Serviço Geológico Brasileiro (CPRM) responde ao Ministério Público Federal por ser acusado de estimular atividade em terra indígena na Amazônia
No Rio Ayari, na fronteira do Brasil com a Colômbia, na Terra Indígena (TI) Alto Rio Negro, indígenas Baniwa e Koripaco vem denunciando a entrada de empresários ligados aos interesses minerários, assim como de funcionários do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) sem o consentimento da Funai e das instituições representativas dos índios, como a Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro). O objetivo destas incursões, segundo as cartas de manifesto das lideranças indígenas, é promover mineração na terra indígena demarcada, não regulamentada pela legislação brasileira. Veja aqui e aqui.
Ciente das denúncias, o MPF emitiu, em maio deste ano, um ofício para a CPRM, recomendando que o órgão federal não realize nenhuma visita às comunidades indígenas sem aval expresso de suas lideranças, associações e da Funai, sob pena de responsabilização institucional e pessoal dos servidores públicos envolvidos. O ofício foi encaminhado ao superintendente da CPRM no Amazonas, José Maria da Silva Maia, em 28 de maio deste ano.
Entre outros argumentos colocados, o MPF ressaltou: “Não há norma vigente que autorize a atividade de exploração mineral em escala industrial ou por terceiros em terras indígenas, havendo apenas projetos de lei em tramitação, dentre os quais, o PL 2057/1991, que visa instituir o novo estatuto dos povos indígenas, no âmbito do qual as entidades representativas dos povos indígenas e seus apoiadores defendem a discussão da questão mediante processo de diálogo entre o Legislativo e os indígenas”.
O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) respondeu, por meio de ofício encaminhado ao MPF, que as atividades de pesquisa do órgão na região não incluem atividade de pesquisa mineral. No documento, o CPRM afirma que realiza “levantamento geológico básico, desenvolvido no contexto do Programa Geologia do Brasil, compreendendo, fundamentalmente, atividades de levantamento de dados geológicos, pesquisa e estudos técnicos-científicos”. A manifestação do CPRM está sob análise do MPF, que definirá eventuais medidas futuras, informou a assessoria de comunicação do Ministério Público ao Instituto Socioambiental (ISA).
Entretanto, a Associação das Comunidades Indígenas do Rio Ayari (Acira) encaminhou à Foirn, instituição que representa os 23 povos indígenas do rio Negro, gravação de áudio feita em uma reunião na terra indígena entre um servidor do CPRM e indígenas Baniwa, que comprovam a tentativa do funcionário de convencer os índios a trabalharem com mineração. “A tantalita, ouro, turmalina, água marinha, crisoberilo, ametista, tudo isso tem valor econômico. Tudo isso vale dinheiro. Você vai pegar e vender, você vai conseguir dinheiro. O ouro que você tirar daqui, você vende em São Gabriel e tem seu dinheiro”, disse o servidor da CPRM aos Baniwa do rio Ayari.
Empresários e políticos querem explorar tantalita em território Baniwa na fronteira entre Brasil e Colômbia
Além das visitas do CPRM, indígenas da TI Alto Rio Negro já tinham manifestado publicamente ao MPF e à Funai, a preocupação com o denominado “Projeto de Extrativismo Mineral Indígena, do empresário Otávio Lacombe”, voltado à exploração de tantalita na região do rio Içana e afluentes, em especial o rio Ayari. A família Lacombe é uma antiga conhecida dos povos indígenas da Bacia do Rio Negro. Nos anos 80, o pai do empresário explorou ouro na região das serras do Caparro e Traíra, no empreendimento denominado Gold Amazon, antes da demarcação das terras indígenas.
