“O ruralista está acabando com a gente”, diz Yanuke Waurá

por Fábio Zuker, em Amazônia Real

Brasília (DF) – Os povos que se autodenominam Waurá, falantes da língua Maipure da família Aruák, vivem nas proximidades da lagoa Piyulaga (em português significa “lugar de pescar” e é também nome da principal aldeia), na região do baixo rio Batovi, no Parque Indígena do Xingu, no sudoeste do Mato Grosso. No parque vivem também os povos Mehinako, Yawalapiti, Pareci e Kayapó e outras dez etnias. O território foi o primeiro a ser homologado no Brasil, em 1961.

A criação do Parque Indígena do Xingu foi um esforço dos irmãos Villas Boas em razão da especulação imobiliária e invasão da terra. Passados 57 anos da homologação da terra, os Waurá ainda convivem com graves violações de direitos no território. São ameaçados por madeireiros, pecuaristas e pelo avanço do agronegócio. Eles formam uma população de mais de 500 pessoas, conforme dados levantados pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) em 2012.

Durante o Acampamento Terra Livre (ATL), que aconteceu no mês de abril em Brasília, a reportagem da agência Amazônia Real entrevistou a indígena Yanuke Waurá. Ela conta da importância da participação das mulheres no encontro e como o seu povo está enfrentando os ataques de fazendeiros, que dispersam agrotóxico (veneno) sobre as lavouras, prejudicando as plantações do povo Waurá (também chamados Wauja). Leia o depoimento a seguir:

“Sempre participo de reuniões para apresentar as mulheres, e vim ao Acampamento Terra Livre pois é muito importante mostrar a nossa luta e apoiar povos que estão lutando por demarcação e sofrendo com os fazendeiros.

Fazemos encontros para representar as mulheres, lutando pelos nossos direitos, os direitos das mulheres [referência à associação de mulheres]. Falamos do trabalho e de como manter nossa cultura, como tratar bem dos meninos, e não acostumar as crianças com uma alimentação diferente – temos que manter as crianças com a nossa alimentação. Esse é o nosso direito, e é isso que fazemos na associação.

Os homens nos ouvem. Hoje os homens já estão obedecendo a gente. Antes era machismo, né? Eles excluíam as mulheres, eles falavam que as mulheres não tinham o direito de batalhar por direitos. Mas nós temos que… é difícil os homens abrirem o espaço pra gente poder lutar. Mas agora eles confiam na gente, vendo e ouvindo a nossa fala. É muito diferente da fala dos homens. Nós damos muitas opiniões.

De manhã cedo, as mulheres se levantam e fazem beiju. Que nem café da manhã, assim que a gente trata nossos filhos: damos banho, e logo mexemos com a fogueira pra fazer beiju e mingau. Depois temos que pedir pros homens irem pescar, para as crianças poderem comer. Se tiver, a gente assa castanha de pequi… assim que fazemos nossos filhos comer.

Mas as ameaças dos brancos estão acabando com a autonomia indígena do Xingu. Antigamente, na política dos indígenas, era tudo dialogado entre os caciques. Depois que entrou a política do branco, fomos aprendendo a política dos brancos e estamos começando a brigar… tem muita gente se vendendo para os deputados. Quando os deputados falam ‘vou te ajudar’, aí o pessoal diz ‘bom… ele é bom!’. Mas é isso que vem acabando com a autonomia do Xingu. E isso é triste para mim. Minha preocupação é com o que eu estou vendo… não me sinto bem com a política dos indígenas brigando entre eles mesmos.

Eu moro em uma reserva indígena [referência ao Parque Indígena do Xingu]. Na época de chuva, quando o rio vai enchendo, os fazendeiros plantam a lavoura e jogam veneno pra lavoura. Como é época de chuva, desce pro rio, e mata todos os peixes. Aí eu vejo peixe boiando. [Além disso] tem lixo sendo jogado por outros pescadores, que contamina a água. É difícil pra mim… A gente não toma mais água do rio. Eu moro perto dos fazendeiros, e não tomo mais água do rio. Só do poço. Agora é o peixe. Comecei a me preocupar… quando vejo o peixe boiando… pintado…até o tardaruka, que vocês chamam de tracajá, e que a gente come. Aí começamos a falar: ‘a gente não pode comer esse peixe. Temos que ver esse veneno que está matando…’.

Tentamos pedir um apoio pra Funai…. Mas não tem como resolver… O desmatamento mesmo… já tá, estão apertando. Cada vez mais os fazendeiros estão invadindo, os madeireiros [também estão invadindo]. Então é isso… Está difícil para mim. Nem sei como iremos recuperar nosso território… está difícil. Aí as vezes falo, para quem mora comigo, para as minhas irmãs mesmo, eu falo assim: ‘não temos como fazer… os fazendeiros são mesmo nossos inimigos’. Vemos como estamos sendo tratados. A gente não tem apoio… o ruralista está acabando com a gente.

Pergunta – A senhora gostaria de compartilhar alguma história de seu povo, o modo como concebem o mundo?

Para mim, eu sempre falo assim: a gente tem uma história. Mas se a gente tentar contar essa história pro branco, eu falo assim. Com certeza, com certeza mesmo, o branco não vai confiar. A gente tem uma história sim, mas se eu contar, você não acreditaria. Então… é difícil pra mim. Eu não posso falar que eles vão confiar. ‘A gente tem uma história! Vamos contar?.’ Não posso, porque eles não vão confiar. É isso.”

Yanuke Waurá (Foto: Fabio Zuker/Amazônia Real)

Comments (1)

  1. VILLAS BOAS – LÍDER E BEM FEITOR .. que apoio e contribuiu com los legítimos Brasileiros, e assim como outros das comunidades,tem desaparecido. Penso que para evitar futuros conflitos graves, as comunidades a-traves de um líder mais um politico nato e proativo, buscar amparo constitucional a um distanciamento territorial baseado no escoamento das águas e limite fronteira da Aldeia ou região. Isso evitará mortes,degradar o meio ambiente,e nos contribuintes não ter que conviver a migração a cidades – gente desassistida sem profissão e receber puxão de orelha internacional. vamos se respeitar brasil.

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