Por Gaby Conde, no Negro Belchior
Bárbara foi presa porque seu cabelo “parecia” com o da moça que assaltou outra moça, no Rio de Janeiro. Renato foi baleado por agentes públicos porque, como candidato a deputado estadual nessas eleições, estava panfletando (!!!!) pelas ruas de Curitiba. O adolescente Mário foi morto por um policial militar reformado no Recife porque foi “confundido com um assaltante”…
Tem muitos outros casos como esses. Em todo país. Diariamente. O que essas pessoas e eu temos em comum é o fato de sermos negras. E isso muda, completamente, a maneira como somos socializadas.
Marielle foi, brutal e covardemente, assassinada por denunciar, dentre outras coisas, esse extermínio da juventude negra. Por apontar o dedo na cara da sociedade e afirmar que o genocídio do povo preto é um projeto institucionalizado.
A emissora de televisão de maior alcance do país “não conseguiu” atrizes e atores negros para protagonizarem uma novela ambientada na Bahia, estado com a maior população negra do país. Curioso que para representarem traficantes, ladrões e serviços de subalternidade, a tal emissora sempre os encontra.
Nós, negras e negros, permanecemos “inadequados” aos lugares de destaque na sociedade e seguimos sendo socialmente estereotipados em nossas características e habilidades. Esteticamente, continuamos fora de um padrão de beleza exportado lá “daseuropas”. Nesse quesito, conseguimos, no muito, que nos considerem “exóticos”.
Por essa imposta inadequação, quando tentamos ocupar ou ocupamos um espaço decisório e de poder enfrentamos de maneira mais feroz a resistência de quem insiste em acreditar, ainda que inconscientemente ( ou não!), que este lugar não nos pertence.
Muitas vezes, inclusive, partindo de gente que luta por Direitos Humanos, por partidos que supostamente defendem bandeiras progressistas e se define antirracista, mas que mantêm a perversa prática de invisibilizar, desvalorizar e criminalizar corpos negros.
A simples presença de pessoas negras em determinados ambientes e cargos é tão, tamanhamente, incomodativa nessa sociedade racista e desigual que, como disse a gigante, Conceição Evaristo, nenhuma porta nos é aberta por oferecimento. Todos os lugares em que estamos têm a ver com nossas demandas.
Foi muito a partir dessas reflexões que lançamos, ano passado, o coletivo nacional “Vamos de Preto”, uma construção pensada e feita a várias mãos com o intuito de formar lideranças negras para a disputa de espaços de poder também na política institucional.
Gente potente como nossa irmã Marielle, Áurea Carolina, Laina Crisóstomo, Douglas Belchior, Marivaldo, Edilson Silva, eu e muitas outras pessoas que já atuavam – em seus estados, cidades e comunidades – no enfrentamento ao racismo e que compreenderam que se não nós, não teremos nossas necessidades priorizadas; tampouco nossos gritos serão ouvidos…
Somos 54% da população brasileira, no entanto, dos atuais 513 deputados federais, apenas 24 são negros. Dos 81 senadores, três são negros. Nenhuma negra ou negro ocupa a cadeira de chefe do governo no Executivo dos estados. Assim também é no STF e na atual equipe ministerial.
Somos as pessoas que mais morrem violentamente; somos maioria da população carcerária; somos quem tem menos oportunidades de estudo e trabalho; somos as pessoas que são mantidas nas favelas-senzalas…
E é por isso que queremos fazer nosso quilombo no Congresso Nacional!! Pois, se ainda há senzala, que haja a força da nossa insistência em existir e resistir. Tal qual nossos ancestrais!!!
Colocamos nossos corpos, nossas vidas à disposição para levar e defender nossas pautas e demandas – nós por nós – pois, acreditamos que esse é, além do único, o caminho legítimo para construção de uma sociedade mais justa e igualitária para todas as pessoas.
Por um quilombo no Congresso!!!
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Gaby Conde é militante e ativista na luta antirracista e em defesa dos Direitos Humanos há mais de duas décadas. Mulher negra, nordestina, periférica, feminista, mãe autônoma, arteeducadora, educadora popular e capoeirista. Está candidata a deputada federal pelo PSOL/PE traçando, pela primeira vez, o caminho da política institucional.