por Tyler Strobl, em RioOnWatch
A comunidade de Araçatiba, de mais de 40 anos, é situada em Barra de Guaratiba, na distante Zona Oeste do Rio. Para chegar do Centro da cidade, os moradores e visitantes precisam pegar uma combinação de ônibus–uma viagem que dura mais de duas horas de muitos cantos da cidade. No entanto, na chegada, a pessoa entra em um mundo diferente. A comunidade está situada ao longo de um manguezal de água salgada e, a cada dia, a maré traz a água que sustenta a vida da flora e da fauna da região. O ar é visivelmente mais limpo.
No dia 11 de agosto, um sábado ensolarado, os moradores de Araçatiba abriram suas portas para autoridades, ativistas e aliados de toda a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, para discutir o futuro de sua comunidade, que tem resistido às ameaças de remoções emitidas pelas autoridades federais e municipais. Após a demolição de três casas em outubro de 2017, e um chamado em abril deste ano, quando os moradores foram avisados que a polícia iria emitir notificações de despejo adicionais, líderes comunitários decidiram reunir outros moradores e criar um plano de ação para seguir em frente.
Desde do momento de emergência, meses antes, os moradores de Araçatiba estão ocupados representando sua comunidade local e nacionalmente–reunindo-se com o prefeito Marcelo Crivella e também enviando um delegado para se reunir com autoridades federais em Brasília. Eles estão cautelosamente otimistas.
A Reserva Biológica Estadual de Guaratiba, que fica ao lado da comunidade, foi transferida do exército para o governo federal há vários anos. Originalmente criada em 1974, a reserva foi recategorizada em 2010 como uma unidade de conservação de proteção integral–a categoria de conservação mais restritiva em relação à presença humana na área. Enquanto a comunidade fica fora dos limites oficiais da reserva, que é administrada pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) justificou as demolições de 2017 alegando que as estruturas estavam situadas em uma zona de fronteira protegida em terras federais, e mencionou que as construções colocavam a reserva em “risco ambiental”.
O governo federal concluiu um cadastro de moradores em 2012, levando os membros da comunidade a acreditarem que receberiam títulos de propriedade. A situação inicialmente parecia favorável, mas anos se passaram sem ação. Recentemente, a comunidade foi designada para um novo advogado de defesa federal, que esteve presente na reunião em Brasília. Ele ressaltou que a melhor opção no momento é sentar-se com agências do governo e elaborar uma solução. Juntamente com outras comunidades ameaçadas de remoção, os moradores de Araçatiba estão participando de uma audiência pública na Defensoria Pública hoje, 27 de setembro, para fazer exatamente isso.
No entanto, o governo federal recentemente expressou que deixaria a cargo dos governos locais a regularização oficial da terra–embora ainda não tenha cedido autoridade para fazê-lo à agência governamental apropriada, o Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (ITERJ). Um representante do ITERJ lembrou que, neste momento, não há nada que eles possam fazer: eles terão que esperar até que o governo federal ceda o poder e a prefeitura faça urbanizações na comunidade, o que é necessário para regularizar a terra.
Infelizmente, o Prefeito Crivella ainda não deu demonstração de apoio. Em maio, ele foi citado dizendo que somente após a urbanização ele consideraria a titulação de terras, e que no momento não há fundos para a urbanização. A ativista comunitária Ana Frimerman relembrou essa cena do encontro com Crivella: “O prefeito olhou para mim e falou assim: ‘Onde fica Araçatiba? Que eu não sei’. Eu disse, ‘Na Barra de Guaratiba’, e ele disse: ‘Onde é Barra de Guaratiba?’ O prefeito do Rio! A gente está nessa luta. Tem que ser muito guerreira, tem que ter muita paciência para conseguir se manter e sobreviver”. Nota aos leitores: Barra de Guaratiba é um bairro de 9,4 quilômetros quadrados dentro do município do Rio de Janeiro.
Apesar das atitudes positivas dos moradores, a luta para permanecer não têm sido fácil. Ativistas e moradores de Araçatiba enfatizam a importância da união; a única maneira da comunidade prevalecer é mobilizando-se em torno de seu objetivo comum e apoiando-se mutuamente. Os moradores entendem que a luta não será fácil ou rápida e estão se preparando para continuar a longa e extenuante resistência.
Ativistas e autoridades foram guiados por Ana e várias crianças que moram na comunidade. Elas se orgulhavam de seu relacionamento com o ambiente ao seu redor e fizeram questão de enfatizar o quanto elas se preocupam em protegê-lo e preservá-lo. Ao contrário de muitas partes da Zona Oeste que foram sujeitas à especulação imobiliária, o ecossistema natural de Araçatiba continua a prosperar, abrigando uma variedade de espécies nativas de plantas e animais.
Apesar de estar localizada a poucos quilômetros das áreas urbanizadas e de alguns escritórios do governo que querem removê-los, Araçatiba tem um ritmo de vida notavelmente diferente, que seus moradores orgulhosamente compartilham com os visitantes. As crianças ensinaram aos visitantes sobre os caranguejos locais que habitam a área e o que acontece quando a maré entra e inunda a região todos os dias. Os moradores demonstraram a importância e a humanidade de garantir que seus filhos cresçam em harmonia com o meio ambiente e nunca venham a perder o entusiasmo pela natureza.
“Quando cheguei aqui em Araçatiba, eu conheci elas [as crianças] penduradas numa árvore de goiaba ali. E a gente criou uma relação de muito amor, incondicional. Não tenho filhos, eu considero-as [as crianças] como se fossem meus filhos. Em tudo que eu faço, eu luto pela memória da minha mãe, pela minha casa claro, mas eu luto muito por elas [as crianças] porque independente de qualquer coisa eu quero que elas tenham casa, que eles tenham uma história para contar, que cada tijolo desse seja uma representação da luta”, afirmou Ana.
Quando a reunião terminou e os visitantes saíram, a maré subiu cada vez mais em volta da comunidade. Qualquer conforto que possa ser encontrado na confiabilidade dos ciclos da natureza é ofuscado em Araçatiba pela imprevisibilidade de um governo que se recusa a reconhecer a legitimidade do direito da comunidade de permanecer. Por enquanto, no entanto, uma coisa é clara: eles continuarão a resistir. Ana e outros continuarão a lutar para representar a comunidade e reivindicar os direitos que são garantidos: “Por elas [as crianças], eu vou lutar até o fim. Eu não vou deixar elas sem casa, não vou deixar eles [o governo] derrubarem”.