Só Ricardo Salles e Tereza Cristina? Conheça os políticos anti-indígenas e “com cocar”

Foto dos ministros do Meio Ambiente e da Agricultura no Mato Grosso está longe de ser a primeira com adornos indígenas; de Kátia Abreu a Gleisi Hoffmann, de André Puccinelli a Blairo Maggi, veja quem já teve seus minutos de etnomarketing

Por Alceu Luís Castilho e Igor Carvalho, em De Olho nos Ruralistas

Eles não se contiveram. Diante da oportunidade de usar um impactante cocar, ofertaram suas cabeças e saíram na foto. As últimas décadas da política brasileira trazem dezenas de imagens de políticos “com cocar”. A maior parte deles tem discurso ou prática flagrantemente contrária aos direitos dos povos originários. Na semana passada, foi a vez dos ministros Ricardo Salles, do Meio Ambiente, e Tereza Cristina, da Agricultura, tirarem fotos sorridentes com adornos indígenas.

Ricardo Salles e Tereza Cristina compõem um governo com política contrária aos direitos dos povos do campo. A campanha eleitoral de Jair Bolsonaro foi marcada pela promessa de “nem um centímetro a mais” para terras indígenas. Na última quarta-feira (13/02), os ministros estavam exultantes enquanto dançavam com o povo Paresí, em Campo Novo, no Mato Grosso. Salles estava com um cocar de longas penas azuis. Tereza abarrotou-se de colares e outros símbolos indígenas.

Tereza presidia a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) até entrar no governo. Filiada ao DEM do Mato Grosso do Sul, ela entregou a Bolsonaro, ainda no primeiro turno, uma carta de apoio da bancada ruralista com a assinatura de 236 políticos de 18 partidos. Vestida como os Paresí, ultimamente rotulados como “índios sojeiros”, defendeu que eles possam produzir em larga escala, a exemplo do modelo – o agronegócio – que ela defende.

A performance de Ricardo Salles com os Paresí no Mato Grosso – enquanto ele defendia o arrendamento de soja transgênica pela etnia – foi registrada em vídeo. Os movimentos com passos duros ocorreram na semana em que o ministro, condenado em São Paulo por beneficiar mineradoras e outras empresas, questionou a importância do seringueiro acreano Chico Mendes, durante entrevista no Roda Viva, da TV Cultura: “Que diferença faz quem é Chico Mendes neste momento?”.

Os ministros participaram da Festa da Colheita organizada pela Cooperativa Agropecuária dos povos Paresi, autodenominados Haliti, Nambikwara e Manoki, que buscam apoio do governo para regulamentar as safras de soja e outros grãos produzidos ilegalmente em suas terras.

POVO APINAJÉ APONTOU ‘AFRONTA’ DE KÁTIA ABREU

Muito além da dupla bolsonarista, a política brasileira tem um vasto acervo de imagens de políticos anti-indígenas usando cocar. São ministros, governadores, senadores e deputados, alguns com reconhecida trajetória em defesa do agronegócio e da expansão em territórios tradicionais. Ou, pelo menos, com políticas que não foram exatamente ao encontro das demandas dos povos originários. A lista inclui os dois últimos titulares da Agricultura antes de Tereza Cristina: os ministros Kátia Abreu e Blairo Maggi.

Maggi tirou fotos quando era governador do Mato Grosso, nas margens do Rio Sacre, no município de Campo Novo do Parecis. Ele usava cocar e segurava a tocha olímpica dos Jogos Pan-Americanos – foi a primeira vez que a tocha passou por uma aldeia indígena. Um dos maiores produtores de soja do mundo, o político optou por não disputar nenhum cargo público em 2018. Ele ocupou a pasta da Agricultura durante o governo Temer, marcado pela não demarcação de terras indígenas e por uma política de cortes de gastos na Fundação Nacional do Índio (Funai).

Seu sucessor no Senado, Cidinho Santos (PR-MT) também ficou sem cargo. Mas ele compôs com Ricardo Salles e Tereza Cristina a dança com os Paresí, na semana passada. O mais empolgado durante a cerimônia era o governador mato-grossense Mauro Mendes, filiado ao DEM – partido notavelmente contrário aos interesses dos povos indígenas. A primeira-dama, Virgínia Mendes, publicou imagens e vídeos em suas redes sociais (Instagram, Facebook) após participar efusivamente da dança. Ambos posaram com adornos da etnia – ainda que Mendes tenha evitado o cocar.

