A Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos

É difícil pinçar, das reportagens que já saíram, só algumas das informações mais relevantes ou negativamente impressionantes sobre a titular do (novo) Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Damares Alves é advogada, pastora evangélica e assessora de Magno Malta (por sinal, ele está triste por não ter um ministério para chamar de seu). Foi anunciada ontem por Onyx Lorenzoni e deu sua primeira entrevista coletiva ao lado do deputado eleito Julian Lemos (PSL-PB), que foi acusado de agressão pela irmã e pela ex-mulher, como lembra o Jornal do Brasil

por Outra Saúde

Ela fez uma fala, digamos, quase normal para o cargo. Disse que vai protestar contra empresas que paguem salários diferentes para homens e mulheres, que precisamos mudar a realidade do Brasil (porque o país ganhou o título de “pior país da América do Sul” para se nascer menina), que vai dialogar com movimentos LGBT. Afirmou ainda que o ministério vai ter uma secretaria dedicada às crianças e que vai “propor um pacto pela infância”, embora não tenha dado detalhes (imaginamos se será, por exemplo, se opondo à ideia da redução da maioridade penal).

Porém… afirmou que não vai lidar com aborto, mas com políticas de planejamento familiar. Porque “se a gravidez é um problema que dura só nove meses, o aborto é um problema que caminha a vida inteira com a mulher “. Você leu certo. “Essa pasta não vai lidar com o tema aborto, vai lidar com proteção de vida e não com morte”, declarou.

A Funai, que até ontem não se sabia para onde ia, agora terá essa pasta como destino. Damares se esquivou da pergunta sobre demarcações de terras: “Demarcação de área é um tema delicado, um tema polêmico […] Esse novo governo vem com novas propostas”. Todo mundo lembra de Bolsonaro afirmando que não ia demarcar um milímetro. A defesa da nova ministra foi: “Ele tinha embasamento para isso. Eu, particularmente, questiono algumas áreas indígenas, mas isso é um assunto que vamos falar muito e vamos discutir”.

Além da coletiva, ela deu uma entrevista ao Globo pintando um autorretrato até razoável. Diz que quer trazer para o ministério os “invisíveis”: “os ciganos, a mulher ribeirinha, a mulher seringueira, cortadora de cana, que cata siri, que quebra coco, que colhe açaí. Essas mulheres de mãos calejadas não estão no protagonismo e as políticas públicas nem sempre chegam nelas”. Que precisa colocar travestis nas universidades. Que o casamento homoafetivo é uma conquista praticamente definida. Afirma que, por natureza, a mulher nasce para ser mãe e o homem para ser provedor, mas alivia, reconhecendo que “a raça humana mudou”. Mas quando a conversa sobre gênero engrena, logo começa: “Todos os meninos vão ter que entregar flores para as meninas nas escolas, para entender que nós não somos iguais. Quando a teoria de gênero vai para a sala de aula e diz que todos são iguais e que não tem diferença entre menino e menina, as meninas podem levar porrada, porque são iguais aos meninos”.

As mais razoáveis dessas declarações chegaram a fazer com que, no Jornal GGN, Luiz Nassif classificasse Damares como “a pastora com ideias modernas”. Mas se várias das falas de ontem já deixam ver que não é bem assim, as do passado então… O Estadão recuperou uma pregação que ela fez em 2013 na Primeira Igreja Batista, em Campo Grande. “Não são os deputados que vão mudar essa nação, não é o governo que vai mudar esta nação, não é a política que vai mudar esta nação, é a igreja evangélica, quando clama. É a igreja evangélica, quando se levanta ”, emocionou-se, lembrar o dia em que a bancada evangélica barrou a lei que poderia descriminalizar o aborto. É porque, segundo ela, a vitória se deu após uma noite de orações na Câmara. Na mesma palestra, ela negou que aborto seja uma questão de saúde pública e que milhares de mulheres morram em procedimentos inseguros. “Eles manipulam os dados, as estatísticas, as informações para impor na sociedade brasileira uma cultura de morte”.

No maior estilo medo-do-kit-gay, mostrou aos fiéis livros infantis sobre igualdade de gênero e tolerância que supostamente eram distribuídos pelo Ministério. “A homossexualidade, ela é aprendida a partir do nascimento, lá na infância. A forma como se lida com a criança. Mas ninguém nasce gay”.

Ainda na pregação, falou também de bebês indígenas que foram ‘salvos’ por missionários – ela própria tem uma filha adotiva indígena. A futura ministra explicou ontem essa ‘salvação’: “assessorando a CPI da Funai, descubro que alguns povos no Brasil, por uma questão cultural, ainda matam crianças porque não sabem o que fazer com elas quando nascem com alguma deficiência física ou mental”. Mas Saulo Feitosa, que é professor da UFPE e já foi do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) disse ao El País que os casos de abandono são esporádicos, muito menores do que os do mundo urbano. E que a atuação de Damares vai no sentido de retratar povos indígenas como comunidades bárbaras, para facilitar a desterritorialização dos povos tradicionais do país. Na coletiva, Damares afirmou que “o índio é gente e precisa ser visto de uma forma como um todo. Índio não é só terra”.

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