Luiz Eduardo Soares: Carta aberta ao Exmo. Sr. ministro da Segurança Pública, Raul Jungman

Rio de Janeiro, 22 de outubro, 2018.

Caro Raul,

Nossa longa amizade e a profundidade dos laços que unem nossas famílias me autorizam a informalidade e o tom pessoal. Há anos a política tem nos afastado, embora nunca tenhamos deixado de nos falar, com a estima e o respeito de sempre. Primeiro foi minha recusa a aceitar o impeachment, depois minha posição crítica ao governo Temer, em seguida minha oposição à intervenção federal-militar no Rio de Janeiro. Nesses episódios, diferenças que já havia, aprofundaram-se. Entretanto, Raul, você é testemunha de que jamais disse, publicamente, uma palavra sequer que pudesse atingi-lo, porque temos origens comuns e conheço sua história honrada de resistência à ditadura, que não merece ser maculada por decisões tardias que me parecem equivocadas.

Como lhe disse, em nosso último encontro, espero que um dia voltemos a estar do mesmo lado, trabalhando juntos pela democracia e por uma segurança cidadã, comprometida com o Estado democrático de direito e os direitos humanos. Portanto, se recorro a esse meio público para sensibilizá-lo é porque estou convicto de que corremos perigo: nosso país está na iminência de sucumbir a um banho de sangue e ao esmagamento da democracia.

Não é hora de platitudes pacifistas, nem de pusilanimidade -e se lhe digo isso não é para insinuar que você trocaria a dignidade de sua biografia por essas atitudes que têm, lamentavelmente, contagiado a república. Ao contrário, é porque ainda creio em sua coragem cívica e em seu senso de responsabilidade. Não é hora de acusar ambos os lados, como se fossem, ambos, extremistas. Fernando Haddad é reconhecidamente um democrata moderado e, ao longo de sua vida política, apenas deu mostras de comedimento e equilíbrio. Pois bem, Raul, lhe escrevo para clamar que denuncie, publicamente, com máxima veemência, as práticas brutais adotadas pela campanha de Bolsonaro, as quais têm sido, com assustadora frequência, negligenciadas pelas instituições policiais.

Não é preciso que o candidato dê ordens explícitas para que se formem as Brigadas Patrióticas Jair Bolsonaro. Elas, na prática, já existem. A performance do candidato, seus discursos e o repertório de suas declarações autorizaram a violência sem limites e tem contado com a cumplicidade criminosa de vários agentes da segurança pública, que se negam a registrar as denúncias. Os eventos têm se multiplicado e as vítimas têm variado, desde fiéis da umbanda, por professarem sua fé, até membros da comunidade LGBT, passando por aqueles que apenas vocalizaram seu apoio a Fernando Haddad.

Se o ministro da segurança não intervier com máxima urgência e absoluta clareza, declarando de onde vem o belicismo desmedido e suas consequências, a eleição como livre manifestação será violada pelo ambiente ameaçador e virá uma temporada de horror e repressão, esmagando movimentos sociais e lideranças populares, além cidadãos colhidos pela tormenta.

Você veio ao Rio, ainda como deputado e depois como ministro, para ajudar na luta contra as milícias e evitar que elas inibissem a liberdade do voto. Pois agora se trata de evitar que as milícias de Bolsonaro inibam a liberdade da campanha e, portanto, intervenham nas eleições. Não há mais tempo para formalidades, meu amigo. Cabe a você um papel que vai lhe exigir coragem. Mas a história compensará o preço que você vier a pagar pela altivez.

Com estima e consideração,

Luiz Eduardo Soares

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Neyla Mendes.

 

Comments (1)

  1. Obrigada pela coragem e clareza. Só nos resta torcer a favor da hombridade do ministro Raul Jungmann.
    Frinéa Souza Brandão

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