Quem antecedeu Maggi na pasta da Agricultura foi a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), candidata a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes, em 2018. Ela foi ministra durante o governo Dilma Rousseff. Em 2010, durante a COP-16 no México, Kátia recebeu do Greenpeace o prêmio “Motosserra de Ouro”, entregue pela indígena Sônia Guajajara, candidata à Vice-Presidência da República pelo PSOL, na chapa de Guilherme Boulos.

A senadora projetou-se no mundo político ao presidir a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Em 2013 ela apresentou um estudo da CNA que dizia que, mantidas as taxas médias de criação de unidades de conservação e terras indígenas dos governos anteriores, “em 2031 acabaria a área de produção agrícola do país”. Um de seus projetos de lei determinava que áreas retomadas por indígenas não poderiam ser demarcadas pelo governo federal.

Em visita ao povo Apinajé em Tocantinópolis, em maio de 2014, lá estava ela com um cocar, na Aldeia Mariazinha. Só que a Associação União das Aldeias Apinaje – Pempxá não gostou nem um pouco. “Esses estilos fingidos de fazer política não passam de uma desprezível afronta perpetrada por quem tem interesses de insultar e atingir as legítimas bases de nossas organizações indígenas e camponesas”, divulgou a associação, em nota. “A nobre senadora deveria evitar andar em aldeias indígenas”.

Meses depois, Kátia Abreu foi anunciada por Dilma Rousseff como ministra da Agricultura.

DILMA E MINISTROS TAMBÉM USARAM COCAR

Dilma também não resistiu à tentação de usar o cocar. Foi no dia 24 de outubro de 2011,  durante inauguração da Ponte Rio Negro, no Amazonas. O contraste da imagem com o histórico da política é inevitável, já que seu governo foi o que menos homologou terras indígenas, entre os presidentes do período democrático, apenas 21 – 20 delas na Amazônia Legal. Durante o governo petista foi também construída a Usina de Belo Monte, sob protestos dos povos indígenas.

A presidente aparece em foto – ambos com cocares – com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por ter tentado equilibrar o apoio ao agronegócio com políticas para os povos do campo, Lula não ficou marcado, ao contrário de sua sucessora, como opositor dos direitos indígenas. Seu governo teve 84 terras homologadas, somando 18 milhões de hectares, diante de 41 milhões de hectares homologados no governo FHC. Em 2009, em seu segundo governo, Lula homologou a demarcação de nove terras que somavam 5 milhões de hectares.

O governo de Dilma Rousseff teve um ministro da Justiça muito contestado pelos defensores de direitos indígenas: o ex-deputado paulista José Eduardo Cardozo (PT). Apontado como “omisso” e responsável por uma portaria que propunha mudanças nos procedimentos de demarcação das terras, o petista usou um cocar em agosto de 2015, durante a cerimônia de assinatura da demarcação da Terra Indígena Tremembé da Barra do Mundaú, em Itapipoca, no Ceará.

Em 2010, a Procuradoria da República ajuizou uma ação civil pública cobrando Cardozo e o ex-presidente da Funai, Flávio Charreli Vicente de Azevedo, por descumprirem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o órgão indigenista e o Ministério Público Federal no Mato Grosso do Sul, que determinava a demarcação da Terra Indígena Y ‘Poi, em Paranhos.

A presidente do PT, deputada federal paranaense Gleisi Hoffmann, também saiu chamuscada do governo diante de suas posições sobre política indigenista. Ministra-chefe da Casa Civil na era Dilma, ela defendeu que outros órgãos, além da Funai, participassem do processo de demarcação – o que se tornaria realidade plena durante o governo Bolsonaro, com a transferência das demarcações para o Ministério da Agricultura.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) identificou um ataque sincronizado aos direitos dos povos indígenas e definiu a posição do governo Dilma como preconceituosa e racista. O povo Marubo emitiu no mesmo ano um manifesto de indignação contra Gleisi e o governo, após ela pedir a suspensão dos estudos da Funai para as demarcações. “Ela nunca se envolveu com questão indígena e não reconhece que os índios sempre foram brasileiros que pertencem estas terras”, diz o manifesto.

