O FSM, a execução de Marielle e os desafios a enfrentar

Por Zoraide Vilasboas, Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania

Há dois meses, a execução da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, abalou o clima da 16ª edição do Fórum Social Mundial (FSM) que acontecia em Salvador, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). As pistas para enfrentar os desafios que os militantes socioambientais têm a enfrentar no pós FSM/2018, fortemente atingido por esta e outras tragédias, foram indicadas em 16 de março pela fala eloquente de Moema de Miranda, da Rede Igrejas e Mineração, em memória da vereadora carioca e de Paulo Sérgio Nascimento, da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia, assassinado três dias antes, em Barcarena (PA). Marielle militava ativamente pelos Direitos Humanos. O líder paraense denunciava a norueguesa Hydro Alunorte (maior refinaria de alumínio do mundo) pela contaminação das águas do rio Pará com metais pesados, causadores de doenças e mortes. Dois crimes obscuros até hoje. Repudiando a criminalização dos movimentos sociais Moema afirmou:

“…cada vez que somos derrotados, nós nos fortalecemos, plantamos uma semente pra a luta não cessar.”

O suplício de Marielle foi repudiado em vários momentos na Tenda do Bem Viver, que funcionou durante o FSM/2018, numa iniciativa da Articulação Antinuclear Brasileira, Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça, Cidadania, Conselho das Entidades Sociombientalistas-BA (COESA) e do Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho (UFBA), envolvendo cerca de 20 entidades e movimentos. Na tenda, a maioria das atividades abriu as janelas para as possibilidades de se combater a barbárie do capitalismo edificando a sociedade do Bem Viver. O lema “Água é Vida”, que vem sendo empunhando por militantes socioambientalistas baianos desde o FSM/2015 (Tunísia), se aninhou na proposta do Bem Viver como uma fonte inspiradora de debates sobre a defesa dos bens comuns, contra a mercantilização da vida e da natureza.

Nos debates sobre a água, pesquisadores e representantes de movimentos e entidades sociais e populares trouxeram questões, como a crescente privatização, pela violenta investida do agronegócio; conflitos pelo acesso a este bem comum (em especial nas bacias hidrográficas do São Francisco e do Paraguaçu); o avanço do uso dos agrotóxicos; o tamponamento dos rios de Salvador e a contaminação em várias regiões afetadas pelo atual modelo de desenvolvimento, como na mineração de urânio em Caetité e na Ilha de Maré (BA), castigada pela indústria petrolífera e outras empresas poluentes da Baía de Todos os Santos.

Na avaliação da crise civilizatória, política e ambiental, ganhou força a crítica ao uso intensivo da água pela agroindústria extrativista e na produção de energia elétrica. O debate sobre a matriz energética e a segurança alimentar, destacou a importância das campanhas nacionais em vigor contra a energia nuclear e o agrotóxico, com a defesa unânime do uso de fontes renováveis de energia e a substituição do atual modo de produção de alimentos pela agroecologia.

Mas foi fora do espaço da Tenda, que aconteceu o seminário Custos Humanos e Ambientais da Mineração: Alternativas de Resistência. No PAF I da UFBA, ativistas de diversos países discutiram o atual modelo extrativista na América Latina e no mundo. Depoimentos relataram tragédias e resistências contra mineradoras em Minas Gerais (Projeto Minas-Rio); Bahia (Caetité, urânio – Indústrias Nucleares do Brasil e Simões Filho, amianto – Eternit); Maranhão (poluição em Piquiá de Baixo); Pará (alumínio de Barcarena – Hydro Alunorte). (veja AQUI)

Organizado pela Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale; CESE; Diálogo dos Povos; Federación Internacional de lós Derechos Humanos, MAM e outras entidades, o evento traçou um panorama das lutas emancipatórias, anticapitalistas, pela democracia, contra a violência, a criminalização dos movimentos sociais, e homenageou as memórias de Marielle Franco e Paulo Sérgio Nascimento.

Após ativista da África do Sul, concluir sua fala gritando “Amandla”! (O poder é nosso!) Moema proclamou:

“Com esta energia forte da África do Sul, com esta energia forte, de lutadores e lutadoras, com esta energia forte, dos que resistem, avançando, dos que resistem, transformando…

Dos que fazem da sua luta, e mesmo da sua morte, sementes de vida, sementes de coragem, sementes de força pra outros. Dos que fazem de sua luta constante, do dia-a-dia, mulheres, homens, jovens que transformam esta vida, que luta, mas que também transformam a sua morte em vida e em esperança. Que não deixam que o capitalismo roube o nosso futuro, que não se subordinam, que não aceitam a resposta de que este é o único caminho.

Por todos nós que nos damos conta que a luta é de cada um de nós, é a luta de todos nós, que cada vitória, pequena ou grande, é a vitória de todos nós e que cada derrota é uma semente da luta que continua, cada vez que somos derrotados, nós nos fortalecemos, plantamos uma semente pra luta não cessar. Porque até a vitória nós iremos. Como disse o Mateus é luta ou morte! E nós aqui somos lutadores e lutadoras mas também somos sonhadores e sonhadoras. Também somos pessoas que cuidamos, que acarinhamos. Nós também somos pessoas que fazem amor. E fazemos muito amor…”

Um comovente manifesto a ser assumido por todxs que se empenham pela consolidação dos Direitos Humanos, da Justiça, da Paz, do Bem Viver.

Foto: | Mídia Ninja.

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