Plínio protestou de forma veemente contra a ausência de prévias. Os outros dois candidatos, de forma mais amena, corroboraram a fala de Plínio. Boulos tentou demonstrar que, na visão dele, é hora de as correntes internas do partido se unirem. “Precisamos aprofundar o debate com a sociedade”, disse.

Na conferência deste sábado, a granada estará ainda em cima da mesa.

Guilherme Boulos encontra com Lula em ocupação em São Bernardo do Campo, em 27 de janeiro. Foto: Bruno Santos /Folhapress

 

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