‘E Quanto às Pessoas?’ Desenvolvimento Comunitário Sustentável no Rio, Parte 1—Definindo Resiliência

Esta é a primeira matéria, de uma série de duas partes, de uma resenha do livro ‘Social Sustainability, Climate Resilience and Community-Based Urban Development: What About the People?’ (Sustentabilidade Social, Resiliência Climática e Desenvolvimento Comunitário Urbano: E Quanto às Pessoas?), de Cathy Baldwin e Robin King, incorporando conceitos que contribuem para pensar sobre as favelas do Rio. Volte amanhã para a segunda parte

por Kimberly Farnham e Patricia Basile, em RioOnWatch

As favelas do Rio de Janeiro são cada vez mais reconhecidas como inovadoras em termos de seus projetos comunitários de base sustentável. No Vale Encantado, os moradores construíram biodigestores e hortas comunitárias e limitaram suas próprias construções para proteger o ambiente natural ao seu redor. Na Vila Autódromo, os moradores plantaram árvores para construir o ecossistema local, fornecer uma fonte natural de frutas e oferecer sombra aos pedestres. No Morro da Formiga, os moradores administram uma infraestrutura hídrica cooperativamente gerenciada, juntamente com iniciativas de horticultura e apicultura. No entanto, nem todas as favelas têm moradores proativos em iniciativas para o desenvolvimento comunitário e ambiental. O livro Sustentabilidade Social, Resiliência Climática e Desenvolvimento Comunitário Urban: E Quanto As Pessoas?, de Cathy Baldwin (Universidade de Oxford) e Robin King (Instituto de Recursos Mundiais), atribuiriam a diferença ao grau variado de sustentabilidade social entre as comunidades.

Cathy e Robin argumentam que uma comunidade é socialmente sustentável* na medida em que o “bairro apóia o bem-estar individual e coletivo”. Quanto mais as pessoas dentro do bairro se vêem como um coletivo, maior a probabilidade de se unirem para promover “condições sociais e culturais” que a comunidade considera dignas de serem “preservadas para as gerações futuras”. Esse apoio é influenciado pelo design físico do espaço, pela sustentabilidade ambiental da comunidade ou, talvez mais importante, pela coesão social das pessoas que compõem a comunidade.

“A coesão social* acontece quando pessoas da mesma comunidade ou sociedade se dão bem, confiam umas nas outras e vivem pacificamente com ou sem diferenças sociais ou étnicas. Isto é apoiado pela inclusão e igualdade econômica, pela democracia, por pessoas que têm suas necessidades básicas atendidas e pela solidariedade social entre as pessoas”. Essas condições criam capital social dentro de uma comunidade. O capital social* é a forma como os cientistas sociais descrevem o grupo de benefícios que advêm de normas sociais consistentes e da confiança construída através da interação regular dentro de uma comunidade. Capital social é um dos principais fatores necessários para o estabelecimento de uma comunidade sustentável.

Sustentabilidade social no Rio de Janeiro

O aspecto do ambiente construído para a sustentabilidade social descrito no livro é particularmente relevante no que diz respeito às favelas do Rio. Segundo os autores, o ambiente construído que incentiva a coesão social promove uma “vida de rua ativa por meio de ‘ruas variadas e funcionais‘”. Os autores demonstram como as características espaciais de diferentes bairros em Buenos Aires, Argentina e Delhi, na Índia, influenciaram a qualidade das interações e relacionamentos entre os moradores, bem como sua capacidade coletiva de produzir mudanças. Curiosamente, mas não surpreendentemente, a maioria das características espaciais apresentadas no livro são encontradas na maioria das favelas do Rio de Janeiro. Por exemplo, os autores apontam como a proximidade de casas e janelas, característica fundamental na maioria das favelas, promove a interação social, contribuindo para o capital social e a coesão do bairro, seu senso de lugar e sentido de comunidade e, consequentemente, sua sustentabilidade social. Elas têm ruas comerciais ativas que promovem a interação social regular. Muitas favelas também possuem locais centrais de reunião comunitária que foram estabelecidos pela comunidade muito antes da prefeitura se preocupar com urbanizações estruturais na favela.

