O candidato enfatizou sua relação com empresários e políticos judeus para alavancar candidatura. Aproximação causou uma crise na comunidade judaica entre os defensores dos direitos humanos
Por Regiane Oliveira, no El Pais
“Pode ter certeza que se eu chegar lá [Presidência da República] não vai ter dinheiro pra ONG”. “Se depender de mim, todo cidadão vai ter uma arma de fogo dentro de casa”. “Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”. “Eu fui num quilombola. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada”. “Não podemos abrir as portas [do Brasil] para todo mundo”.
Estes ataques contra minorias foram feitos por Jair Bolsonaro, candidato à Presidência do Brasil, em abril de 2017, durante um evento no clube Hebraica Rio. Ao defender a ditadura militar e contar seus planos para armar a população, o candidato foi ovacionado aos gritos de “mito” por parte da plateia. O evento, que repercutiu em toda a imprensa, iniciou uma crise na comunidade judaica brasileira, tradicionalmente conhecida pela defesa dos direitos humanos e dos valores progressistas.
O comparecimento de Bolsonaro no clube era parte de um bem sucedido plano de aproximação traçado com empresários e políticos judeus para alavancar sua candidatura no Brasil. Há dois anos das eleições, levou sua caravana eleitoral ‘Brasil acima de tudo! Deus acima de todos!’ em uma empreitada para conquistar a simpatia de empresários e interlocutores internacionais. Fez viagens aos Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e Taiwan. Mas foi de seu esforço de aproximação com Israel de onde surgiram os primeiros resultados concretos de apoio.
Enquanto a presidente Dilma Rousseff era afastada de suas funções em meio ao processo de impeachment no Brasil em maio de 2016, Bolsonaro, que é católico, era batizado pelo presidente do PSC, Pastor Everaldo (da igreja Assembleia de Deus), no Rio Jordão, em Israel. A imagem de seu batismo correu o país, juntamente com vídeos que mostravam seu encontro com o presidente do Knesset, o parlamento israelense, Yuli-Yoel Edelstein.
A postura de Bolsonaro na Hebraica chegou a ser criticada pela Confederação Israelita do Brasil (Conib), que soltou uma nota afirmando que a comunidade judaica defende ”o respeito absoluto a todas as minorias”. Mas a nova base de apoio já estava prestes a se solidificar. O deputado federal reeleito Onix Lorenzoni (DEM), homem de confiança de Bolsonaro e cotado para a Casa Civil, trouxe para a equipe do militar os irmãos e professores universitários Abraham Weintraub e Arthur Bragança Weintraub, especialistas, respectivamente, em finanças e direito previdenciário. Também se uniu à campanha Fábio Wajngarten, empresário judeu da área de comunicação digital.
Apoiadores do candidato romperam com instituições tradicionais judaicas e criaram, no segundo semestre de 2017, a Associação Sionista Brasil Israel(ASBI). “Uma farta parcela de judeus não se sentia representada pela ideologia de esquerda que tomou conta das escolas, movimentos juvenis e entidades judaicas como a Conib e seus associados”, conta Félix Soibelman, diretor jurídico da ASBI. “Bolsonaro, na contramão de toda esta esquerda, já vinha se manifestando como grande admirador de Israel e amigo dos judeus”, afirmou.
Do outro lado, críticos ao candidato minimizaram o apoio judaico. “Ele começou a se dizer amigo de Israel, bateu foto com a bandeira, disse que vai trazer a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém [como fez Donald Trump com a norte-americana] e isso agradou algumas pessoas. Mas somos poucos para fazer alguma diferença [cerca de 107 mil, segundo o censo de 2010]. O interesse de Bolsonaro sempre foi conquistar o eleitorado evangélico, que vê Israel como referência”, afirma o empresário Mauro Nadvorny, um dos coordenadores do movimento Judeus contra Bolsonaro, que mora em Israel.
O ponto alto da crise foi a decisão de Meyer Nigri, dono da construtora Tecnisa, de declarar seu voto a Bolsonaro. Animado com o discurso em prol das privatizações, Estado mínimo e reformas, o apoio público de Nigri certamente valeu mais que cerca de 5.000 reais que o empresário e seu filho Renato Meyer Nigri doaram para a campanha do militar, por meio de um financiamento coletivo na internet.
“Em termos de apoio, o número de empresários não-judeus com Bolsonaro é infinitamente maior”, afirma Nadvorny, o que não impediu a cisão da comunidade. “É um choque ver amigos defendendo um candidato que fala de maneira preconceituosa contra minorias, especialmente, dentro de uma comunidade que tem uma história com o fascismo”, afirma. Segundo ele, a ASBI é formada por “90% de membros evangélicos não-judeus”.
Na prática, Bolsonaro usou e abusou de sua visita a Israel em vídeos defendendo a tecnologia de empresas israelenses e as possibilidades de negócios entre os dois países, bem antes da corrida presidencial começar. E uma vez viralizados estes vídeos, pouco importava se essas promessas constariam em seu programa de Governo. Ele já havia conquistado o imaginário de alguns eleitores. “O que mais me agrada no programa de Bolsonaro é a proposta do sistema de irrigação de Israel. É uma ótima ideia para acabar com o sofrimento das pessoas que vivem no Nordeste”, afirmou Hilston Oliveira, evangélico nascido na região da Chapada Diamantina, no semiárido da Bahia, que compareceu com a família à manifestação de apoio ao candidato Jair Bolsonaro no domingo passado, em São Paulo.
O candidato, porém, pode estar reembalando ideias antigas. “Ele diz que gostaria de transformar o Nordeste em Israel, mas parece não saber que acordos para troca de tecnologia já foram feitos há décadas. O problema não é a tecnologia, é decisão de investimento. Porque as empresas de Israel cobram”, afirma o representante do movimento Judeus contra Bolsonaro.
Aliás, Nadvorny conta que nem Bolsonaro nem as eleições brasileiras estão na pauta de Israel no momento. “O israelense tem muito carinho pelos brasileiros por conta do futebol, música e Carnaval. Mas se a embaixada for em Jerusalém ou Tel Aviv, a diferença política é zero”. Mesmo assim, lideranças judaicas que se apoiam neste suposto relacionamento para vir a público defender a candidatura de Bolsonaro como “um verdadeiro amigo de Israel”. Dentre eles, está o rabino Shalom Ber Solomon, que gravou um vídeo declarando seu voto. Apesar de dizer que não se deve misturar religião com política, o religioso afirma que nestas eleições os judeus devem votar em uma pessoa em cujos princípios representam os valores judaico-cristãos. “Meu voto como judeu, rabino e cidadão brasileiro vai para Jair Messias Bolsonaro. Você não precisa concordar com uma pessoa em todos os assuntos, para eleger um presidente não devemos casar com ele, mas apenas votar nele”.
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Foto: Bolsonaro durante palestra no clube Hebraica Rio, em abril de 2017.
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Amyra El Khalili