Quatro anos depois, no dia 25 de abril de 2017, a petista apareceu no plenário do Senado usando um cocar. Ela protestava contra ação policial durante manifestação de indígenas contra alteração no processo de demarcação de suas terras. “O que nós assistimos aqui nesse campo de guerra na frente do Congresso Nacional é injustificável”, afirmou Gleisi. “Isso daqui é bomba, isso aqui é bala de borracha, é o pouco que eu trouxe – e tem mais aqui. Os índios foram tratados desse jeito ao chegar perto do Congresso”.

MATO GROSSO DO SUL: DA VIOLÊNCIA AO MARKETING

O Mato Grosso do Sul possui um dos maios conflitos da América Latina envolvendo povos indígenas. A violência contra os Guarani Kaiowá, Ñandeva e o povo Terena inspirou um projeto especial do observatório, o De Olho no Mato Grosso do Sul. Dezenas de reportagens mapeiam as conexões dessa violência com o poder político e econômico. Um dos personagens dessa saga é o ex-governador André Puccinelli (MDB), que governou o estado entre 2007 e 2014. Ele também usou cocar, em 2009, ao nomear representes para o Conselho Estadual dos Direitos do Índio.

“A Funai é inoperante, incompetente e inconsequente, haja visto [sic] que alguns líderes de polos regionais estão juntos com organismos internacionais e junto com o Cimi, incitando os indígenas”, declarou uma vez Puccinelli.  “O governo não gosta de invasões e fechamento de estradas e sim que cumpram a lei”, afirmou, em outra ocasião. Foi durante seu governo que o Terena Oziel Gabriel foi assassinado, na Terra Indígena Buriti, em Sidrolândia, em terras reivindicadas por um ex-deputado tucano, Ricardo Bacha.

Puccinelli ficou cinco meses preso, em 2018, em meio às denúncias da Operação Lama Asfáltica. Com isso, perdeu a chance de voltar ao governo. Outros assassinatos de indígenas ocorreram durante seu governo, além de inúmeros casos de despejo violento e de ameaças contra o povo Guarani.

Segundo deputado estadual mais rico do Mato Grosso do Sul, Onevan José Matos (PSDB) acumula um patrimônio de R$ 4,97 milhões. Em seu estado, o tucano possui diversas propriedades rurais e era proprietário de um grande frigorífico em Juti, no sul do estado. O parlamentar foi um dos articuladores da CPI do Cimi, que ocorreu na Assembleia em 2015, voltada para a criminalização do Conselho Indigenista Missionário.

No ano passado, no dia 19 de abril, ele abusou do clichê: em pleno Dia do Índio, usou um cocar. Isto meses antes da campanha eleitoral começar oficialmente. Naquela ocasião, Onevan visitou as Aldeias Amambai, Limão Verde, Taquaperi e Sassoró, todas em território sul mato-grossense.

Outros governadores utilizaram cocar, mas não possuem alinhamento com políticas anti-indígenas. É o caso do governador do Piauí, Wellington Dias (PT), que aparece com o adorno em foto com a vice-governadora Regina Sousa, também petista. Do ex-governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), que durante suas duas gestões, entre 2011 e 2018, tirou mais de uma vez fotos com os Potiguara. E do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).

RELATOR DA CPI DA FUNAI UTILIZOU ADORNO

Quem utilizou cocar durante a campanha eleitoral de 2018 foi outro tucano, o político mato-grossense – originalmente ligado a Blairo Maggi – Nilson Leitão. Não deu certo: o ex-deputado não conseguiu ser eleito. Ele foi presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, assim como a ministra Tereza Cristina. E relator da CPI da Funai, que criminalizou antropólogos, procuradores, Cimi e até o ex-ministro José Eduardo Cardozo.

Leitão constou em lista dos congressistas que mais processos criminais respondiam no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2015, o STF autorizou o Ministério Público Federal a investigar o deputado por suspeita de participação em um esquema para invadir e ocupar a Terra Indígena (TIs) Marãiwatsédé, do povo Xavante, no nordeste do Mato Grosso. Ele utilizou o cocar em setembro, a um mês da eleição, ao conseguir apoio de integrantes da etnia Kaiabi.

