O ódio como força motriz

O que será de um país com um presidente movido pelo ódio? Conflitos, perseguições, divisão, destruição. Foi assim na Alemanha de 32 e no Brasil de 64

Por Bruno De Conti, na Carta Capital

 Máscara do Mal
Em minha parede há uma escultura
de madeira japonesa.
Máscara de um demônio mau,
coberta de esmalte dourado.
Compreensivo observo
As veias dilatadas da fronte, indicando
Como é cansativo ser mau.

(Bertold Brecht)

A indignação é uma poderosa força de transformação. É impossível, em sã consciência, olhar para esse mundo e conformar-se. Nem mesmo os calos da alma, forjados pela visão cotidiana de determinadas atrocidades, podem apagar a indignação. Afinal, ninguém que guarde um mínimo de humanidade pode olhar para moradores de rua sem sentir-se indignado; pensar em crianças com fome, sem sentir-se indignado; ver as imagens do assassinato de um rio, por parte de uma empresa pretensamente útil ao desenvolvimento nacional, sem sentir-se indignado; saber que a corrupção desvia valores imensos de dinheiro público em um país tão carente quanto o nosso, sem sentir-se indignado. A indignação em relação à nossa sociedade deve constituir-nos como seres políticos, como seres capazes de lutar por mudanças, como seres humanos insatisfeitos com tanta desumanidade.

Mas não nos confundamos: indignação não significa ódio. A indignação impulsiona transformações necessárias. O ódio, não. São sentimentos muito distintos e com consequências muito diversas.

Tendo isso em mente, preocupa-me perceber que uma parte da sociedade brasileira vem hoje apostando suas fichas nas possibilidades de salvação da pátria por parte de um candidato que é a síntese máxima do ódio. Achando feio o que não é espelho, o Narciso de nossos tempos odeia todas as mulheres, declarando que elas merecem ganhar menos do que os homens. Odeia todos os negros, dizendo que foram eles que se autoescravizaram e são os responsáveis por suas próprias mazelas. Odeia os homossexuais. Odeia todos aqueles que assumem posições políticas diferentes às suas, dizendo em alto e bom tom que é a favor da tortura e tecendo louvores à ditadura militar e ao General Ustra, um dos representantes máximos dessa forma de governo.

Tenho ouvido de alguns a acusação de que estou exagerando em minhas percepções; de que estou selecionando menções infelizes do sujeito em questão. Ora, se alguém aqui acha que há algo que o move que não seja o ódio, por favor me mostre.

Obviamente, não caio aqui na conclusão idílica de que será o amor puro, transcendental, sacrossanto, o responsável pela nossa salvação. Não é disso que se trata. Mas justamente saindo do campo etéreo das emoções e analisando o terreno concreto das consequências de ações com distintas motivações, é muito fácil perceber as implicações. Até mesmo para as coisas mais triviais, de nosso dia a dia, aquilo que é feito com ódio termina mal. Cozinhar com ódio, dirigir com ódio, educar crianças com ódio, gerir uma empresa com ódio… nada disso tem a mínima chance de dar certo.

Assim, a pergunta que faço é: o que será de um país cujo chefe de Estado é movido pelo ódio? E a resposta é muito simples: conflitos, perseguições, divisões, destruição. A história nos ensina. Foi assim na Alemanha, em 1932; foi assim no Brasil, em 1964; não será diferente no Brasil de 2019.

Aliás, antes mesmo do fim das eleições, o ódio do candidato já tem se refletido em violência política por todos os cantos do país (inclusive contra ele próprio…).

Meu apelo, portanto, é: unamo-nos na indignação contra os profundos problemas da nossa sociedade. Cotidianamente, alimentemo-nos dessa indignação. Que o governo eleito seja sim pautado por essa indignação em relação às profundas contradições e aberrações de nosso país. Mas não nos deixemos conduzir por um sujeito que exala o ódio; que terá no ódio a sua motivação. O ódio como força motriz de uma nação não pode resultar em nada além de tragédias.

*Bruno De Conti é professor do Instituto de Economia da Unicamp

Foto: JL/Folha

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