Reestruturação do Ministério da Educação institui escolas “cívico-militares”, mas só se discute o azul e rosa?

Tania Pacheco*

Num artigo que postamos ontem (Sobre política, distração e destruição), Silvio de Almeida fala da existência de três núcleos no atual governo e chama o primeiro de “ideológico-diversionista”. Me aproprio dessa definição: integrado pelo próprio presidente eleito, filhos e corte, é esse núcleo que chama nossa atenção para os fogos de artifício ruidosos, enquanto a areia movediça se mexe sob os nossos pés.

É inegável que a estratégia vem dando certo em muitos casos: basta considerarmos o espaço ocupado pela antes desconhecida Damares Alves em nossas discussões e vidas nos últimos dias. Enquanto isso, assuntos efetivamente preocupantes foram ignorados pelos nossos blogs e sites. Resgato aqui um, cuja gravidade é inquestionável: a reestruturação do Ministério da Educação, formalizada através do Decreto nº 9.465, de 2 de janeiro de 2019.

O Decreto inteiro pode ser encontrado aqui, e com certeza há muito mais a ser comentado a respeito, com destaque especial para o tratamento a ser dado ao Colégio Pedro II, cujas “atividades desenvolvidas” serão alvo de acompanhamento e avaliação conforme estabelece o artigo 15-XII. Quero entretanto levantar outra questão: a da instituição das escolas “cívico-militares”. Diz o Artigo 11, que trata das competências da Secretaria de Educação Básica:

XVI – promover, fomentar, acompanhar e avaliar, por meio de parcerias, a adoção por adesão do modelo de escolas cívico-militares nos sistemas de ensino municipais, estaduais e distrital tendo como base a gestão administrativa, educacional e didático-pedagógica adotada por colégios militares do Exército, Polícias e Bombeiros Militares;

A proposta de “adoção por adesão”, devidamente ‘promovida, fomentada, acompanhada e avaliada’, me impõe um sorriso. Um outro vem em seguida, quando não consigo evitar uma pergunta: os colégios militares da Marinha e da Aeronáutica são tão ruins assim que sequer merecem ser citados, preteridos sumariamente pelos das Polícias e dos Bombeiros? Será que se deixaram contaminar pelo “gramscismo” ou pelo “marxismo cultural”? Curiosa exclusão.

Uma vez instituídas a partir da “adoção por adesão” patrocinada pela Secretaria de Educação Básica, as escolas ‘ideológicas’ inspiradas pela trindade exército-polícias-bombeiros passarão a ser acompanhadas por um setor especial: a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, de acordo com o que estabelece o Artigo 16, que elenca como suas competências:

I – criar, gerenciar e coordenar programas nos campos didático-pedagógicos e de gestão educacional que considerem valores cívicos, de cidadania e capacitação profissional necessários aos jovens;

II – propor e desenvolver um modelo de escola de alto nível, com base nos padrões de ensino e modelos pedagógicos empregados nos colégios militares do Exército, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, para os ensinos fundamental e médio;

III – promover, progressivamente, a adesão ao modelo de escola de alto nível às escolas estaduais e municipais, mediante adesão voluntária dos entes federados, atendendo, preferencialmente, escolas em situação de vulnerabilidade social;

IV – fomentar junto às redes de ensino e instituições formadoras novos modelos de gestão, visando a alcançar os objetivos e metas do Plano Nacional de Educação;

V – implementar um projeto nacional a partir da integração e parceria com entidades civis e órgãos governamentais em todos os níveis;

VI – promover a concepção de escolas cívico-militares, com base em requisitos técnicos e pedagógicos;

VII – realizar, em parceria com as redes de ensino, a avaliação das demandas dos pedidos de manutenção, conservação e reformas das futuras instalações das escolas cívico-militares;

VIII – fomentar e incentivar a participação social na melhoria da infraestrutura das escolas cívico-militares;

IX – propor, desenvolver e acompanhar o sistema de cadastramento, avaliação e acompanhamento das atividades das escolas cívico-militares;

X – propor, desenvolver e acompanhar estudos para aprimoramento da organização técnico-pedagógica do ensino das escolas cívico-militares;

XI – desenvolver e avaliar tecnologias voltadas ao planejamento e às boas práticas gerenciais das escolas cívico-militares;

XII – propor, desenvolver e articular a autoria e o desenho instrucional de cursos de capacitação, em colaboração com as diretorias da Secretaria; e

XIII – propor e acompanhar o desenvolvimento de sistemas de controle dos projetos de cursos, gestão e formação continuada de gestores, técnicos, docentes, monitores, parceiros estratégicos e demais profissionais envolvidos nos diferentes processos em colaboração com as diretorias da Secretaria.

Como escrevi antes, há com certeza muito mais a ser descoberto e comentado no Decreto nº 9.465. Considero cumprida a tarefa que me propus, no sentido de rapidamente chamar a atenção para ele e para as aberrações que propõe. Aliás, o que será mesmo uma “escola cívico-militar”?

*a partir de dica de Regina Moreira.

Parada de crianças em uniforme da Mocidade Portuguesa, durante o salazarismo.

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