O amazonense Eduardo Braga (MDB) teve mais sorte: foi reeleito. Ele é sócio do Grupo Parintins, que atua no setor de mineração. É filiado à FPA. Quando era ministro de Minas e Energia – pasta fundamental para o MDB – do governo Dilma Rousseff, não se contentou em usar o cocar: ele permitiu uima pintura típica do povo Mundruruku, de Nova Olinda do Norte, no Amazonas. A etnia é responsável por uma saia justa do parlamentar.

Quando era ministro, Braga afirmou durante uma audiência pública, em 2015, que o governo mantinha um “bom diálogo com os Munduruku” para a construção da Hidrelétrica de São Luiz dos Tapajós, no Pará. Em nota, os indígenas refutaram a declaração: “Denunciamos e repudiamos o pronunciamento do ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, sobre seu comentário”, afirmaram os Munduruku. “Em nenhum momento o governo ou o Estado brasileiro abriu espaço para o diálogo”.

Em abril de 2018, durante uma audiência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o então senador Hélio José (Pros-DF), agora suplente, aproveitou a presença dos povos de diversas etnias e balançou chocalhos. Estava em discussão a demarcação de terras indígenas. O senador já se posicionou de forma contrária à PEC 215, reivindicação dos ruralistas, que transfere para o Congresso o poder de demarcação das terras.

Hélio José era membro da Frente Parlamentar da Agropecuária. Ele é conhecido pelo episódio da “melancia”, quando indicou um ex-assessor seu para o cargo de superintendente da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) no Distrito Federal. “Isso aqui é nosso. Isso aqui eu ponho quem eu quiser, a melancia que eu quiser aqui, eu vou colocar”, afirmou.

Assim como entre os governadores, alguns políticos que usaram cocar no Congresso não estão alinhados com políticas ruralistas ou anti-indígenas. O senador Telmário Mota (Pros-RR), por exemplo, cumpriu promessa de usar o ornamento na tribuna ao se apresentar como indígena da etnia Macuxi. Ele nasceu na comunidade Tejo do Gavião, em Normandia.

ENTRE OS ANTIGOS, DIZIA-SE QUE DAVA AZAR

Entre os que aderiram ao cocar em algum momento de suas trajetórias, mas que não adotaram uma agenda anti-indígena durante a carreira, aparecem ainda dois dos personagens mais importantes da história política do Brasil: o ex-presidente Tancredo Neves e o ex-deputado Ulysses Guimarães – decisivo na aprovação da Constituição de 1988, ela que garante direitos que os ruralistas querem ver retirados.

Nem todos os presidentes utilizaram o adorno, pois se dizia que ele dava azar. José Sarney recusou-se bravamente. Uma das vítimas da maldição teria sido Tancredo. (Não se tem notícias de que seu neto, o tucano Aécio Neves, tenha utilizado cocar.) Outra, Ulysses. Outras vítimas teriam sido o ex-ministro Mario Andreazza, que perdeu lugar na convenção do partido para a disputa à Presidência, em 1984, e Juarez Távora, derrotado por Juscelino Kubitschek em 1955.

Candidato do PT à Presidência da República, o ex-ministro Fernando Haddad utilizou cocar em setembro, durante campanha eleitoral em Manaus.

O midiático Fernando Collor e o menos midiático Fernando Henrique Cardoso, ao que tudo indica, também não têm imagens com cocar. A ex-primeira dama Ruth Cardoso, sim. Ela utilizou o adorno durante cerimônia no Palácio do Planalto, em 1995, o 1º Encontro Nacional de Mulheres Indígenas. Ela recebeu o cocar de uma indígena Kaingang.

Entre os ministros do STF, cada vez mais atentos aos holofotes, quem não resistiu à tentação de utilizar o artefato indígena foi Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), durante visita à Aldeia do Manga, no Oiapoque, Amapá.

Falecido em 2007, o ex-senador e ex-governador baiano Antônio Carlos Magalhães não usou cocar, ao que se consta, mas foi personagem de uma foto histórica com indígenas. Durante audiência no Senado, em 13 de abril de 2000, um indígena da etnia Suruí apontou uma flecha para o rosto do baiano e o acusou de distribuir títulos de propriedade da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu para fazendeiros.

Ricardo Salles e Tereza Cristina, adornados. (Foto: Reprodução)

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