Fundação Renova tenta subornar prefeitos de cidades atingidas a desistirem de ações judiciais contra Samarco/Vale/BHP

por Maurício Angelo, em Miniver

Prevendo a derrota certa e a condenação na ação movida na corte inglesa pelo escritório SPG Law, a Renova tenta intimidar e subornar prefeitos das 39 cidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, que segue impune no Brasil três anos após o crime. Ciente da conivência e da lentidão da justiça brasileira e ciente também de que na Inglaterra as coisas tendem a ser diferentes, documentos revelados pelo Estado de Minas e pela Agência Brasil mostram que a Renova emitiu um termo de transação, quitação e exoneração de responsabilidade, que condiciona a liberação de R$ 53.3 milhões à extinção e abandono de ações na Justiça nacional e internacional contra a própria Renova, a Samarco e suas operadoras, as mineradoras Vale e BHP Billiton, com efeito sobretudo sobre processos movidos no exterior.

Essa quantia irrelevante – R$ 53,3 milhões – é inferior a 0,5% da previsão inicial de indenização que poderia ser obtida na ação movida no Reino Unido, que pede 5 bilhões de libras, cerca de R$ 24 bilhões de reais. Bom lembrar: somente em 2014, último ano fiscal antes do crime, a Samarco teve lucro líquido de R$ 2,8 bilhões de reais, sem falar no lucro da Vale e da BHP Billiton, as duas maiores mineradoras do mundo, que são donas da Samarco.

Tom Goodhead, sócio do escritório inglês, considerou que essa tentativa da Renova configura tentativa de suborno. “Todos os prefeitos com quem conversamos acham que esse termo vai contra suas obrigações legais. Isso soa quase como uma tentativa de suborno, com um recurso com o qual a fundação é obrigada a pagar de qualquer jeito”, declarou.

Consta no documento enviado pela Renova a intimidar os prefeitos e suborná-los a dividir R$ 53 milhões entre todos os atingidos uma cláusula que, caso assine, “o município, neste ato, desiste da ação coletiva movida perante a High Court of Justice em Liverpool – Reino Unido contra a BHP Billinton PLC, BHP Billiton Brasil Ltda., Samarco Mineração S.A., BHP International Finance Corp., BHP Minerals International LLC e Marcona Intl. S.A.”. O texto também exige que a prefeitura deverá “comunicar tal desistência às cortes inglesas e a quem mais se fizer necessário”.

A ação que corre no Reino Unido teve adesão de mais de 250 mil pessoas, incluindo atingidos, 21 prefeituras e até a Igreja Católica. Além de abandonar as ações correntes, os prefeitos se comprometeriam a não abrir em jurisdições estrangeiras nenhum outro procedimento que esteja relacionado ao crime de Mariana. Para o escritório inglês, “a proposta de acordo encaminhada trata tão somente de indenização dos gastos extraordinários, não da indenização integral dos danos, como pleiteado perante o tribunal inglês”. E a “proposta” da Renova também fere a lei inglesa, pois foi apresentada após a notificação da ação. “A SPG Law comunicará imediatamente a eventual ilicitude à High Court of Justice em Liverpool – Reino Unido”, reforçaram. O escritório defende que acordos celebrados entre a Fundação Renova e os municípios para o recebimento de valores de direito não devem implicar a desistência de ações já propostas e a concessão da quitação integral.

Em entrevista à Folha em 2017, Roberto Waack, diretor-presidente da Fundação Renova, que aparece na foto acima dizendo qual a política de “compliance” da organização, além de novamente prometer e novamente não cumprir os prazos de indenização dos atingidos (nem as famílias dos 19 mortos no crime foram indenizadas ainda) e de reassentamento (Bento Rodrigues, previsto para 2019, ficou para 2020 e outros processos nem começaram) também negou que a Renova é controlada e pautada por suas mantenedoras, a Samarco/Vale/BHP, que não teriam poder de veto. A recente tentativa de intimidação, suborno e pressão para que prefeitos desistam de ações judiciais internacionais mostra bem a quem a Renova serve, não deixando qualquer dúvida sobre as suas intenções e para que foi criada.

Não é exatamente segredo para ninguém que a Renova é braço direto das mineradoras e que atua sem transparência nem diálogo com os atingidos, contando com a benevolência da justiça brasileira para tanto. Em iniciativa conjunta inédita, sete instituições – Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MP-MG), Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MP-ES), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DP-MG) e Defensoria Pública do Espírito Santo (DP-ES) precisaram deliberadamente pedir que a Samarco/Vale/BHP respeite os direitos dos atingidos. As instituições que fizeram a “recomendação” recebem constantes denúncias de violações de direitos humanos de pessoas ou comunidades atingidas, com destaque para a dificuldade de acesso a informações e a atuação unilateral e discricionária da Fundação Renova na execução dos programas.

Segundo as condições impostas nas cláusulas do documento enviado pela Renova às prefeituras, apenas com a adesão formal em três vias as administrações poderão ter acesso aos recursos de compensação pelo empenho de recursos, pessoal, maquinário e gastos como a abertura de estradas enlameadas, captações de água arruinadas, pontes derrubadas, abrigo a pessoas desalojadas, logística de doações e ações de defesa civil. Do total, R$ 12.185.686 serão destinados aos municípios do estado do Espírito Santo e R$ 41.158.645, aos mineiros. As prefeituras não se pronunciaram oficialmente, temerosas de mais retaliações relacionadas a recursos emergenciais pagos pela fundação.

No parágrafo oitavo do documento, a Fundação Renova estabelece que “o município renuncia a quaisquer outros direitos eventualmente existentes, presentes ou futuros, para nada mais reclamar em tempo e lugar algum, a qualquer pretexto, em relação a alocações e gastos públicos extraordinários decorrentes do rompimento”. Com isso, a fundação e suas mantenedoras estariam “desobrigadas inteiramente, com validade e eficácia no Brasil e em qualquer outra jurisdição estrangeira”. Diante da assinatura do termo, “o município se compromete a não tomar qualquer medida adicional” acerca desses gastos extraordinários, bem como desistir, dentro de 10 dias, de outras ações já em curso contra os mesmos réus.

Para Goodhead, é claro que a Renova tentou enganar as prefeituras, exigindo que desistissem da ação na corte de Liverpool para receber o recurso (do TTAC). “Como nós (do escritório SPG Law) somos os representantes legais desta causa, deveriam ter nos contatado primeiro e não diretamente aos nossos clientes”, declarou. Como provado, os métodos de ação da Renova e suas financiadoras não poderiam ser mais claros: chantagem, suborno, intimidação, pressão e ações rasteiras para garantir que a impunidade continue.

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