SE – Passado e futuro do Museu do Mangue

Por Aíla Cristhie

Há cerca de 40 anos a Coroa do Meio era formada por mar, rio e manguezais. O bairro aracajuano recebeu esse nome justamente por estar no cruzamento do Oceano Atlântico com o Rio Sergipe.  A região do bairro mais próxima ao mangue começou a ser povoada por pescadores e por pessoas que desfrutavam de poucas condições financeiras. Assim, por conta da exclusão socioeconômica, se abrigaram nas margens do rio e ergueram  palafitas – moradias precárias construídas sobre a água.

No fim da década de 80 até o início dos anos 2000, várias denúncias referentes a expulsão de moradores, a demolição de suas palafitas e a falta de qualidade de vida dos residentes da região próxima a Maré do Apicum foram relatadas no Jornal da Cidade. Uma dessas foi no Caderno B, de seis de agosto de 1997, pontua: “O local não havia iluminação pública, esgoto sanitário ou qualquer outro tipo de esgotamento sanitário.”

Apenas em 2001, foi realizado o Plano de Erradicação de Moradias Subnormais, que fazia parte do programa Habitar Brasil, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. Este projeto, conhecido pela comunidade como “Moradia Cidadã”, construiu mais de 600 casas. Com isso, centenas de palafitas transformaram-se em casas de bloco e cimento; e fora d’água.

Junto às casas, em maio de 2001, foi iniciada a construção do Centro de Educação Ambiental Manoel Bonfim Ribeiro, conhecido como Museu do Mangue, localizado na Avenida desembargador Antônio Góis,  próximo à Maré do Apicum na Coroa do Meio.

Essa construção museológica tinha como proposta fazer ações com cunho socioambiental que permitissem despertar e construir uma memória coletiva, bem como preservar o patrimônio do manguezal e as histórias dos ex-moradores de palafitas. Com isso, as ações do Museu beneficiariam a comunidade, através de lazer, renda e educação ambiental, como também atrairia turistas para a região.

De acordo com a Prefeitura de Aracaju, o empreendimento foi construído em parceria com o Governo Federal por meio do Ministério das Cidades. O projeto, cujo investimento foi de R$ 1.671.627,27, contemplaria não só o Museu do mangue, como também um centro produtivo, núcleo de apoio aos pescadores, espaço poliesportivo e estacionamento.

O Museu também tinha o intuito de recuperar o manguezal e criar um laboratório de pesquisas científicas, que funcionaria em parceria com a Fundação Mamíferos Aquáticos e a Universidade Federal de Sergipe.

O início das obras foi comemorado na época pela Prefeitura aracajuana. No entanto, o Museu só foi entregue em 2005 e sem nenhuma inauguração. Assim, a população acredita que o local não foi aberto, e a estrutura passou a ser abandonada pelo poder público. Além disso, entre os anos de 2001 e 2010 a comunicação institucional da prefeitura e jornais onlines da capital não divulgaram nenhuma matéria referente à inauguração do Museu do Mangue.

Em junho de 2011 a estrutura do Museu foi tomada por chamas. A Prefeitura nunca informou dados concretos sobre a responsabilidade do incêndio. De acordo com Gilvan Pereira, morador da região, acredita-se que foi por falhas técnicas da construção ou devido a fogos da época dos festejos juninos. No mesmo ano do incêndio, a Prefeitura divulgou que começariam obras de revitalização do local.

O Museu foi revitalizado em algumas partes, mas segundo a comunidade ele continuou em situação de abandono pelo poder público. Visto que, não foi mantido após as obras, não foi gerado emprego e não foram efetivadas ações culturais, sociais e científicas.

A comunidade se reuniu em conjunto diversas vezes para trazer movimentação na região do Museu do Mangue. Uma dessas foi em 2015, quando conseguiram uma concessão temporária do Ibama para realização de feiras de artesanato e culinária no estacionamento do Museu. Eram 36 barracas que traziam lazer e renda para comunidade, entretanto a concessão terminou e não obtiveram uma nova, por conta da mudança de gestão do governo, segundo moradores da região.

Além disso, várias ações civis públicas, reuniões com a Secretária de Meio Ambiente de Aracaju e cobranças à prefeitura para a revitalização do Museu foram realizadas pela Associação de Moradores do Bairro Coroa do Meio e pela Associação dos Ex-moradores de Palafitas.

A última foi em novembro de 2018, quando o Ministério Público Estadual, por intermédio da 5ª Promotoria de Justiça dos Direitos do Cidadão, ajuizou ação civil pública em face do Município de Aracaju e da Empresa Municipal de Obras e Urbanização – EMURB , com o objetivo de obter tutela jurisdicional para a revitalização e a instalação de equipamentos de segurança que garantam o adequado funcionamento do Museu do Mangue.

No entanto, nada se efetivou; 18 anos após sua fundação as narrativas do Museu nunca puderam ser vistas, pois o local está abandonado. Segundo a Coordenadora de Educação Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente de Aracaju, Rafaela Ribeiro, a ação civil do Ministério Público do Estado solicitava o orçamento da obra, a prefeitura o entregou com a estimativa de R$ 800 mil, mas alegou está num momento de contenção de gastos.

A coordenadora justifica que a Secretaria está no aguardo de receber verba para a revitalização do Museu do Mangue e que ainda não há um prazo de realização da obra. Conta também que a poluição no local é uma questão cultural e parte da culpa do Museu do Mangue não funcionar é por conta da violência da região.

HISTÓRIAS QUE O MUSEU NÃO CONTA

Os moradores ao redor lutam para o Museu do Mangue um dia funcionar. O local está fechado, mas história eles têm para contar. Um desses é José Benedito, mas conhecido como Bené,  vive no bairro há 30 anos, cuja palafita ficava no mesmo lugar onde hoje é o Centro de Educação Ambiental.

