Jovens discutem sobre política ao som do trem da Vale

por Larissa Santos, em Justiça nos Trilhos

O Maranhão é um dos estados brasileiros que tem o seu território afetado pelas atividades de mineração. Como empresa protagonista desse contexto, a Vale S.A. é concessionária da Estrada de Ferro Carajás (EFC), ferrovia usada para o transporte, principalmente, de minério de ferro. O ferro é extraído da Serra de Carajás, no Pará e é transportado pelos trens de cargas da Vale S.A., passando por 24 municípios do Maranhão.

Dentre esses municípios está Anajatuba, distante 130 quilômetros da capital São Luís. Em sua área rural encontra-se a comunidade Capotal, onde se reuniram no último mês, cerca de 40 jovens maranhenses de comunidades atingidas pela Vale S.A. O encontro faz parte de um projeto chamado Escola de Formação Política, desenvolvido em parceria pela Rede Justiça nos Trilhos e o Grupo de Estudos Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA). O objetivo da escola de formação é promover de forma itinerante discussões e vivências focadas nas problemáticas locais de jovens que moram em comunidades atingidas pela Vale S.A.

Debaixo das árvores, sob o teto de uma igrejinha ou salão comunitário, às margens da Estrada de Ferro Carajás (EFC), todo lugar se transforma em um espaço de trocas de experiências e reflexões entre os jovens. “E a gente aqui vai aprendendo no encontro, um no outro, pelo irmão, pelo abraço, pelo jeito de ser”, declarou “Seu Zé”, morador da comunidade, ao receber os jovens em Capotal.

Essa é a segunda etapa da Escola de Formação Política, a primeira encerrada em 2017, teve duração de dois anos e contou com formações em territórios de populações ribeirinhas, indígenas, pescadoras, camponesas, quilombolas e urbanas. Agora, a Rede Justiça nos Trilhos pretende dar continuidade a essa experiência por toda a extensão maranhense do Corredor Carajás. Com a formação da primeira turma, alguns jovens cursistas se tornaram assessores nessa nova etapa e partilham os aprendizados construídos nos últimos dois anos.

“No curso de formação política eu pude conhecer várias outras realidades de comunidades impactadas. Hoje eu estou nesse processo de formação não enquanto estudante, mas enquanto formador e eu acho que essa é a resposta que eu estou dando a essa vocação, que tem sentido no ouvir as pessoas, e sentir que eu posso ajudar o próximo”. Esse é o depoimento de Mateus Tainor, que mora no município de Santa Rita e esteve em Capotal participando da formação.

O caráter itinerante da escola marca a riqueza das trocas de experiências entre os jovens e também com as comunidades que recebem as etapas de formação. O último encontro realizado em Capotal abordou questões sobre política participativa e política partidária. “Debatendo com as pessoas sobre política é uma das formas que nós temos para mudar a política que a gente critica. A política faz parte da nossa vida”. Como relatou o senhor Francisco, morador de Capotal, os participantes do encontro partilharam o entendimento de que são atores políticos cotidianamente.

O debate entre os jovens e as pessoas da comunidade, em sua maioria de faixa etária mais avançada possibilitou o levantamento de muitos exemplos ocorridos nos territórios afetados pela Vale S.A. como formas de atuação política. “Nós lutamos muito e conseguimos pouco com a empresa Vale. E todas as vezes que a gente conseguiu algo foi com luta”, relataram as lideranças comunitárias de Capotal.

“Tudo que nós conseguimos foi o poço artesiano e uma estrada de acesso, mas nós só conseguimos com a nossa luta. Somente depois de uma manifestação”. Essa é uma realidade que se repete no cotidiano das comunidades que sofrem os impactos provocados pelo processo de escoamento de minério de ferro no Maranhão. Estradas deterioradas, casas rachadas, falta de passagens seguras pela ferrovia, atropelamentos e mortes são apenas alguns desses impactos.

Na vida dos jovens, a Escola de Formação Política se tornou uma ferramenta de fortalecimento do pensamento crítico, criação de perspectivas de atuação da juventude no campo e mudanças de realidades que foram limitadas pela chegada de grandes empreendimentos como o Programa Grande Carajás. Matheus Tainor, que hoje ajuda na continuidade da escola, é um exemplo. “Estou no quarto período do curso de licenciatura em Educação no Campo pelo IFMA, graças a minha participação na escola de formação política. E nesse espaço eu também consigo fazer a diferença”.

Ao som do barulho do trem da Vale S.A. que passa pelas comunidades durante os dias e as noites, os jovens vão construindo espaços de trocas de saberes e possibilidades de pensar em futuros que garantam o reconhecimento de direitos e o exercício de vidas dignas.

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