No blog do Sakamoto
A primeira reação de Michel Temer à descabida declaração do comandante do Exército, nesta terça (3), foi ficar em silêncio. Não importa que, em algum momento, venha a púbico repudiar o ato. Já mostrou seu papel irrelevante.
Através de sua conta no Twitter, o general Eduardo Villas Bôas afirmou: ”Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.
Depois completou o raciocínio em uma segunda mensagem: ”Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”
Um comandante do Exército não poderia ter se manifestado como fez o general. Sua declaração de que ”compartilha anseio de repúdio à impunidade”, às vésperas do julgamento do habeas corpus solicitado pela defesa do ex-presidente Lula no Supremo Tribunal Federal, e a dubiedade do conteúdo, além de representar inadmissível pressão indevida, é uma chantagem à corte.
Uma das diferenças entre um governo militar e um civil é que no civil, os militares que desejam participar do jogo político, atuando dessa forma, devem fazê-lo pela via eleitoral. Com suas palavras, ao invés de trazer ”paz social”, apenas acrescentou mais ansiedade à situação já tensa. Até porque suas publicações no Twitter foram saudadas por outros generais em posições de comando.
E comemorada até por figuras públicas, como políticos e magistrados, em um comportamento que lembrou as “vivandeiras alvoroçadas”, para usar as icônicas palavras do marechal Humberto Castelo Branco.
Com Temer embaixo da cama, quem assumiu o papel de chefe de governo foi o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, respondendo às declarações:
“Em momentos de turbulência, quando setores da sociedade se posicionam de diferentes formas, não se deve questionar o respeito à Constituição. Cada órgão do Estado deve seguir exercendo suas funções nos limites estabelecidos por ela. É hora de buscar a união do país com serenidade”, disse em nota.
Diante da falta de legitimidade, das denúncias de corrupção e da incompetência em gerar empregos no ritmo que o país precisa, e tendo perdido o suporte de outrora garantido pelo mercado por não ter conseguido aprovar a Reforma da Previdência, o presidente da República fez um movimento temerário, trazendo as Forças Armadas para perto de si.
Antes de entregar o comando da intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro a um general, ele já havia colocado militares em outros postos-chave, como lembrou reportagem da Folha de S.Paulo. Temos um general no Ministério da Defesa; um general comandando a Funai; outro, a Secretaria Nacional de Segurança Pública; mais um na chefia de gabinete da Casa Civil. Sem contar que ele já havia entregue o Gabinete de Segurança Institucional a um general, devolvendo ao órgão o controle sobre a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). E que sancionou a lei que transfere o julgamento de crimes cometidos por militares durante operações urbanas para a Justiça Militar.
Ninguém questiona a importância das Forças Armadas e o papel que elas cumprem em uma democracia. Mas os governos civis pós-1988 distanciaram os militares da gestão do país não apenas por traumas do passado, mas também por uma visão de democracia próxima do voto e distante dos quartéis. Ao buscar neles fiadores, Temer correu o risco de jogar esse esforço no lixo. E ir junto com ele.
Por fim, por mais inaceitáveis que sejam as declarações do general, não acredito que isso represente uma ameaça real de golpe.
Faz-se necessário entender quem é Villas Bôas: parte do grupo moderado, como me reafirmou uma pessoa em posto-chave na corporação, ele não acreditava em ”tutela” da sociedade por parte das Forças Armadas, achava que intervenção militar é coisa de maluco e disse que só agiria em caso extremo a pedido dos Poderes constituídos da República. Mesmo sofrendo de uma grave doença degenerativa, permaneceu em seu posto para garantir que a transição no Exército ocorresse da maneira mais suave possível. Em outras palavras, que a ala mais radical não herdasse o comando.
Ele pode ter mudado de ideia nos últimos dias? Sim, claro. E caso tenha se unido ao grupo dos maníacos, teremos um problema grave.
Mas também é provável que tenha se pronunciado para marcar uma posição do Exército, respondendo às pressões internas de grupo pouco democráticos, que cobravam isso, na ativa e na reserva – como o general de pijama que defendeu um golpe caso Lula seja eleito. Sim, isso não deixa de ser bizarro, pois uma coisa é um general na reserva que não manda mais em nada se manifestar, outra é o comandante do Exército, que segue uma hierarquia, respondendo ao presidente da República, dizer o que disse.
Mas se a declaração serviu como estratégia para acalmar o descontentamento de setores influentes da tropa, como uma queimada controlada para evitar um incêndio, as perguntas são outras: O que acontece depois que o STF é pressionado por um comandante que foi pressionado por seus subordinados? Quem são essas pessoas capazes desse tipo de pressão? Eles ocupam postos importantes no governo? Há ainda um governo?
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