Há grandes riscos em deixar nossos filhos aprenderem história do Brasil
Na Folha
Soa muito suspeito o fato de que um professor falar sobre pobreza, solidariedade, equanimidade ou ensinar a história do nosso país seja interpretado como discurso ideológico da “esquerda comunista comedora de criancinha”.
Mais suspeito ainda é uma deputada, defensora da Escola sem Partido, tirar fotos em sala de aula vestida com a camisa do seu candidato. A mesma que incitou os alunos a cometerem o crime de filmar e denunciar os supostos professores de “esquerda comunista comedora de criancinha”.
Obviamente não há nada de estranho, trata-se justamente de tentar ultrapassar os muros das escolas, último espaço de exercício da crítica e do livre pensamento, com a mão pesada do autoritarismo e da ideologia.
O que será que pais que encamparam essas ideias temem que aconteça com seus filhos? Qual é a ameaça que paira sobre nossas crianças?
Alguns riscos merecem ser elencados, pois são bem reais.
O risco de estudarem a história de nosso país e reconhecerem que a crescente violência alardeada como justificativa para o autoritarismo sempre existiu nas classes pobres, com um índice de mortes por arma de fogo comparável a de uma guerra civil. Estudarem que a violência de Estado e a repressão arbitrária nunca diminuíram a criminalidade em país algum, enquanto educação, justiça social e distribuição de renda sim.
O risco de se reconhecerem igualmente humanos e com direito à vida, sejam mulheres, negros ou índios. Risco no qual o cristianismo tem insistido nos últimos dois milênios, embora com bem pouco sucesso. Capaz de defender pobres, prostitutas e estrangeiros, o sermão cristão original não seria aceito na Escola sem Partido (sem partido dos outros, entenda-se).
O risco de descobrirem que meritocracia é uma régua que só pode ser usada quando os concorrentes saem do mesmo ponto de partida.
E pior, se inspirados na dedicação de seus professores, nossos filhos resolverem ser eles mesmos docentes, ganhando a miséria que os professores ganham e sendo xingados por “mamar nas tetas do Estado” se trabalharem em escolas e universidades públicas?
Anos de mensalidades de escolas particulares para quê? Para formarmos cidadãos? E se eles votarem pela diminuição dos privilégios das classes favorecidas, assim como acontece no Canadá, Portugal, Noruega, Dinamarca, Holanda? E se nos obrigarem, com seu voto subversivo, a conviver com a população negra brasileira em pé igualdade? Metade dos assentos nos aviões, nas salas das universidades, nos cinemas, nas bibliotecas, nos museus serem ocupados por negros, índios, mulatos? Metade dos cargos de chefia no âmbito privado e público serem preenchidos por mulheres?
Sim, professores são um perigo, não porque eles façam nossas crianças pensarem isso ou aquilo, mas porque as fazem pensar. Em tempos de autoritarismo e elogio à tortura é o pensamento que está sob ameaça. Quando a imprensa, a oposição e a escola encontram-se explicitamente ameaçadas como hoje, pais que dizem prezar a democracia precisam rever o que entendem pelo termo.
Recentemente um professor de sociologia do Ceará passou o filme “Batismo de Sangue” em sala de aula, baseado na história da prisão de Frei Beto. Foi denunciado por fazer apologia contra o então candidato à Presidência da República.
A mensagem é clara, não podemos criticar a tortura, defender negros, mulheres, gays e pobres sob pena de sermos considerados criminosos. É isso que queremos ensinar para nossos filhos?