Emicida: Mensagem aos democratas do Brasil

“Esta eleição, por incrível que pareça, tem o ódio como modus operandi, mas vai ser definida pelo amor. O amor nos faz lutar como feras e, por medo de ver ferimentos em quem amamos, tomamos medidas desesperadas. Converse. Respeite. Busque ver pelos olhos alheios.”

Por Emicida, no blog da Boitempo

Aos progressistas/democratas que, assim como eu, têm preocupação com o destino da maioria do país. Visão memo, no limite da humildade, ideia de progresso, sai na rua e vai falar com as pessoas. Menos vaidade acadêmica e hashtag da moda e mais empatia real com o desespero alheio.

A vitória de Trump nos EUA era anunciada semanas antes, justamente por que seus antagonistas ficaram confortáveis em suas bolhas analisando a população como objeto de pesquisa e não como seres humanos com medos reais e esperanças ameaçadas, por um tempo bastante dicicil. Existe uma pseudo-militância progressista bastante vaidosa e barulhenta, que tem uma visão problemática, burguesa, distante e bem perigosa a respeito de quem não frequenta os mesmos ambientes que eles, em geral ambientes acadêmicos.

Por isso, digo no limite da humildade, saiam na rua e conversem com as pessoas com respeito e empatia real, não como senhores da verdade, não fiquem tentando enfiar pautas complexas até pra nóiz, goela abaixo das tiazinhas de setenta anos que só querem que funkeiros abaixem o volume… Fala-se muito sobre masculinidade tóxica aqui (virei papo cabeça já rs), essa masculinidade é tida como sinônimo de força, homens, mulheres (e gays também) a incorporam para defender suas famílias. Isso se torna um valor e pra muitos nas beiradas da cidade, é tudo o que se tem…

Quando essa vaidade de vocês desconsidera ou minimiza a frustração e o medo do cidadão pobre, cansado de tudo (cansaço físico, psicológico e emocional real) – cansado entre outras coisas de tomar enquadro e também de ter seu celular de 400 golpes roubado por um moleque que devia na escola. Esse irmão e essa irmã se sentem castrados, querem ter de volta sua força roubada. Não temos uma tradição respeitável de diálogo, não há um período violento nesse país que tenha feito um processo sério de conciliação. O natural daqui é ver no autoritarismo uma solução prática.

É um risco, reconhecido por muitos, mas uma guinada desesperada por uma mudança necessária. Talvez esse o único ponto pacifico de 2018: as coisas precisam mudar. A discordância nasce das sugestões de por qual caminho. As pessoas pobres/pretas sabem dos perigos do discurso, sabem do quão é arriscado dar carta branca pras polícias matarem mais, mas elas têm preferido arriscar nessa loteria ao contrário, onde o sorteado se fode. Porque a probabilidade de punir real o bandido lhe parece maior. Junta isso com as conciliações/reparações sérias não feitas que falei antes (escravidão/genocídio indígena/ditadura militar etc), um judiciário de imparcialidade questionável, uma mídia hegemônica irresponsável que rifa o destino do país junto ao que há de pior na política. E temos o que temos hoje. Uma eleição que está no segundo turno onde fala-se mais de Venezuela e Cuba, do que do Brasil. Tudo precisa ser ultra contextualizado mas o tempo é de descontextualização. Fica difícil saber em quem confiar, até pra nóiz que estudamos história direito rs

Digo isso porque estava há uns dias com um parça da brasilândia que já apanhou da PM de graça, mas que disse que ia de 17. Tivemos uma conversa da hora, ele falou os pontos dele eu disse os meus (ganhei dele porque sou MC de batalha) e vi que ele estava apenas desesperado. Tem muita gente assim. Eu rodo esse país, vejo muito isso. E isso é legítimo. Por isso peço: ultrapassem as hashtags da moda (“fascista”, “racista”, “homofóbico”) e conversem respeitosamente (onde houver possibilidade de diálogo) com nossos irmãos e irmãs.

Tem abutre de toda sorte querendo ver o circo pegar fogo, pessoas que merecem essas hashtags ali de cima. Acho que Bolsonaro tem realmente esses valores questionáveis, mas não caiam na generalização simplista de achar que a favela toda virou fã de Hitler. Tem mais camadas aí. É um tempo difícil. Não há solidez em quase nada para podermos firmar algo. Tem muita gente se sentindo sem chão e tentando se agarrar a qualquer coisa que lhe pareça ter alguma solidez. Se pra nóiz que vive confortavelmente tá estranho, imagina pra quem tá na beirada da cidade. Se até a gente que compreende a importância do partido dos trabalhadores no país, têm duras criticas a ele, imagine as pessoas que estão sendo fuziladas com informações falsas 24 horas por dia.

Transcendam o digital. Esta eleição, por incrível que pareça, tem o ódio como modus operandi, mas vai ser definida pelo amor. O amor nos faz lutar como feras e, por medo de ver ferimentos em quem amamos, tomamos medidas desesperadas. Converse. Respeite. Busque ver pelos olhos alheios. Falei pra caraio. Eu só queria dizer que o Brasil é mais complexo do que ambos os extremos do campo politico conseguem perceber. Eu vou de Haddad 13, por que não há um futuro positivo que não comece por uma escola. O momento é de educação. Obrigado pela atenção de sempre rapa!

PS: Emicida em janeiro: que se foda a política, essas porra tudo se corrompeu, tem que explodir tudo, dá licença, num devo num temo que já era, sem reforma num falo mais um “a”… Emicida em outubro: thread de 8 quilômetros! Desculpem. Rsrsrs

* Reflexão publicada originalmente no Twitter de Emicida em 20 de outubro de 2018 em formato de “thread”. Leia o original clicando aqui.

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