O “realismo” político diante do aquecimento global fracassou — porque as elites e as corporações bloquearam as saídas. É hora de pensar na reconversão geral da economia
Por George Monbiot | Tradução: Inês Castilho, em Outras Palavras
Foi um momento desses de mudar a vida. Na coletiva de imprensa do Extinction Rebellion [Revolta contra a Extinção] ocorrida semana passada, dois de nós, jornalistas, perguntamos aos ativistas se consideravam realistas seus objetivos. Eles pediam, por exemplo, que as emissões de carbono no Reino Unido fossem reduzidas a zero até 2025. Não seria melhor, questionamos, perseguir alguns objetivos intermediários?
Uma jovem chamada Lizia Woolf deu um passo adiante. Ela não havia se pronunciado antes, e eu quase nem a havia notado, mas a paixão, pesar e fúria de sua resposta foram profundamente convincentes. “O que vocês estão me pedindo, como uma jovem de 20 anos, para encarar e aceitar sobre meu futuro e minha vida? … isto é uma emergência – estamos diante da extinção. Quando vocês fazem perguntas como essa, o que esperam que eu sinta?” Ficamos sem resposta.
Objetivos mais moderados podem ser politicamente realistas, mas são fisicamente irrealistas. Apenas as mudanças proporcionais à escala de nossa crise existencial têm alguma perspectiva de evitá-las. O realismo sem esperança, que contorna o problema pelas bordas nos colocou nessa confusão. Não nos tirará.
Os dirigentes políticos falam e agem como se a mudança ambiental fosse linear e gradual. Mas os sistemas da Terra são altamente complexos, e os sistemas complexos não respondem à pressão de forma linear. Quando esses sistemas interagem (porque a atmosfera, os oceanos, a superfície da terra e as formas de vida do planeta não estão sentadas placidamente em caixas que tornam os estudos mais convenientes), suas reações às mudanças tornam-se altamente imprevisíveis. Pequenas perturbações podem ramificar-se de forma selvagem. Os pontos de virada provavelmente permanecerão invisíveis até que tenhamos passado por eles. Poderíamos assistir mudanças de estado tão abruptas e profundas que nenhuma continuidade pode ser prevista com segurança.
Basta que apenas um dos muitos sistemas de suporte à vida de que dependemos – solos, aquíferos, chuvas, gelo, padrões de ventos e correntes, polinizadores, abundância biológica e diversidade – falhe para todo o resto desabar. Por exemplo, quando o gelo do mar Ártico derreter além de certo ponto, as retroalimentações desencadeadas (tais como água mais escura absorvendo mais calor, derretimento do gelo permanente liberando metano, mudanças no vórtice polar) poderão tornar os distúrbios climáticos desenfreados, impossíveis de deter. Quando o período conhecido como Dryas Recente terminou, 11.600 anos atrás, os núcleos de gelo da Groenlândia revelam que as temperaturas subiram 10°C em uma década.
Não acredito que o colapso contemporâneo ainda seja inevitável, ou que uma resposta adequada seja impossível, técnica ou economicamente. Quando os EUA entraram na II Guerra Mundial, em 1941, substituíram em poucos meses uma economia civil por uma economia militar. Como lembra Jack Doyle em seu livro, Taken for a Ride [Levado para um passeio]. “Em um ano, a General Motors desenvolveu e construiu, completamente a partir do zero, as aeronaves Avenger 1000 e Wildcat 1000 … Pouco mais de um ano após a Pontiac ser contratada pela Marinha para construir mísseis anti-navios, a empresa começou a entregar o produto completo às esquadras norte-americanas em todo o mundo”. E isso antes que a avançada tecnologia da informação tornasse tudo mais rápido.
O problema é politico. Uma análise fascinante do professor de ciências sociais Kevin Mackay sustenta que, no colapso das civilizações, as oligarquias são causa mais fundamental que a complexidade social ou a demanda energética. O controle oligárquico, sustenta Mackay, impede que sejam tomadas decisões racionais, porque os interesses de curto prazo da elite são radicalmente diferentes dos interesses de longo prazo da sociedade. Isso explica por que civilizações passadas entraram em colapso “a despeito de possuírem know-how cultural e tecnológico para resolver suas crises”. As elites econômicas, que se beneficiam da disfunção social, bloqueiam as soluções necessárias.
