Administrada por agroextrativistas, união entre cooperativas beneficia 8 mil famílias por meio da comercialização de produtos nativos do bioma; quebradeiras de coco e outras comunidades tradicionais integram a rede
Por Sara Almeida Campos, em Sobradinho (DF), em De Olho nos Ruralistas
O município de Sobradinho, a poucos quilômetros de Brasília (DF), parece um lugar improvável para encontrar uma legítima representante das lendárias quebradeiras de coco, um grupo de mulheres agroextrativistas que, a partir da palmeira do babaçu, extraem centenas de produtos e constroem um dos principais exemplos de resistência camponesa do Brasil.
Vinda do Médio Mearim, região central do Maranhão, Ildete Sousa é assessora de vendas e responsável pelo contato com as comunidades que integram a Central do Cerrado, uma rede de 22 cooperativas e associações de diversos pontos do Brasil que realiza o escoamento de produtos da sociobiodiversidade derivados de frutos do Cerrado. Ali estão expostos produtos de oito estados: Goiás, Tocantins, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Piauí e Maranhão.
Ildete mostra com orgulho o fruto que faz parte de seu dia a dia desde a infância. “Esses foram coletados na casa da minha mãe”, conta. A mãe é a quebradeira Alaides Alves de Sousa, que permanece no ofício. “Uma quebradeira pode estudar o quanto quiser. Ela nunca vai deixar de ser uma quebradeira de coco babaçu. Sinto orgulho de pertencer a uma família de quebradeiras e faço questão de não perder o vínculo com a minha comunidade”.
REDE BENEFICIA 8 MIL FAMÍLIAS EXTRATIVISTAS
A ação da Central do Cerrado ultrapassa o beneficiamento da amêndoa do babaçu. Pequi, cagaita, jatobá, baru e buriti também protagonizam as prateleiras em óleos, farinhas, bolos, biscoitos, geleias, doces, polpas e amêndoas embaladas a vácuo.
Ildete destaca que um dos mais procurados é a castanha de pequi. É um produto extraído em pequena escala que começou a ser oferecido recentemente. A camponesa participa de eventos em diferentes pontos do país divulgando o potencial gastronômico dos frutos do Cerrado, pouco conhecidos em escala comercial e utilizados como matérias-primas na alta gastronomia.
Além de romper barreiras logísticas, a Central do Cerrado funciona como um elo entre os agricultores agroextrativistas e os consumidores. “Apoiamos as organizações no processo de gestão e desenvolvimento de produtos para os mercados consumidores”, esclarece o secretário-executivo Luis Roberto Carrazza. Uma das tarefas é informar sobre a adequação dos produtos às exigências legais.
A Central também viabiliza a comercialização de comunidades sem condições financeiras de realizar o beneficiamento, assumindo os custos de frete, envase e rotulagem dos produtos. Para Carrazza, o avanço da fronteira agrícola no Cerrado, que já dizimou mais de 51% do bioma, torna ainda mais urgente a necessidade de se conscientizar a população sobre o papel da agricultura camponesa:
– Em um governo favorável à expansão do agronegócio, sem atenção à legislação ambiental nem aos direitos humanos e sociais, esperamos sensibilizar os consumidores sobre o consumo responsável. Entender a origem do que comemos, o impacto que isso traz às pessoas envolvidas na cadeia produtiva, qual degradação ambiental isso traz e a quem isso beneficia em termos de distribuição de renda é fundamental.
Ele explica que a organização trabalha na perspectiva de desenvolvimento territorial. “Nosso objetivo é conciliar desenvolvimento econômico com soberania alimentar e valorização da cultura tradicional”, afirma. “Através do consumo é possível financiar esse desenvolvimento”.
O sistema de comercialização de produtos da sociobiodiversidade já garante renda para aproximadamente 8 mil famílias. Além da sede em Sobradinho (DF), a Central do Cerrado possui um ponto de venda no Mercado de Pinheiros, em São Paulo (SP), e conta com uma loja virtual, com distribuição para todo o país.
PÚBLICO AINDA CONHECE POUCO OS FRUTOS
A Central do Cerrado surgiu em 2005 como resposta a um dos principais desafios para a consolidação da agricultura camponesa e do agroextrativismo: a comercialização. Os desafios foram levantados durante o projeto PPP-Ecos, gerido pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
Grande parte dos frutos do Cerrado não é vendida in natura. Um dos mais populares, o pequi, é achado com dificuldade nos grandes centros de norte a sul do país. Essa realidade gera a necessidade de valorização desses ingredientes. Para Mayk Arruda, assessor comercial da Central do Cerrado, o desconhecimento é outro grande entrave:
– O grande desafio é a falta de conhecimento do grande público sobre o uso desses produtos. Aqui na Central realizamos uma pesquisa sobre relacionamento com o consumidor e chegamos à conclusão que 12% das mensagens que recebemos dos clientes é de perguntas sobre a forma de utilização da farinha de jatobá. Há também um desconhecimento do valor nutricional e da funcionalidade desses alimentos.
Em 2018, o baru entrou na categoria de “superalimentos” nos Estados Unidos, posto também ocupado pelo açaí. Mas a castanha típica do Cerrado ainda é pouco conhecida Brasil afora. Para superar esse desafio, a Central do Cerrado realiza uma parceria com a nutricionista Valéria Pascoal, responsável por registrar a avaliação nutricional de cada produto a fim de obter embasamento científico para a rotulagem como alimento funcional.
A partir desse esforço, a procura de chefs de cozinha pelo produto aumentou vertiginosamente, o que evidenciou outro gargalo em seu escoamento.”Em São Paulo, o baru chegou a custar R$ 150,00 o quilo”, observa Arruda. Ele diz que isso demonstra um outro problema: a estruturação da cadeia produtiva e de fornecimento desses produtos. “É necessário garantir uma estruturação também da cadeia de valor. As comunidades têm dificuldades de estruturar uma cadeia de baru que mantenha estoques reguladores”.
A Central do Cerrado possui 12 diretores, que também integram as cooperativas responsáveis pela elaboração dos produtos. Todos eles são agricultores extrativistas.
TENHO UM PLANTIO DE BARU NO ASSENTAMENTO VEREDA II,NO MINICIPIO DE PADRE BERNARDO-GOIAS,ESTE ANO JÁ COMEÇA A PRODUZIR,PRECISO CONTACTAR UMA ORGANIZAÇÃO PARA VENDER MINHA PRODUÇÃO INICIALMENTE PEQUENA.