A coesão social também é um aspecto interessante a considerar à luz das favelas. Cada favela tem normas sociais únicas que moldam o modo como a comunidade engaja os moradores entre si. Isso é evidente em comunidades que se organizam contra remoções. Lutam contra perder não apenas suas casas, mas todo o seu modo de vida. A coesão social, o acesso a informações sobre seus direitos, amplas redes de apoio e outras chaves para uma resistência bem-sucedida os empoderam a resistir–alguns com mais sucesso do que outros, talvez por refletirem diretamente os níveis pré-existentes de coesão social. Essas remoções, que dispersam a comunidade pelos bairros da cidade, despojam o capital social daqueles que foram removidos de suas casas, obrigando-os a começarem do zero e a desenvolverem novos laços de confiança e normas sociais em comunidades desconhecidas.

As favelas brasileiras também criam capital social de forma única. Embora o capital social esteja muito presente dentro de cada favela, a criação de uma rede de comunidades por toda a cidade é uma forma de criar Capital Social Horizontal*. Essa forma de capital social é construída entre comunidades semelhantes que compartilham valores e experiências semelhantes. Esse tipo de união cria a fundação para movimentos sociais no âmbito da cidade, com os moradores das favelas como pilar para um movimento de base por toda a cidade.

Resiliência comunitária diante da adversidade

A resiliência é um resultado crucial da sustentabilidade social quando confrontada com adversidades de grande escala, desde remoções até desastres naturais. Os autores definem resiliência comunitária como a “existência, desenvolvimento e engajamento de recursos comunitários por membros da comunidade para prosperarem em um ambiente caracterizado por mudanças, incertezas, imprevisibilidade e surpresa”. Os recursos incluem infraestrutura comunitária: espaços ou locais que promovem a vida comunitária. Estes espaços incluem lojas, parques, bibliotecas, cafés e bares, e quaisquer outros lugares que ajudem a promover as redes sociais e liderança comunitária. Moradores de comunidades que têm uma rede fundamental de relacionamentos são mais propensos a “‘baterem nas portas dos vizinhos’ para verificar se eles estão bem” e usar espaços ao ar livre “para atender às suas necessidades de acomodação e organização”.

Desenvolver a capacidade de resiliência de uma comunidade depende dos seguintes princípios chaves:

  • Concentrar-se nos recursos da comunidade, não nos déficits.
  • Enfatizar o conhecimento da comunidade sobre si mesma.
  • Criar oportunidades de aprendizagem social e capacitação.
  • Organizar projetos comunitários participativos.
  • Garantir a inclusão de membros de todos os grupos sociais representados na comunidade.

*Glossário

Resiliência comunitária: Existência, desenvolvimento e engajamento de recursos comunitários por membros da comunidade para prosperarem em um ambiente caracterizado por mudanças, incertezas, imprevisibilidade e surpresa.

Capital social: Um fator-chave na construção de uma comunidade sustentável, o capital social é o grupo de benefícios que vêm de normas sociais consistentes e da confiança construída através da interação regular dentro de uma comunidade.

  • Capital Social que Ligue as Pessoas (bonding social capital): capital social dentro de uma comunidade.
  • Capital Social Horizontal: capital social através de uma rede de comunidades.

Coesão social: Quando pessoas da mesma comunidade ou sociedade se dão bem, confiam umas nas outras, e vivem pacificamente com ou sem diferenças sociais ou étnicas. Este processo é apoiado pela inclusão e igualdade econômica, pela democracia, por pessoas que têm suas necessidades básicas atendidas e pela solidariedade social.

Socialmente sustentável: quando o bairro apoia o bem-estar individual e coletivo de seus moradores.

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