O controle oligárquico da riqueza, da política, da mídia e do discurso público explica a ampla falência institucional que está nos levando em direção ao desastre. Pense em Trump e seu gabinete de multimilionários; na influência dos irmãos Kock; no império Murdoch e sua contribuição maciça à negação da ciência climática; nas empresas de petróleo e automobilística, cujos lobbies evitam uma mudança mais rápida para novas tecnologias. Não são só os governos têm fracassado em dar uma resposta, embora eles tenham malogrado de modo espetacular. A mídia pública encerrou deliberada e sistematicamente a cobertura ambiental, ao mesmo tempo em que permitiu que os lobistas, financiados de forma nada transparente, e que se disfarçavam de think-tanks, moldassem o discurso público e negassem o que enfrentamos. Os acadêmicos, com medo de perturbar seus financiadores e colegas, morderam os lábios. Mesmo os organismos que afirmam estar enfrentando nossa crise permanecem presos em estruturas destrutivas.
Por exemplo, há algumas semanas eu compareci a uma reunião sobre a crise ambiental no Instituto de Pesquisa em Políticas Públicas [Institute for Public Policy Research]. Muitas pessoas na sala pareciam entender que o crescimento econômico contínuo é incompatível com a sustentabilidade dos sistemas da Terra. Como aponta o autor Jason Hickel, a dissociação entre o crescimento do PIB e o uso global de recursos não aconteceu e não acontecerá. Embora 50 bilhões de toneladas de recursos naturais usados anualmente sejam praticamente o limite tolerável para os sistemas da Terra, o mundo já vem consumindo 70 bilhões de toneladas. A inércia dos negócios, com as taxas atuais de crescimento econômico, garantirá que o número chegue a 180 bilhões até 2050. O uso dos recursos com máxima eficiência, combinado com enormes impostos sobre carbono e algumas suposições bastante otimistas reduziriam isso para 95 bilhões de toneladas: ainda muito além dos limites do meio ambiente. Um estudo que leva em conta o efeito rebote (a eficiência leva a mais uso de recursos) eleva a estimativa para 132 bilhões de toneladas. O crescimento verde, como parecem aceitar os membros do Instituto, é fisicamente impossível.
No mesmo dia, o mesmo Instituto anunciou um novo grande prêmio de economia para “propostas ambiciosas para alcançar uma melhora na mudança de patamar na taxa de crescimento”. Ele procura ideias que permitam que as taxas de crescimento econômico pelo menos dobrem no Reino Unido. O anúncio foi acompanhado pelo usual blá blá blá sobre sustentabilidade, mas nenhum dos juízes do prêmio tem um currículo notável por interesse ambiental.
Aqueles de quem esperamos soluções movem-se como se nada tivesse mudado. Eles continuam a se comportar como se a evidência acumulada não tivesse nenhum peso em suas mentes. Agora, depois de décadas de insucesso institucional, apenas propostas “não-realistas” – a reconversão da vida econômica, com efeito imediato – têm agora uma chance realista de deter a espiral da morte planetária. E somente aqueles que estão fora das instituições falidas podem liderar esse esforço.
Duas tarefas precisam ser realizadas simultaneamente: lançarmo-nos à possibilidade de evitar o colapso, como está fazendo a Revolta contra a Extinção, por menor que essa chance possa parecer. E nos prepararmos para o provável fracasso desses esforços, por mais aterrorizante que seja essa perspectiva. Ambas as tarefas requerem uma revisão completa do nosso relacionamento com o planeta vivo. Porque não podemos nos salvar sem compreender que as lutas contra o domínio oligárquico; por democracia e justiça; e contra o colapso ambiental são uma só e mesma coisa. Não permitamos que aqueles que causaram esta crise definam os limites da ação política. Não permitamos que aqueles cujo pensamento mágico nos colocou nessa confusão nos digam o que pode e o que não pode ser feito.
*Jornalista, escritor, acadêmico e ambientalista do Reino Unido. Escreve uma coluna semanal no jornal The Guardian.
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Foto: GeoBangla