Ação civil pública do MPF demonstrou precariedade de estrutura física e de pessoal das Frentes de Proteção Etnoambiental, que devem garantir a proteção de índios isolados e de recente contato
Procuradoria da República no Amazonas
A Justiça Federal atendeu ao pedido do Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas e determinou à Fundação Nacional do Índio (Funai) a reestruturação física e a contratação de pessoal para as Frentes de Proteção Etnoambiental no Amazonas, responsáveis pelas medidas de proteção a grupos indígenas isolados ou de recente contato no estado. A decisão liminar, concedida em ação civil pública ajuizada pelo MPF em outubro deste ano, prevê a apresentação de cronograma de atuação, por parte de Funai, no prazo de 90 dias.
As Frentes de Proteção Etnoambiental da Funai, ligadas diretamente à presidência do órgão, atuam junto aos índios isolados e de recente contato, por meio de política específica que impõe à Funai o dever de proteger, sem necessariamente contatar os grupos, preservando sua cultura e respeitando sua autonomia.
No Amazonas, existem seis destas frentes: Cuminapanema, Madeira-Purus, Madeirinha-Juruena, Vale do Javari, Waimiri-Atroari e Yanomami Ye’Kuana. As unidades têm atualmente 42 servidores, quando, conforme a própria Funai, seriam necessários, no mínimo, 96 servidores, além de funcionários terceirizados.
De acordo com a Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai, além dos servidores que atuam em atividades permanentes nas bases, há a necessidade de destacar ao menos dois servidores em cada base para atividades pontuais, fora da rotina dessas unidades, como expedições de localização, atividades de fiscalização, diálogo com o entorno indígena e não-indígena, entre outras.
Além da carência de pessoal, agravada com a saída de funcionários terceirizados que realizavam tarefas de apoio operacional, em 2011, as Frentes de Proteção Etnoambiental contam com parcos recursos materiais. Algumas delas nem possuem sede própria, estando vinculadas à estrutura física das Coordenações Regionais, o que prejudica a continuidade e eficiência do serviço.
Vale do Javari – Na ação civil pública, o MPF destaca, entre as bases da Funai que atuam com índios isolados, a do Rio Jandiatuba, vinculada à Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari. A região em que está localizada é a que concentra a maior quantidade de índios isolados, reconhecida pela própria Funai.
A base do rio Jandiatuba foi fechada em 2014 e teve a reconstrução iniciada no fim de 2017. Uma das consequências mais graves do fechamento e desestruturação da base do Jandiatuba, aponta o MPF, foi a proliferação do garimpo ilegal com o aumento da atuação de garimpeiros. Até 2014, os registros da Funai somente indicavam a presença de balsas e dragas de garimpo a considerável distância abaixo da base do Jandiatuba. Após o fechamento, não só elas “subiram o rio” em direção à base e à Terra Indígena Vale do Javari como, com frequência e intensidade muito maiores, ultrapassaram a área de proteção e ingressaram na terra indígena, como demonstra relato contido em documento da Funai.
Orçamento da Funai reduzido e gastos com publicidade – O MPF defende, na ação civil pública, que a crise financeira não pode ser justificativa para a omissão da União na proteção dos grupos indígenas isolados e de recente contato. O orçamento da Funai, conforme descrito na ação, passou de R$ 192,8 milhões em 2012 para R$ 107,9 milhões atualmente, o que representa redução de 44% nos valores.
Entretanto, segundo dados divulgados pela Secretaria Especial da Comunicação Social do Governo Federal, em 2017, foram gastos mais de R$ 100 milhões – praticamente o mesmo valor do orçamento da Funai – apenas com a campanha publicitária em favor da reforma do sistema de Previdência. “Não se pode admitir que sejam sacrificadas, nesse cenário de redução de custos, políticas públicas fundamentais para a dignidade de parcela da população, notadamente quando a União aplica valores vultosos em despesas de caráter subsidiário, como as despesas com publicidade”, afirmam os procuradores da República Fernando Merloto Soave e Pablo Luz de Beltrand, na ação civil pública.
Na decisão liminar, a Justiça Federal determinou, além da apresentação do cronograma de ações para a reestruturação das Frentes de Proteção Etnoambiental no Amazonas no prazo de 90 dias, o aporte, em até 60 dias, de recursos à Funai para a execução das medidas previstas no cronograma, que deverá ser anual a partir de então. O início da execução das ações do cronograma deve ocorrer em até 120 após manifestação do MPF e homologação pela Justiça Federal.
A decisão judicial também proibiu o contingenciamento, por parte da União, de rubricas orçamentárias da Funai em geral e da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, destinadas ao mínimo necessário à atuação no âmbito da política de proteção a índios isolados e de recente contato, considerando o risco concreto que a omissão nessa área representa. “O risco de desaparecimento da história, tradição e ancestralidade dos povos indígenas isolados compromete a identidade e a memória do Brasil, fixando no seu povo a ideia subdesenvolvida de que os povos indígenas não merecem dignidade e respeito”, afirma um trecho da decisão.
A ação civil pública segue tramitando na 1ª Vara Federal no Amazonas, sob o nº 1004249-82.2018.4.01.3200.
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Imagem: Antropólogos foram criticados por encorajar o contato com tribos altamente vulneráveis, que eles consideram ‘não viáveis a longo prazo.’ © G. Miranda /FUNAI /Survival