Tribunal de Justiça do Maranhão se dobra à WPR e afasta juiz natural do caso do Cajueiro

Do NMP

Numa decisão que pode ser classificada como inacreditável, os desembargadores das Segundas Câmaras Cíveis Reunidas, órgão do Tribunal de Justiça do Maranhão, acataram o pedido de suspeição feito pela WPR/WTorre, e afastaram o juiz Douglas de Melo Martins, da Vara de Interesses Difusos e Coletivos, dos casos envolvendo o conflito da empresa com a comunidade tradicional do Cajueiro, em São Luís, obrigando-o a se abster de proferir decisões no caso.

A empresa alegou que o magistrado nutriria “relação de amizade íntima” com o Defensor Público que representava a comunidade Cajueiro no caso, bem como com a esposa dele, “ambos atuantes nos interesses das partes adversas nos processos em que contende com a WPR“, ou seja: para os desembargadores, o fato de o juiz conhecer o defensor e proferir decisões baseadas nos autos, mas que contrariam os interesses da empresa é algo inadmissível.

Para acatar os desejos da WPR, o Tribunal ignorou inclusive a manifestação do juiz, que alegou que “todas as relações mantidas com o Defensor Público são institucionais ou profissionais“, e “que sua atuação nas ações envolvendo a WPR sempre foram pautadas pelo resguardo das garantias processuais das partes“. Ou seja: para o Tribunal, o juiz falta com a verdade e a empresa, que juntou como prova postagem de Facebook, é quem está com a razão.

Pouco importa se os ritos foram seguidos no processo e a empresa tenha se negado, por exemplo, a aceitar a proposta de conciliação em audiência que o juiz convocou para esse objetivo, atuando de forma isenta, como se espera do Judiciário, ainda mais num caso delicado como esse, em que claramente os interesses de uma corporação se mostram acima dos direitos da população – no caso, da comunidade do Cajueiro (e de toda a Ilha de São Luís, a ser severamente impactada com o porto a ser construído naquela localidade, como quer a WPR).

O mais irônico é que o Tribunal mancha a própria imagem da justiça alegando, para atender a empresa, que está afastando o juiz para “resguardar a imagem do Judiciário”

Para os desembargadores, juiz não pode cumprir sua função social e participar de atividades que discutam meio ambiente ou direitos humanos

Além das “relações” entre o juiz afastado e o membro da Defensoria que atuava no caso, outra “prova” apresentada pela WPR e acatada pelos desembargadores das Segundas Câmaras Reunidas diz respeito à participação do magistrado “em eventos patrocinados pela organização política CSP-Conlutas, que possui entre outros interesses a luta contra a instalação do Terminal Portuário pela WPR“.

Aliás, fica clara a atuação da justiça do Maranhão em favor de empresários, já que nunca foi contestada a participação (inclusive de desembargadores que julgaram em favor da suspeição de Douglas Melo Martins) em eventos patrocinados por entidades como a Federação das Indústrias do Maranhão (uma simples busca na Internet com os termos “Tribunal Justiça Fiema” é capaz de confirmar essa proximidade). Por que, então, não poderia o juiz da Vara de Interesses Difusos e Coletivos, quando convidado, proferir palestras em eventos que discutam direitos humanos?

Não é a primeira vez, entretanto, que membros do Tribunal de Justiça se manifestam sobre suspeição nesse caso.

Em março deste ano, o vice-presidente do TJ, desembargador Lourival Serejo, rejeitou o pedido de suspeição arguido pela Defensoria Pública em relação a atuação de seu colega, o desembargador Ricardo Tadeu Bugarin Duailibe, que, segundo a Defensoria, agia com imparcialidade em suas decisões, favorecendo a empresa, sem fundamentar, por exemplo, a apreciação de tutela de urgência em favor da WPR.

No caso da atuação do desembargador, reiteradas decisões favoráveis à empresa não foram vistas como motivo para sua suspeição, o mesmo não acontecendo com as decisões do juiz, como visto no pedido de suspeição feito pela WPR e acatado pelos desembargadores.

Vale lembrar que, embora não seja um obstáculo objetivo à atuação do desembargador Ricardo Dualibe, registre-se o fato de que um dos advogados que atuou em nome da WPR é seu parente: Alfredo Duailibe intermediou, através do escritório Duailibe e Sauaia Advogados, do qual ainda é membro, a “aquisição” para a WPR de casas e terrenos na região, a valores irrisórios. Embora não seja fator objetivo, como não considerar esta uma relação suspeita, ao tempo que a relação institucional, como afirma Douglas Martins, com o membro da Defensoria, foi vista como suficiente para afastá-lo do caso?

Pedido de suspeição do juiz criticado por defensores dos direitos humanos

A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos chegou a se manifestar publicamente quando a WPR entrou com pedido de suspeição de Douglas de Melo Martins.

O pedido foi visto como “manobra jurídica”, o que levava a crer que seu acatamento era dado como impensável, mas os membros do Judiciário maranhense trataram de concretizar e assim contribuir para, ao contrário do que alegam, aumentar o descrédito na justiça. Diz a nota da Sociedade Maranhense datada de 1º de março deste ano:

“As ações da WTorre consistem até hoje em desconhecer os direitos possessórios e coletivos da comunidade, intimidar, ameaçar e demolir residências ao arrepio da lei, visando expulsar as pessoas, sem as providências indicadas em licença ambiental (questionada por quatro ações judiciais em andamento) que visam resguardar direitos fundamentais das pessoas atingidas pelo empreendimento.

De forma surpreendente, a WTorre invoca a suspeição do Juiz Titular da Vara dos Interesses Difusos e Coletivos da Comarca da Ilha de São Luís, Douglas de Melo Martins, tendo por fundamento supostas relações de amizade com o Defensor Público, Aberto Tavares, dois profissionais de conhecida e respeitada atuação em suas instituições de origem.

A manobra da referida Empresa tem apenas o visível objetivo de remover por via escusa os obstáculos jurídicos que impedem sua sanha violadora de direitos de pessoas vulneráveis, cuja única guarida é intervenção de uma Defensoria Pública independente e de um Poder Judiciário vigilante ao cumprimento de normas ambientais em vigor”.

Como votaram os membros das Segundas Câmaras

A decisão do Tribunal em benefício da WPR contraria inclusive a manifestação do Ministério Público, que se posicionou pela não procedência do pedido feito pela empresa, mas acatado por oito dos nove membros das Segundas Câmaras Cíveis Reunidas.

Votaram com a WPR os desembargadores Luiz Gonzaga Almeida Filho, Jamil de Miranda Gedeon Neto, Cleonice Silva Freire, Anildes de Jesus Bernardes Chaves Cruz, Paulo Sérgio Velten Pereira, Jaime Ferreira de Araújo, Marcelino Chaves Everton, José Jorge Figueiredo dos Anjos.

Somente o desembargador Cleones Carvalho Cunha se posicionou pela improcedência do pedido.

Essa decisão pode ser vista como grave e perigoso precedente contrário aos direitos humanos de quem quer que ouse contestar corporações no Maranhão. Justamente por isso, não pode ser ignorada e deve servir de alerta para que a sociedade pressione pela democratização do Poder Judiciário, que parece seguir alheio às demandas sociais.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Claudio Castro.

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