Proposta reduz pensão de idoso pobre e dificulta vida de trabalhador rural. Por Leonardo Sakamoto

no blog do Sakamoto

Uma proposta de Reforma da Previdência coordenada pelo economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, está sendo analisada pela equipe de Jair Bolsonaro. Divulgada pela imprensa, nesta quinta (1), ela prevê a criação de uma Previdência específica para militares, o estabelecimento de fundos de pensões nos estados e a equiparação das previdências pública e do regime geral em pouco mais de dez anos, entre outras ações.

O ponto que chamou a atenção deste blog foi a criação de um ”benefício universal” mínimo para todos os brasileiros maiores de 65 anos, tendo sido contribuintes ou não, no valor de 70% do salário mínimo. Ele substituiria as pensões garantidas aos idosos pobres através do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural especial.

Fiz uma rápida entrevista com Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho sobre esse ponto específico.

Segundo ele, a proposta dificulta o acesso à aposentadoria dos trabalhadores rurais da economia familiar. ”Não se pode comparar a realidade socioeconômica de uma mulher nordestina que trabalha no campo com a de um trabalhador urbano”, afirma. Além disso, a desvinculação do reajuste pelo salário mínimo dos trabalhadores da ativa terá impactos na qualidade de vida, rebaixando os valores pagos os aposentados. ”Vamos revisitar as regras vigentes na ditadura militar que corroíam o valor real dos benefícios.”

A proposta apresentada por Armínio é uma novidade como tem sido apresentada?

A suposta proposta de Armínio é, na verdade, uma adaptação do modelo do Chile, implantado pelo general Augusto Pinochet, no início dos anos de 1980 e que está sendo questionado pela sociedade chilena em função do seu caráter excludente.

Posteriormente, em 1994, o Banco Mundial aperfeiçoou e transformou o modelo chileno em modelo global. O documento “Envejecimento sin crise” propõe o chamado modelo dos “três pilares”, no qual o “pilar básico” é semelhante ao proposto por Armínio. Em 2017, o documento “Um Ajuste Justo – Análise da Eficiência e Equidade do Gasto Público no Brasil”, também elaborado pelo Banco Mundial, atualiza essa proposta para o caso brasileiro.

A proposta não é original. É um plagio que vem sendo tentado no Brasil, desde 1988, quando o presidente José Sarney explicitou a tesa da “ingovernabilidade” em decorrência da aprovação dos direitos sociais na Constituição Federal. Nos últimos 30 anos, tivemos dezenas de “Pontes para o Futuro” [nome da proposta de governo de Michel Temer e do MDB] com o mesmo objetivo. E, agora, baseada na tese de que “as demandas sociais da democracia não cabem no orçamento”.

Como vê a proposta de universalizar uma pensão de 70% do salário mínimo a todos os brasileiros com mais de 65 anos?

A idade de 65 anos valerá também para os trabalhadores rurais da economia familiar, que hoje se aposentam aos 60 anos, homens, e 55 anos, mulheres. Essa idade é semelhante à idade mínima praticada na região da Escandinávia [Noruega, Suécia, Dinamarca] – sendo que o Brasil é o nono país mais desigual do mundo. É evidente que se trata de regras de acesso muito restritivas. Não se pode comparar a realidade socioeconômica de uma mulher nordestina que trabalha no campo com a de um trabalhador urbano brasileiro ou sueco.

Essa proposta acaba com a Seguridade Social da Constituição de 1988. Na prática, teremos um mega Bolsa Família previdenciário para os velhos e os desassistidos. Os que conseguirem o benefício por um curto período de vida terão valores rebaixados: de 100% do salário mínimo, como é hoje tanto para idosos pobres quanto para trabalhadores rurais, para, inicialmente, 70%.

Inicialmente 70% do salário mínimo?

Essa renda básica deixará de estar atrelada ao salário mínimo, segundo o projeto. Ou seja, o índice que reajusta os benefícios pode ser inferior ao utilizados para quem está na ativa. Vamos revisitar as regras vigentes na ditadura militar que corroíam o valor real dos benefícios.

A desvinculação somada ao fato de que a Previdência Social deixará de ter status constitucional pode fazer com que mudanças aconteçam por legislação ordinária. Isso abre espaço, inclusive, para que o índice que reajusta os benefícios seja inferior à inflação no futuro. A experiência de outros países – como o Chile, por exemplo – demonstra que, no médio prazo, esses valores podem ser achatados para a metade do salário mínimo ou para patamares inferiores a isso.

Trabalhador de carvoaria em Minas Gerais. Foto: João Roberto Ripper

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