Museu Nacional simboliza o Brasil que vemos e que será visto. Por Janio de Freitas

Seguimos um país injusto, atrasado e sob domínio de uma classe ultraminoritária

Na Folha

Um exame sem complacências do estágio a que o país chegou mostrará que nada mais resta, na realidade nacional, do percurso traçado na Constituição para se construir uma nação digna, próspera e humanitária: uma democracia de direito e de fato.
Em sua primeira página de terça-feira, The New York Times ligou a perda do Museu ao “declínio de uma nação”. Não é caso de declínio, propriamente. O Brasil apenas começara a esboçar, na lentidão de 30 anos, uns poucos e desconexos traços de democracia — com a redução de algumas desigualdades no governo Lula e com a denúncia (mais barulhenta do que resultante) de alguns dos muitos preconceitos.

Não chegou a sair do que sempre foi, país injusto, atrasado, sob domínio pétreo de uma classe ultraminoritária e provinciana.

A impressão de declínio tem origem nítida: as aparências se dissolvem. Judiciário, Congresso e Executivo mostram-se e são vistos por trás das suas pompas e ritos. O primeiro deles ainda é, para muita gente, chocante no que expõe. Não é para menos. Está aí, por exemplo, em cada fala de Jair Bolsonaro, a pregação escancarada do assassinato em massa, do preconceito em todas as suas formas, do fim dos direitos. Seu palavrório é contrário a tudo o que a Constituição exige, é “fora da lei”, mas é livre, aceito sem restrição pelo Ministério Público (sic) e pelo Judiciário.

Um desprezo pela ordem legal que as duas instituições já demonstraram, com igual ênfase, na aceitação aos abusos de poder e outras ilegalidades que oneram a Lava Jato.

Ao despir-se do rigor irrestrito devido por um Tribunal Superior, o Eleitoral valeu-se de meios ilegítimos para o seu propósito. Dessa instância de Justiça não poderia sair a defesa do descumprimento, pelo país, de um tratado internacional. Ainda pior se feita com apoio em tradução malandra, que troca pedido por recomendação, e na inverdadeira qualificação do Comitê integrante do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU como “apenas comitê administrativo”.

O Comitê que, dadas as dúvidas, pediu providências ao Brasil, para assegurar o direito de Lula a candidatar-se, é instância de análise comparativa de fatos, informações e textos de tratados sobre direitos humanos e determinados direitos civis. Nada de administrativo.

Deve-se supor que todos os magistrados do TSE saibam o que são o Comitê e o tratado de que o Brasil é signatário. Mas só um dos sete, Edson Fachin, foi capaz de votar pelo respeito do Brasil ao seu compromisso.

Se assim é o exibido pelo poder que ainda chocou muita gente, com sua explicitude, os outros nem valem algumas palavras. Nada, porém, se deu e se dá por efeito da corrupção, usada no Brasil para explicar todos os males. A corrupção não é causa, é efeito. Assim como a violência, cuja expansão pelo país, por meio das grandes quadrilhas organizadas, já a tornou indomável. E com a propensão a tornar-se um novo poder armado, em razão de dois fatores.

A falta de emprego, que é o primeiro, precisa hoje da criação de mais 24 milhões de novos postos trabalho. Logo serão 30, depois 40 milhões. Desemprego continuado é um apelo à criminalidade. E a força crescente da criminalidade é um apelo ao grande incêndio. O outro fator está na ausência de poderes, oficiais e privados, leais às suas responsabilidades.

Os poderes compostos para orientar a construção da democracia, como pretendida pela Constituição, traem a ordem democrática.

Foto: Severino Silva, O Dia

Comments (4)

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  2. Nos anos setenta fiz um bacharelado em administração pública; trabalhei em estruturas do governo federal [inclusive na UFBA, que também tem museus] e no Estado da Bahia. Fiz um pós em gestão pública e ambiental. Reporto-me à resenha de Jânio de Freitas. Sim, vivemos em todas as esferas públicas uma contração orçamentária que visa reorganizar o orçamento nacional. Na maior parte das universidades as dotações comportam apenas a folha de pessoal, mais um ou dois pc para custeios e zero para novos investimentos. Somos um país de mal planejadores, um país de gastadores com dinheiro de outras fontes que não as nossas, aplicamos mal o dinheiro dos contribuintes etc. Objetivamente: a diretoria do museu, a reitoria da UFRJ e seus órgãos auxiliares sabiam que aquela unidade museológica [hoje só ruínas ] era um barril de pólvora, não tinha sequer um alvará atualizado do Corpo de Bombeiros. Lá estavam 4 vigilantes, talvez mais preocupados com o risco da penetração de ladrões pilhadores em uma edificação de tres pisos [térreo mais 2]. Os vigilantes correram para o exterior quando perceberam o fogo [cf. relato da imprensa]. Ao que parece, havia anos que ninguém fazia um teste de pressão nos hidrômetros. Preventivamente pelo menos uma piscina com 10.000/20.000 litros de água poderia ter sido edificada nas proximidades do museu. Um um heroico professor após mais uma hora de fogo ingressou no edifício e salvou alguma coisa com risco da própria vida [Merce medalha do governo federal pela coragem e exemplo].. TUDO ISSO PODERIA SER EVITADO. Não precisa ser especialista em segurança para perceber que ambiente como aquele deveria ter, PERMANENTEMENTE, uma brigada anti-incêndio. Penso que até o corpo docente e discente teria voluntários para tanto. Um galpão ou barração externo [há um imenso espaço em volta do museu] poderia abrigar PROVISORIAMENTE todo ou a maior parte do material inflamável protegido apenas das águas da chuva e dos ventos fortes. Esperaram anos a fio investimentos para instalar portas corta-fogo sabendo que as raras coleções botânicas, as múmias do Egito e do Peru não suportariam mais que cinco minutos à exposição ao fogo? Com todo respeito a dor e a perda definitiva: é preciso ter precauções e criatividade em situações de total penúria, do risco iminente. Amigos,nos anos 70 eu ví, na Alemanha Oriental, o notável acervo do museu de antiguidades – principalmente egípcio – totalmente intacto, salvo da destruição quase total da Guerra Mundial. Gestão é muito mais que pagar salários. Que pena.

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