Cinelândia é palco de debate sobre Violência de Estado e Legados de 2013

Por Sabrina Magalhães, no Rio On Watch

No dia 15 de junho, foi realizado o debate Violência de Estado e Legados de 2013 na Cinelândia, em frente à Câmara Municipal do Rio de Janeiro. O evento foi organizado pelos grupos Junho+5 e Educação Popular na Cinelândia, e contou com uma apresentação multimídia denunciando abusos policiais durante as manifestações de 2013 e uma roda de debate para o público expor suas opiniões.

Um ponto importante do evento foi a falta de partidos políticos presentes. Os palestrantes criticaram eventos parecidos organizados por partidos, seja de direita ou esquerda, por não abrirem diálogo com a população. O objetivo do movimento ser de rua é representar a pluralidade das opiniões de todos aqueles presentes.

Nos vídeos apresentados, várias cenas das manifestações foram exibidas, focando na reação dos policiais aos manifestantes. Em muitas cenas, a polícia utilizou balas de borracha e bombas de gás para dispersar os protestos, ferindo muitas pessoas. Também foram comentados e expostos através de vídeos momentos marcantes de abusos policiais como o caso do sumiço do Amarildo e a prisão de Rafael Braga, dois cidadãos negros que foram injustiçados pela polícia em 2013.

A pergunta “Cadê o Amarildo?”–que ficou famosa e foi projetada na tela do evento–revela a violência policial até os dias atuais. Amarildo era um ajudante de pedreiro que ficou conhecido por todo o Brasil e o mundo pelo seu sumiço em 14 de julho de 2013, após ser levado de sua casa, na Rocinha, para uma UPP. Já Rafael Braga é a única pessoa que permanece presa devido as manifestações de 2013. Ele foi detido pela polícia por carregar uma garrafa de Pinho Sol, que segundo a polícia poderia ser usada como explosivo. Rafael foi considerado culpado por portar um “artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar” e condenado a cinco anos e 10 meses de prisão. Tanto Amarildo quanto Rafael Braga demostram como a polícia e o poder judiciário podem ser injustos e tendenciosos, sendo estes casos mais um claro indicador do racismo da sociedade brasileira.

Após a apresentação multimídia, o momento do debate foi iniciado por Thainã de Medeiros. Morador do Complexo do Alemão, Thainã explicou a importância de filmar e fotografar momentos de interação da população com a polícia. “Quando a gente acompanhava a operação policial, a gente gerava provas e continha os abusos da polícia”. Ele também mencionou o assassinato do menino Eduardo Jesus, que levou um tiro na cabeça enquanto mexia no celular na porta de sua casa no morro do Alemão. A tragédia levou ódio e indignação para grande parte da favela, que queria urgentemente protestar a morte do menino. Porém, foi necessário cautela para que a polícia não os tratasse como criminosos em uma eventual manifestação. Assim, utilizaram um discurso religioso para unir a população em um protesto pacífico onde todos caminharam pelas ruas da comunidade segurando velas.

De acordo com Thainã, todos esses casos exacerbam a diferença entre ser um manifestante preto ou branco. Rafael Braga, por ser negro, é o único manifestante ainda preso. Segundo ele, os habitantes do Alemão precisaram tomar muito cuidado para fazer um protesto legítimo contra a morte de uma criança pelas mãos de um abuso policial. Na diferença de tratamento policial a um manifestante negro e de um branco é possível enxergar que a lei não se aplica igualmente a todos, como prevê a Constituição.

Rosani, uma oradora presente no evento alterou o tom da debate mencionando como legado positivo das manifestações de 2013 o fato de que algumas pessoas começaram a entender a força que tem uma manifestação e o quanto é importante ver o povo na rua. “Parte do povo acordou.” Mas, ela continua, infelizmente muitas coisas defendidas pelo povo em 2013 não foram verdadeiramente atendidas. Por exemplo, as manifestações começaram como um ato contra o aumento da passagem de ônibus de R$2,70 para R$2,90. Na época, a máxima “não é só pelos 20 centavos” reinou e o preço não subiu até os ânimos baixarem–hoje a passagem chegou a R$3,95. E Rosani ainda ressaltou que o alto preço de transporte dificulta até mesmo as próprias manifestações, pois grande parte da população não consegue se deslocar com facilidade pela cidade para protestar no Centro.

De acordo com a oradora, outro legado positivo foi o aumento da incidência de reflexões sobre política na maioria da população. Antes de 2013, pouco era discutido sobre o tema, uma grande apatia política assolava o Brasil. Após as manifestações, porém, é comum escutar em bares ou em jantares de famílias discussões acaloradas sobre candidatos, eleições, etc. “Discute nos bares, discute no ônibus, na fila do banco, na fila do supermercado. A população aprendeu a discutir política”, destacou Rosani.

Outros oradores, que não se identificaram, comentaram mais sobre momentos marcantes da violência policial em 2013. Uma menina moradora do Alemão lembrou de uma cena em que um caveirão, chegou em um protesto e os manifestantes subiram em cima do carro sem medo, o que para ela foi um marco pois, em sua comunidade, esses carros são símbolos de morte.

O evento não só resgatou a memória de todos aqueles presentes, na Cinelândia, da covardia do Estado perante os manifestantes em 2013, como também mostrou a importância que os protestos tiveram para a consciência social e política da população.

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