Moro mostra desapego à Constituição sobre direito de defesa, dizem juristas. Por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

O juiz federal Sérgio Moro sugeriu que o próximo presidente da República apresente uma emenda constitucional caso o Supremo Tribunal Federal volte atrás em decisão anterior e garanta liberdade ao réu até que não exista mais possibilidade de recurso.

O objetivo seria mudar o inciso 57, artigo 5º, da Constituição Federal que garante que ”ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

A declaração foi dada no programa Roda Viva, da TV Cultura, na noite desta segunda (26). Durante a entrevista, Moro criticou a possibilidade do STF rever a execução provisória da pena de prisão para condenados em segunda instância. Chamou de ”extremamente generoso com recursos” o sistema judicial brasileiro e disse que esperar o último julgamento para a prisão ”leva à impunidade” e que uma mudança seria um ”desastre”. Cita 114 penas executadas em sua vara federal, desde 2016, confirmadas pela segunda instância.

O debate sobre a possibilidade de prisão após decisão de segunda instância ganhou a esfera pública por conta do caso de Lula. Condenado por Sérgio Moro por corrupção passiva e lavagem de dinheiro envolvendo o apartamento triplex do Guarujá, ele teve a sentença confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região. Contudo, parte dos ministros do Supremo já demandava uma nova análise coletiva sobre o tema da prisão após segunda instância antes do caso do ex-presidente chegar à corte, uma vez que isso afeta a vida de milhares de réus.

A saída – emenda constitucional – apontada pelo magistrado é criticada por juristas ouvidos pelo blog. ”O argumento mostra o xeque-mate que ele dá em si próprio. Ele deixa claro que a Constituição é um mero detalhe. Uma segunda opção, como se fosse possível interpretá-la como eu bem quisesse e, caso a interpretação não seja aceita, mudo a Constituição”, afirma Alamiro Velludo Netto, advogado criminalista e professor titular do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. ”Com isso, ele demonstra um desapego constitucional.”

O princípio da execução da pena após trânsito em julgado está previsto em dois lugares em nossa legislação: no inciso 57, artigo 5º, já citado, e no artigo 283 do Código de Processo Penal.

Para a Eloísa Machado, professora da FGV Direito-SP e coordenadora do centro de pesquisa Supremo em Pauta, ”a Constituição proíbe emenda constitucional para retirar direitos fundamentais”.

Segundo ela, parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal está tentando rever a decisão de fevereiro de 2016 quando, por 6 a 5, autorizaram a execução provisória da pena para condenados em segunda instância. Essa parte acredita que a interpretação do STF fere o texto constitucional.

Para Eloísa, a alternativa que adotariam seria mudar o Código de Processo Penal. Em seu artigo 283, ele afirma que ”ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

O problema, segundo Eloísa, é que essa mudança iria alterar o sistema recursal brasileiro, impossibilitando recursos ao Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal para garantir a liberdade de réus enquanto não encerrasse o seu processo.

”Você terá mais direito à defesa em contratos de compra e venda e em assuntos relacionados à propriedade, previstos no Código de Processo Civil, do que em relação à liberdade”, explica a professora e pesquisadora da FGV Direito.

Alamiro lembra que a redação do artigo 283 é de 2011, portanto produto de decisão recente do Congresso Nacional. ”O parlamentar, debruçando-se sobre esse tema, deliberou que só pode ser preso após trânsito em julgado. Não é possível dizer que há um déficit de deliberação causado pelo fato do Congresso não discutir a matéria. Não tem vácuo”, explica.

Ele acredita que só a alteração do Código de Processo Penal não resolveria a insegurança jurídica sobre o tema. Pois mesmo alterado o artigo 283, a Carta Magna – que está acima do CPP – funcionaria como uma trava.

A Constituição prevê cláusulas pétreas, que não podem ser alteradas, ou seja, há uma proibição de regresso de direitos conquistados. Eventualmente, o Congresso Nacional poderia considerar que, apesar de estar no capítulo que trata dos diretos fundamentais, a questão do trânsito em julgado não configura um deles e altere por emenda o texto.

Nesse caso, será aberto um novo flanco de discussão jurídica que, ironicamente, pode ser decidido pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Pois, caso aprovado no Congresso Nacional, certamente algum partido político ou mesmo um advogado independente apresentará à corte uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando a ação de deputados federais e senadores.

”Isso vai gerar uma polêmica muito grande e um debate muito grande, se um tipo de norma que suprime garantias fundamentais pode ser aceito ou não”, afirma Alamiro.

 

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