Governo distribui cargos do Incra entre militares

Órgão responsável pela reforma agrária agora pertence ao Ministério da Agricultura; novos diretores são formados nas Forças Armadas e têm pouca ou nenhuma experiência na área

Por Julia Dolce, em De Olho nos Ruralistas

Os novos diretores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tomaram posse na manhã da última sexta-feira (05), em Brasília. Como grande parte dos ocupantes de cargos relevantes escolhidos pelo governo de Jair Bolsonaro, a nova diretoria do órgão, responsável pela titularização de assentamentos camponeses e terras quilombolas, é agora formada exclusivamente por militares.

Os três diretores foram nomeados pela Presidência da República, com publicação do ato no Diário Oficial da União, no dia 4 de abril. Em cerimônia realizada na sede da autarquia, com a presença dos servidores da casa, o presidente do Incra, general João Carlos Jesus Corrêa, que teve seu mandato anunciado por Bolsonaro pelo Twitter, em fevereiro, apresentou os novos servidores do órgão.

A diretoria de Gestão Estratégica será comandada pelo coronel da reserva do Exército Marco Antônio dos Santos. A diretoria de Desenvolvimento de Projetos de Assentamento ficou sob o comando do coronel Dougmar Nascimento das Mercês. Para o cargo de diretor de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamento do Incra foi nomeado o tenente Reginaldo Ramos Machado.

NOVO DIRETOR JÁ CRITICOU MARCHA DAS MARGARIDAS

O currículo e experiência dos novos diretores têm pouca relação com a área de atuação. Santos tem formação superior em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de guerra e atua como professor de pós-graduação em instituições de ensino policiais e militares. Possui doutorado em Aplicações, Planejamento e Estudos Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. É autor do livro “A atividade de Inteligência para a segurança no Século XXI”.

Em um texto publicado pelo blog Resistência Militar e atribuído ao coronel, ele caracteriza o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como uma organização paramilitar comandada pelo “ex-presidente Luis (sic) Inácio Lula da Silva”. “O MST está pronto para a luta”, escreveu. “Luis Inácio deu a notícia para o país e para o mundo. O inimigo, vagamente denominado por ele de ‘eles’, certamente é a democracia e a sociedade brasileira. Fácil entender isso”.

O texto ataca a Marcha das Margaridas, tradicional manifestação das mulheres camponesas, e os sem-terrinhas, crianças do MST. O movimento é a maior organização de camponeses pela reforma agrária no país, e conta com 350 mil famílias vivendo em centenas de acampamentos e assentamentos titularizados pelo Incra em 24 estados brasileiros.

Em seu currículo Lattes, o coronel que atuará na gestão estratégica do Incra destaca que é praticante de Krav Magá, com cursos especiais em defesa contra facas, armas de fogo e combate contra grupos.

A Marcha das Margaridas homenageia Margarida Maria Alves, que morreu assassinada na Paraíba, em 1983, a mando de latifundiários da região, com um tiro de escopeta. Ela era sindicalista e defensora dos direitos humanos.

Novo responsável pelos projetos de assentamento, Mercês é formado pela Academia Militar das Agulhas Negras e tem pós-graduação em Ciências Militares em Gestão Executiva e Logística e em Gerenciamento de Projetos.

UM DOS DIRETORES TRABALHOU NO IBAMA

O tenente Machado, por sua vez, é bacharel em Ciências Militares e Administração pela Academia Militar de Agulhas Negras, com mestrado em Operações Militares e especialização em Análise e Melhoria de Processos e em Administração Pública. Ele atuou como professor na área de segurança em instituições de ensino policial e militar pelo país e foi consultor e gestor na área de segurança em órgãos públicos.

Dos três, ele é o único que aparenta ter atuação em uma área minimamente próxima à coberta pelo Incra, tendo sido Coordenador de Patrimônio e Administração no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) entre dezembro de 2018 e março de 2019.

Machado também atuou como consultor de gestão junto ao projeto S11D, um complexo de extração de minério de ferro, construído pela multinacional Vale. S.A no município paraense de Canaã dos Carajás. A licença de instalação do complexo, que no próprio site da Vale é caracterizado como o “maior projeto de mineração do mundo”, foi emitida pelo Ibama em julho de 2013.

Apesar da semelhança entre os currículos dos diretores do Incra, a assessoria de imprensa do órgão enfatizou “a representatividade do evento interno”. O presidente do instituto declarou que a posse dos novos diretores é um “ato de valorização de todos os servidores do Incra”. “Todos têm parcelas de contribuição no desenvolvimento das atividades da instituição”, afirmou o presidente da autarquia.

O governo Bolsonaro completou cem dias na quarta-feira (10) com 115 militares em cargos relevantes, segundo levantamento realizado pelo site Poder 360. Além da Presidência e Vice-Presidência da República, os militares estão à frente de oito ministérios: Secretaria de Governo, Secretaria Geral, Gabinete de Segurança Institucional, Defesa, Ciência e Tecnologia, Controladoria Geral da União, Infraestrutura e Minas e Energia.

O Poder 360 também destacou os militares que presidem estatais de peso, como o próprio Incra, o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT), os Correios, a Usina Itaipu e o Conselho de Administração da Petrobras.

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