Vale sabia que barragem de Brumadinho estava em “zona de atenção” e havia projetado mortes e custos de colapso

Documentos indicam que estrutura que se rompeu estava entre dez sob atenção da mineradora desde outubro. Empresa, que chegou a projetar mortes e custos de colapso, afirma que classificação não significa risco iminente.

Na Deutsche Welle

A barragem da Vale que se rompeu em Brumadinho e outras nove estruturas haviam sido classificadas pela mineradora como em “zona de atenção”, segundo documentos internos da empresa do ano passado, aos quais o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) teve acesso.

Os documentos foram anexados a  uma ação civil pública movida pelo MPMG em 31 de janeiro, seis dias após o colapso da barragem 1 da Mina do Feijão, em Brumadinho, para cobrar da Vale medidas imediatas para evitar novas tragédias.

“Os documentos apresentados demonstram que, em outubro de 2018, a requerida [Vale] tinha ciência de que, dentre 57 barragens de sua responsabilidade avaliadas, dez estavam em zona de atenção”, diz a ação.

Segundo um dos documentos internos, citado pela Folha de S.Paulo, a Vale chegou a estimar os custos e o número de mortes caso a barragem de Brumadinho se rompesse. A previsão era de que mais de cem pessoas morreriam e de que os custos poderiam chegar a 1,5 bilhão de dólares (cerca de 5,6 bilhões de reais).

De acordo com a Folha, tais estimativas consideraram um cenário de rompimento durante o dia e com funcionamento de sirenes de emergência, que não soaram no dia da tragédia.

Até o momento, foram confirmadas 165 mortes após o colapso da barragem e a subsequente avalanche de rejeitos. Ainda há 155 desaparecidos.

Além da estrutura rompida da Mina do Feijão, foram classificadas como em “zona de atenção” as barragens de Laranjeiras, em Barão de Cocais (MG); Capitão do Mato, Dique B e Taquaras, em Nova Lima (MG); Forquilha 1, Forquilha 2 e Forquilha 3, em Ouro Preto (MG); e Menezes 2 e 4-A da Mina do Feijão (Brumadinho).

O Ministério Público ressaltou que todas essas estruturas estão localizadas próximas a núcleos urbanos. “Na zona de autossalvamento, não há tempo suficiente para uma intervenção das autoridades competentes em situações de emergência, de forma que as pessoas têm que se salvar sozinhas em caso de tragédia”, diz a ação civil, à qual a Agência Brasil teve acesso.

Entre os pedidos apresentados à Justiça, o MPMG quer que a Vale assegure a estabilidade das barragens listadas; elabore um plano de ações emergenciais que contemple o cenário mais crítico; e que as populações do entorno sejam comunicadas caso se verifique a inexistência de condições de segurança.

Em nota, a Vale informou que todas as estruturas citadas receberam laudos de estabilidade e segurança emitidos por auditorias externas e independentes.

“O documento citado é um estudo realizado com base em metodologia interna, na qual os geotécnicos da própria Vale reavaliam as estruturas já certificadas por auditorias externas como seguras e estáveis”, diz o texto. “Essa metodologia utiliza um padrão mais rígido que a legislação nacional e internacional vigente e, por isso, tem por objetivo prospectar medidas adicionais de prevenção.”

Em entrevista coletiva nesta terça-feira, Lucio Cavalli, gerente-executivo de planejamento da área de minério de ferro e carvão da Vale, afirmou que a expressão “zona de atenção” não representa risco iminente, mas significa que devem ser cumpridas recomendações feitas por técnico.

Cavalli ressaltou que a barragem em Brumadinho não deu sinais de problemas e que as recomendações feitas por técnicos para a estrutura – dar continuidade ao processo de descomissionamento e reduzir os níveis do lençol freático – vinham sendo adotadas. A Vale afirma que ainda não é possível determinar as causas do desastre.

Após a ação movida pelo MPMG, a Justiça Estadual determinou em 4 de fevereiro a paralisação das atividades em oito das barragens listadas como em “zona de atenção”. Segundo a Vale, com exceção da barragem de Laranjeiras, todas as outras já estavam inativas antes da decisão. A mineradora também afirma que as providencias solicitadas pelo MPMG já estão em andamento.

A barragem de Laranjeiras fica na Mina de Brucutu, a maior da Vale no estado de Minas Gerais. O impacto estimado de sua paralisação é de aproximadamente 30 milhões de toneladas de minério de ferro por ano.

Segundo Luciano Siani, diretor de Finanças e Relações com Investidores da Vale, Laranjeiras é uma barragem convencional, que não adota o método a montante, o mesmo usado na estrutura da Vale que se rompeu em Brumadinho e também na da Samarco que resultou na tragédia de Mariana, em 2015. O método, considerado o mais simples e o menos seguro, consiste em degraus construídos com os próprios resíduos da mineração. 

LPF/afp/lusa/ots

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Foto: Henrique Fornazin

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