Aula inaugural da ENSP debateu mineração e devastação ambiental

Por Joyce Enzler, no Informe Ensp

No dia 20 de março, a Direção, o corpo acadêmico e funcionários da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) celebraram, com os alunos, o início do ano letivo. O evento ocorreu no auditório do Museu da Vida/Fiocruz e apresentou o tema A vida vale mais! Megamineração, Crimes Ambientais e Justiça Social.  

A atividade teve início com a mensagem de boas-vindas  da presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, aos convidados; em seguida, ela abordou a face dramática do modelo de desenvolvimento brasileiro, que não só não coloca a perspectiva da sustentabilidade em xeque, como também ultrapassa os limites de exploração da terra. “O modelo de desenvolvimento precisa ter como foco a qualidade de vida das populações e uma visão integrada com a natureza, que não pode ser vista apenas como recurso. Esse debate é de longa tradição na ENSP, que faz isso com muita propriedade.” 

O diretor da ENSP/Fiocruz, Hermano Castro participou da mesa de abertura, que contou com a presença da vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação (VPEIC/Fiocruz), Cristiani Vieira Machado e a vice-diretora de Ensino (VDE/ENSP), Lucia Dupret. Todos reafirmaram o compromisso da Escola, para com os alunos, em promover ensino de qualidade e incentivar a defesa da saúde pública. 

De acordo com o diretor, as discussões na ENSP ajudam a busca de alternativas para avançar em um novo modelo socioeconômico para o país; além disso “precisamos direcionar enorme solidariedade a essa população aqui do entorno e da cidade do Rio de Janeiro, que tem sofrido uma série de agressões”. Hermano ressaltou a importância de a Fiocruz caminhar lado a lado com a sociedade, colaborando com a reflexão sobre a realidade para enfrentar uma série de questões sociais, políticas e estruturais que geram o aumento da violência. 

Segundo Lucia Dupret, a ENSP é pautada pelo esforço de construção de uma formação crítica, no comprometimento com um projeto político, pedagógico e metodológico, que expressa uma visão de sociedade. “Nenhuma educação é neutra, ao contrário do que dizem por aí. Proposta de formação alguma é neutra, estará sempre comprometida com alguns propósitos e visão de mundo.” 

Cristiani Vieira Machado parabenizou a Direção da ENSP pela escolha do tema de abertura, devido à sua importância, contundência e urgência, evidenciando fraturas no nosso desenvolvimento, na sociedade e no pacto social.  “O que está acontecendo é estarrecedor: esses pseudodesastres, essas tragédias são crimes contra o ambiente, contra a vida das pessoas. Nós, na Fiocruz, temos como um dos nossos lemas a ciência e a tecnologia em defesa da vida.”

Durante o debate sobre mineração e justiça social, o pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP), Ary Miranda, lamentou as mortes e expulsões de indígenas, trabalhadores e camponeses de suas terras e questionou qual o modelo de desenvolvimento que a sociedade brasileira vai priorizar. “É esse que reafirma o agronegócio e a mineração como grandes baluartes da economia brasileira, trazendo essa devastação toda? Infelizmente, ficou reservado para o Hemisfério Sul tal papel, enquanto o Hemisfério Norte desenvolve tecnologia de ponta com altíssimo valor agregado.”

A pesquisadora da Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais, Ana Flávia Quintão Fonseca, alertou sobre os problemas da mineração em Minas, principalmente na Região do Quadrilátero, que muitos chamam de Ferrífero, mas os ambientalistas nomeiam Aquífero: “Minerar ferro em Minas é minerar água. A Serra da Gandarela é a última região preservada de todo o Quadrilátero, e esse Aquífero é o responsável pela manutenção do Rio das Velhas, que é a maior captação de água de Belo Horizonte. A gente já perdeu a segunda captação, que é o Rio Paraopeba.”

De acordo com o coordenador do Núcleo de Ecologias, Epistemologias e Promoção Emancipatória da Saúde (Neepes/ENSP/Fiocruz), Marcelo Firpo, o neoextrativismo, a mineração e o agronegócio de grandes extensões são incompatíveis com a democracia, com o Estado Democrático de Direito e o respeito aos direitos humanos fundamentais. “Não acontecerá justiça social se a gente não tiver junto a justiça pela saúde, a justiça sanitária – que a gente trabalha centralmente na Fiocruz -, a justiça ambiental e a justiça dentro dos territórios.”

Para o pesquisador da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), José Marçal Jackson Filho, é necessário responsabilizar a empresa por todo o processo de operação e de controle do trabalho, e não o indivíduo. “No campo da Saúde do Trabalhador, em que se assegura a segurança industrial, temos essa premissa de sair do risco do paradigma do erro humano e partir para um paradigma industrial, mostrar que, de fato, é acidente industrial.”  

Após as apresentações da mesa, o debate foi aberto aos presentes. A aluna da especialização em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana – oferecida pelo Cesteh/ENSP – Miriam Amaral discorreu sobre um possível link entre a exploração dos trabalhadores da mineração e o extermínio dos donos dessa terra e da cultura dos trabalhadores, que foram trazidos e escravizados e continuam sendo massacrados hoje nas periferias, no Chapéu Mangueira, no Complexo do Salgueiro, em Manguinhos. “Fica muito mais fácil compreender a minha própria história quando vejo, hoje, a questão dos enlameados de Mariana e de Brumadinho, porque eu sou uma enlameada da periferia dessa cidade.”

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