O empresário propôs agora, mesmo sem estar regulamentado na legislação, iniciar atividades de mineração a partir da criação de cooperativas indígenas. A proposta de Lacombe é que os Baniwa extraiam e vendam o mineral para sua empresa, que se responsabilizará pela logística e comercialização. Indígenas Baniwa narraram os detalhes de reunião realizada por Lacombe no fim do ano passado, na comunidade de Canadá, na TI Alto Rio Negro, Rio Ayari, em carta pública de manifesto. Leia trecho:
“Disse não ser patrão. Ele vem aqui com o intuito de ser parceiro dos Baniwa. Disse que vai entregar uma cesta básica no valor de R$ 200 para cada cooperado e que cada grupo vai trabalhar de 5 a 7 horas por dia. (…) Promete de vir buscar, de vir comprar e levar o minério daqui. Pediu pra não se preocupar com a logística até São Gabriel. Disse ainda que vai fornecer bateia, enxada, pá e máquinas portáteis (…)”. Veja o documento na íntegra.
As lideranças escreveram a carta manifesto com aprovação de 12 comunidades indígenas em assembleia realizada na aldeia Inambu no dia 5 de novembro de 2017 e decidiram: “As comunidades Baniwa do rio Ayari vem por unanimidade repudiar veementemente a proposta de projeto e a presença do empresário Lacombe no rio Ayari. Não queremos participar do projeto. Estamos fora. Pois, na exposição dele, entendemos que tentou nos assediar, nos aliciar para aderirmos ao projeto, isso nós não aceitamos. (…) Entendemos que através da formalização de cooperativas é que ocorre a prática de mecanismo de cooptação de nossas lideranças”.
No dia 24 de junho deste ano, o jornal Folha de S. Paulo noticiou as investidas dos empresários da mineração na TI Alto Rio Negro. A matéria revela ainda a relação destas empresas com o assessor de Michel Temer, o ex-deputado federal por Roraima, Elton Rohnelt (PSDB).
Apesar de todas as denúncias, representantes do empresário Lacombe continuam a entrar nas comunidades indígenas. Conversas foram gravadas esse mês (julho) na comunidade indígena de Nazaré, no rio Içana, por lideranças Baniwa, que levaram os registros à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro como prova de novas investidas dos empresários na TI. “Nossa preocupação é que eles chegam nas comunidades sem avisar, causando muitos problemas e intrigas. Os empresários e a CPRM nunca procuraram a Foirn e a Funai para dar informações e esclarecimentos sobre essas visitas”, enfatiza Isaías Fontes, da etnia Baniwa, diretor da Foirn responsável pela calha do Rio Içana.
Os perigos da exploração de tantalita
A tantalita é muito valorizada por ser utilizada pela indústria eletrônica na fabricação de celulares, circuitos de computadores, câmeras, equipamentos médicos (próteses e implantes) e outras tecnologias. Deste mineral se extrai o tântalo, um metal duro de transição, de cor azul acinzentado e brilho metálico, resistente ao calor e à corrosão. Um dos casos mais emblemáticos de exploração irregular de tantalita em regiões remotas é o da República Democrática do Congo (RDC), que possui 64% das reservas mundiais de Coltan (nome popular na África para as rochas formadas por columbita e tantalita).
Com a exibição do documentário Blood in the Mobile (Sangue no celular), do cineasta dinamarquês Frank Poulsen, a extração de tantalita no Congo chocou o mundo, revelando um cenário imenso de violações de direitos humanos e de degradação ambiental. A extração desse minério contribuiu para manter um dos maiores conflitos armados na África, deixando cerca de 5 milhões de mortos ao longo de 15 anos e de 300 mil mulheres violadas, segundo estimativas da ONU. O Conselho de Segurança das Nações Unidas registrou em 2003 que cerca de 157 empresas e pessoas físicas em todo o mundo estavam vinculadas direta ou indiretamente à extração ilegal de minerais valiosos no Congo, antiga colônia belga.
O caso fez com que gigantes do setor eletrônico como Intel, Apple, Nokia e Samsung declarassem que não comprariam mais tântalo procedente do Congo. Contudo, ainda existem muitos grupos armados que sobrevivem do contrabando deste mineral através dos países vizinhos como Ruanda e Uganda, levando o tântalo até os grandes mercados consumidores da China e da Europa, segundo informações da IPS (Inter Press Service), agência de notícias global dedicada a produzir matérias sobre os países em desenvolvimento.
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Lideranças Baniwa em assembleia na comunidade de Canadá, no rio Ayari, onde foi divulgado manifesto contra os empresários da mineração. | Foto: Carol Quintanilha – ISA