Ao fechar Escola, Estado corta vínculo com comunidades do Campo

Na Asa Brasil

No semiárido paraibano, na pequena Sumé que tem 16.872 mil habitantes, três escolas do campo acolhem crianças e jovens que vivem no meio rural. São 33 instituições de ensino a menos, segundo a professora Maria Liliana da Silva. Ela conta que no ano 2000, a cidade contava com 36 unidades escolares. Em Piracuruca, no Piauí, funcionavam 28 escolas no campo há cerca de três anos, e agora só estão funcionando nove. Basta chegar a qualquer cidade do Semiárido para saber de alguma história de fechamento de escola. Para alguns, um processo naturalizado, para muitos o enterro de um projeto de vida da comunidade.

“Tiraram a presença do Estado da nossa comunidade. A escola é cada um pai, cada um aluno, cada um profissional e nada desse sentimento foi levado em consideração [quando fechou a escola]. O que ficou foi o desrespeito com as famílias, com as pessoas que faziam a escola. Então tudo isso, esse amor que a gente tinha pela escola não foi contado. A gente tinha um jardim lindo na escola e hoje quando passa dá vontade de chorar por ver tudo aquilo abandonado. Não foi levado em consideração a dedicação da gente”, lamenta Maria Liliana ao se referir ao fechamento da Escola Rodolfo Santa Cruz que fica na comunidade Pitombeira, no município de Sumé (PB).

A unidade foi construída na década de 1970 e faz parte da trajetória da comunidade. Lá, a prática da educação contextualizada era referendada e reconhecida, sendo objeto de estudo e laboratório para pesquisadores/as. “O sentimento é de revolta, é de muita angústia. Hoje eu sou uma professora frustrada porque essa escola é um projeto de vida e muito antes de termos capacitação, a gente já trabalhava com a educação contextualizada para a convivência com o Semiárido. A escola era uma extensão da minha casa. Um laboratório vivo onde a gente tinha como base o [conhecimento] local. A gente trabalhava para compreender o local e contextualizar com o que vem de fora. Educação é direito e é direito do sujeito do campo estudar onde ele mora”, enfatiza com tristeza, a educadora. Hoje as crianças da comunidade percorrem 20 km e atravessam dois rios temporários para chegar até a unidade de ensino mais próxima.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 40 mil escolas rurais foram fechadas no país nos últimos 15 anos. A maioria das unidades educacionais fechadas estava nas regiões Norte e Nordeste. O argumento das gestões municipais se pauta nas reformas no ensino fundamental promovidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que objetiva a implementação da municipalização e universalização do ensino básico, e para tanto, realiza o processo de nucleação de escolas que consiste em fechar escolas multisseriadas, e transferir estes alunos para unidades maiores com o argumento de que isso viabiliza a separação em classes de acordo com a idade, e eleva a qualidade do ensino, bem como de que isso raciona recursos.

São muitas as consequências decorrentes do fechamento das escolas do campo, entre elas estão a perda da identidade cultural e o êxodo rural. Sobre o assunto, a docente da Universidade Federal de Campina Grande e membro da Rede de Educação do Semiárido (Resab), Socorro Silva destaca que “na hora que fecha a escola, a família fecha a casa e vai pra sede do município. Num espaço em que a única presença do Estado é o prédio da escola. E quando a escola é fechada o Estado se retira totalmente de dentro da comunidade campesina e não tem nenhuma outra estratégia, é de suma importância o Programa Cisternas nas Escolas porque conseguimos articular duas estratégias importantes para uma comunidade rural: não só a tecnologia em si, mas o que vem junto com esse processo de formação e de mobilização das comunidades”, defende.

Em artigo intitulado Educação e políticas de fechamento de escolas do campo, o doutor em sociologia, Elias Canuto, e o acadêmico da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), Fabiano de Jesus confrontam estes argumentos do poder público e apontam que a nucleação traz mais danos do que ônus ao ensino básico, sobretudo, quando argumenta-se que o município reduz gastos ao fechar escola e investir em transporte escolar, afinal “o aumento expressivo nos repasses do Pnate [Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar] aos estados e municípios visa possibilitar a continuidade das escolas no campo, o que não justifica a continuidade do fechamento de escolas no campo e a política do transporte escolar, visto que o valor passou de R$ 545,80 milhões, em 2003, para R$ 596,4 milhões em 2010 […]. Constitucionalmente, o fechamento das escolas fere quatro dimensões do direito à Educação: disponibilidade; acessibilidade; aceitabilidade e adaptabilidade”.

“Uma coisa que a gente percebe é que as famílias não são informadas quando vão fechar as escolas. É um problema sério! Ao questionar com o prefeito, ele acha natural porque acha que elimina gastos. O argumento principal do poder público é que não tem recurso pra manter a escola e não se pensa que pode prejudicar a educação das crianças Em São José do Divino [PI] que a gente achava que encontraria cinco escolas funcionando, só tinham três, uma já tem cisterna, mas as outras foram fechadas. Do centro da cidade para uma das escolas nucleadas, a gente percorre 30 km, a outra escola existente fica a 40 km. A cidade foi dividida ao meio e cada espaço ficou com uma escola”, denuncia o Coordenador do Centro Mandacaru, José Pinheiro dos Santos.