Quando  veio de Pacatuba, interior sergipano, para a capital, Bené  não tinha onde morar. Assim foi para perto do mangue, onde também passou a tirar seu sustento vendendo botijão de gás. Bené casou, teve filhos e construiu memórias afetivas ainda morando em palafita.

Ele conta que muita gente culpa a comunidade por abandonar o museu e o mangue, mas ele pensa que o abandono principal é do poder público. Desde que começou a morar na Coroa do Meio, Bené criou o costume de tirar fotos do mangue e das palafitas, esses registros hoje são guardados como recordação, mas na época era como um testemunho de que ele residia naquele local.

Com sua história, Bené faz lembrar que a manutenção de espaços públicos como o Museu do Mangue, é importante não só economicamente. Mas principalmente, para construção de identidade e memória coletiva para os ex-moradores de palafitas.

LEIS QUE NADAM CONTRA A MARÉ

No artigo sétimo da Lei Orgânica do município de Aracaju como também na Constituição Estadual e Federal, está garantido e assegurado como direito individual e coletivo o meio ambiente equilibrado.  Na mesma Lei Orgânica, está prescrito no artigo 19 que compete ao município conservar o patrimônio público e recuperar, proteger e preservar o meio ambiente, combatendo a poluição.

Ademais, está escrito também, como dever da Secretaria do Meio Ambiente de Aracaju, promover a recuperação ambiental e o reflorestamento de áreas degradadas.

Apesar de todas essas leis, a realidade de desigualdade social e ambiental na Maré do Apicum e Museu do Mangue permanece há décadas.

RACISMO AMBIENTAL

Além dessas injustiças, é possível perceber também racismo ambiental, ou seja, quando uma comunidade é negada de ter o meio ambiente equilibrado e de políticas ambientais por discriminação. Para entender esse conceito é preciso pensar na prática: por que aquela área da Coroa do Meio é a mais suja e pobre? Por que o Museu do Mangue não é inaugurado? Por que usam a desculpa da violência para a continuação do abandono?

Um exemplo de como o racismo ambiental se configura em Aracaju é o Calçadão da Praia Formosa, localizado na 13 de Julho, bairro nobre da capital. O projeto foi entregue em 2016, construído em menos de três  anos, com orçamento em mais R$ 4 milhões. O calçadão supervaloriza uma área rica da cidade, já o Museu do Mangue que necessita de uma revitalização com um custo bem menor, continua abandonado há 18 anos, pois é localizado numa região de população baixa renda.

Esses descasos partem de um porquê social e racial. Historicamente, as populações que mais sofrem com essa discriminação são as comunidades que dependem do ecossistema, como os pescadores e moradores de palafitas. Isso ocorre pois os impactos da degradação do meio ambiente afetam diretamente a vida dessas pessoas.

Além de serem as populações que mais sofrem com a destruição de ecossistemas, são elas que mais atuam na manutenção desses ambientes. Seu Reis é um desses: negro e ex morador de palafita, mora há mais de 30 anos na Coroa do Meio. Ele cuida e mantém a Associação de Pescadores do bairro e mais de 100 plantas ao redor do mangue.

SEM PEIXE, SEM ESPERANÇA

Seu Reis relata que é difícil ter sustento do mangue: “A lama tomou conta de tudo, a pesca acabou, aqui eram 10, 12 metros de água com a maré seca, hoje não tem meio metro, dá pra atravessar caminhando”, diz. Conta também que “O sustento do pescador hoje é assim quando chega o verão, os meninos pegam Camarão que ainda tem, a Lagostinha, a Ostra mas é pouco… e as Ostras hoje são bem pequenininhas.” 

Para ele, essa degradação aconteceu porque os esgotos da região são mandados diretamente para o Mangue. Flávio Ferro, Gilvan Pereira e Elian Cruz, moradores que lutam para a revitalização do local, também acreditam que os esgotos do bairro são despejados no Mangue.

Além de afetar a vida dos pescadores, a poluição do mangue  traz uma perda enorme no ecossistema. Os moradores citados e Reis, relatam o desaparecimento de diversas espécies que antes eram frequentes, como o Caranguejo Uçá.

MANGUE É SINÔNIMO DE VIDA

Além de todos os aspectos sociais e financeiros que o Museu do Mangue e a Maré do Apicum podem trazer para aquela região. É importante pontuar os aspectos ambientais do mangue e sua importância para o meio ambiente equilibrado; principalmente para Aracaju, cidade constituída por manguezais.

De acordo com a dissertação de mestrado “A História da devastação dos manguezais aracajuanos”, de Fernanda Almeida, o manguezal é um repositório de diversidade biológica, sendo considerado por muitos cientistas como um dos mais produtivos ecossistemas do planeta, por abrigar milhares de espécies de vida, desde bactérias e fungos aos animais de grande porte como mamíferos. 

Outro dado relevante acerca da diversidade biológica do manguezal, é que o Mangue, em condições ambientais normais, pode atingir cerca de 10 mil espécies por metro quadrado, segundo a Revista de Ecologia e Desenvolvimento, nº 27.

Comments (2)

  1. Olá, Márcio. O artigo você pode encontrar aqui. Sobre a autora, o Lattes dela é 0225568016537868.

  2. Olá, bom dia, gostei muito desse artigo e penso em referencia-lo na minha dissertação de mestrado pelo PROFICIAMB, gostaria de saber mais da autora para pode-la apresenta-la na minha dissertação. Esse artigo posso encontrar aonde?

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