Na Ensp
No passado, eles tiveram que enfrentar ameaças das empresas, espiões e, principalmente, a dor de perder amigos, colegas e parentes contaminados com amianto. Hoje, quase um ano depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de banir o uso do mineral, a luta é para um acompanhamento adequado daqueles que ainda podem adoecer, para lidar com o os rejeitos que se espalham pelo ambiente e para que a lei seja efetivamente aplicada. O Banimento do Amianto no Brasil: trajetória de uma luta foi o título da mesa apresentada durante o 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva que contou um pouco dessa luta e seus desdobramentos atuais.
O debate foi coordenado por Guilherme Franco Netto, da Fiocruz, e contou como expositores com as falas de Fernanda Giannasi, auditora-fiscal do trabalho e fundadora da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), Hermano Castro, diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) e pesquisador dos danos da exposição ao amianto, e Eliezer João de Souza, atual presidente da Abrea. No auditório, também estavam presentes integrantes da Abrea.
Primeira a falar, Fernanda Giannasi explicou um pouco do contexto da proibição do amianto pelo STF no ano passado. A decisão é vista como uma grande vitória, mas ainda é preciso avançar muito mais. Para que a lei seja aplicada, por exemplo, é preciso que já existam leis prévias nos estados, pois, mesmo quando já existem, as empresas lutam para fugir de seu dever legal. Um dos casos que tem chamado a atenção é o da fábrica Dow Química/Du Pont, da Bahia, que utiliza amianto na produção de cloro-soda. “Essa empresa está chantageando o governo dizendo que vai demitir trabalhadores e fechar sua fábrica caso não haja uma alteração na lei de banimento”, contou Fernanda. Ao fim de sua fala, a auditora mostrou fotos que marcam a história da Abrea. Entre muitas lembranças de companheiros que morreram vitimados pela produção de amianto, Fernanda, de repente, apontou uma mulher. “Estão vendo aquela ali no canto? Ela era uma espiã que a Eternit colocou em nossa associação, e nós só descobrimos mais tarde.”
Hermano Castro falou em seguida e trouxe alguns aspectos técnicos sobre a contaminação por amianto. “O amianto está presente em muitos produtos, e o conjunto das exposições é grande, uma vez que não só trabalhadores mas também seus familiares e vizinhos das fábricas ficam suscetíveis a se contaminar”. Hermano, que é pneumologista, falou também sobre os múltiplos males que essa exposição pode trazer. “Entre as doenças causadas pelo amianto, estão a asbestose e o mesotelioma, que é um câncer muito agressivo na pleura, além de outras alterações funcionais. Infelizmente, o risco de desenvolver essas doenças não se encerra na proibição do amianto, uma vez que, pelos próximos quarenta anos, pode haver adoecimentos de quem esteve exposto ao mineral. É preciso, portanto, investir em Vigilância em Saúde, em última instância, em Saúde Pública, para que esses casos sejam devidamente acompanhados.”
Esse passivo encontra-se também no ambiente. Em muitos lugares, é possível encontrar restos de telhas e outros produtos feitos de amianto. “Acho que a palavra de ordem da luta contra o amianto, hoje, é o combate a esse passivo”, disse Eliezer João de Souza. O atual presidente da Abrea, último a falar na mesa, lembrou que as empresas fogem dessa responsabilidade. “Precisamos debater sobre esse rejeito. O caçambeiro que vai recolher restos de amianto, em determinado local, não tem informações sobre o perigo que ele representa. Ele quer jogar fora para ganhar o dinheiro dele.”
Uma carta produzida ao fim do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva lembrou ainda a necessidade das ações de vigilância se voltarem também para determinados produtos da indústria farmacêutica e de cosméticos, depois que a imprensa americana denunciou que talcos e cosméticos em pó produzidos por marcas conhecidas no mercado, tais como Cashmere Bouquet, Colgate-Palmolive e Johnson & Johnson, presentes no Brasil, podem estar contaminados com amianto.