Contudo, há comunidades que ainda resistem e têm conseguido manter a escola funcionando. É o caso da Escola Municipal de Cabeceira de Macaúbas em Cônego Marinho no Semiárido mineiro. Na localidade, houve uma tentativa de transferir os dez alunos para uma escola localizada a 12 km, mas segundo Edson Carneiro Rocha que reside em Cabeceira e tem um filho matriculado, a comunidade questionou a prefeitura e conseguiu evitar a ação. “Eu acredito que eles estavam querendo fechar a escola disfarçando dizendo que era uma reforma, mas que os alunos não iriam voltar pra mesma escola mais. Eu estudei nesta escola, meus tios estudaram nesta escola e acho que é uma riqueza porque a escola é um mérito que a comunidade tem. Se fechar muda a rotina, os alunos já vão chegar na escola cansados, sem falar que as estradas são muito ruins. A gente sabe que horas eles saem de casa, mas não sabem que horas eles vão voltar. Fechar a escola é uma grande perda para a comunidade”, explica.

Em 27 de março de 2014, a lei nº 12.960, alterou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Com isso, passou a ser exigido o consentimento da comunidade para o fechamento da escola. “O fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas será precedido de manifestação do órgão normativo do respectivo sistema de ensino, que considerará a justificativa apresentada pela Secretaria de Educação, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a manifestação da comunidade escolar”, rege a Lei.

Cisternas nas Escolas

A implantação de tecnologias de captação e armazenamento de água da chuva nas escolas rurais do Semiárido é uma ação que tem possibilitado o fortalecimento e permanência das famílias no campo. Iniciado em 2009, o Programa Cisternas nas Escolas da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) já implantou 5.523 cisternas de 52 mil litros em 494 municípios da região semiárida. No entanto, a nucleação das escolas tem sido um grande problema enfrentado para garantia do acesso à água para estudantes das escolas do campo e, aliado a isso, há relatos de abandono de tecnologias causado pelo fechamento das unidades de ensino. Em levantamento feito em março deste ano, numa amostragem de 63 municípios atendidos pelo Programa, constatou-se o fechamento de 140 escolas que já tinham conquistado a tecnologia, nos últimos dois anos.

O dado é alarmante, visto que, além da cisterna, membros da comunidade e da escola passam por um processo de mobilização e formação e há também uma parceria com as prefeituras a fim de que se firme o compromisso com o pleno funcionamento da escola. “Ano passado a gente foi implantar oito cisternas em Domingos Mourão [PI], mas só foram possíveis duas justamente por conta da nucleação. Tem relatos de jovens que saem 4h10 de suas casas para pegar o ônibus e vão voltar pra casa só 12h10 ou 13h quando o ônibus traz os alunos da tarde. Eles saem da aula às 11h10 e ficam este período aguardando. Os jovens ficam lá sem comer, porque só tem a merenda. Neste momento eu senti como um jovem desse sai 5h da sua casa, passa a manhã toda na sala de aula, tem uma merenda fraca e ainda tem que esperar pra sair só de 13h”, descreve Pinheiro.

Além do acesso à água, o Programa Cisternas nas Escolas garante a formação e mobilização da comunidade escolar em torno de temas como a convivência com o Semiárido e a educação voltada para a realidade local. A ação envolve estudantes, professores/as e cozinheiras no debate sobre diversas áreas do conhecimento relacionadas ao cotidiano da comunidade, desmistificando a imagem do Semiárido como lugar seco, pobre e sem vida.

“O Cisternas nas Escolas nos ajudou a aprofundar essa realidade do campo. Este espaço no qual a gente trabalha que tem comunidades e povos tradicionais, assentados, agricultores familiares, camponesas, mas também tem fazendeiro, agronegócio, latifundiário, tem mineração entrando com força em todas as áreas do Semiárido brasileiro. É um campo que disputa um modelo e um projeto de desenvolvimento. E o que é que a educação tem haver com isso? Tudo! Porque desde o inicio desse país a educação foi concebida para a elite; e a elite deste país não está nas escolas rurais, não está campo”, revela a monitora pedagógica do Cedasb, organização que atua no Semiárido baiano, Eliane Lima.

Ainda são muitos os desafios, mas a professora Socorro Silva aponta que as conquistas acumuladas ao longo dos anos permite esperançar e dar força para prosseguir na luta por garantia de direitos para os povos que habitam o Semiárido. “Foi através de muita luta que a gente pode dizer hoje, que conquistou algumas coisas no debate da comunicação, principalmente que o estado começasse a entender a educação como um direito social. A realidade do Cisternas nas Escolas tem ajudado a ASA a olhar com um outro olhar. E nós que trabalhamos nesta realidade precisamos aprofundar. Precisamos que este debate vá para nossa formação. Precisamos pedir apoio não só pela tecnologia, mas para discutir o modelo de educação e que a gente não quer só água, a gente quer convivência com o Semiárido!”, salienta.

Foto: MST.

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