Indígenas dos Povos Canela-Memortumré e Canela-Apãnjekra voltam à capital federal por seus direitos

Ao longo de cinco dias a delegação realizou uma série de incidências políticas no STF, AGU e na Câmara dos Deputados

Por Adilvane Spezia, no Cimi

Numa semana de intensas atividades (8 à 12 de abril), a delegação composta por mais de 25 indígenas dos povos Canela-Memortumré e Canela-Apãnjekra, do Maranhão, estiveram na capital federal, Brasília, com o objetivo denunciar a invasão de seu território, o desmatamento por parte de madeireiros da região e o avanço da rodovia dentro da terra indígena, bem como as consequências da Medida Provisória (MP) 870/2019, primeira medida adotada pelo governo de Jair Bolsonaro ao assumir a Presidência da República.

Mesmo sem oportunidade de falar, a delegação acompanhou a Audiência Conjunta na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, que debateu o tema “Prestação de Informações Sobre a Liberação de Registros de Agrotóxicos”, com a presença da Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias. Na ocasião os indígenas não tiveram oportunidade de fala, conforme prevê o regimento interno da Casa, mas ouviram atentamente os questionamentos da Comissão direcionados à Ministra.

Questionada sobre o uso de agrotóxicos, ela afirma que não há como banir os agrotóxicos cancerígenos das lavouras brasileiras. No entanto, é importante destacar que só nos primeiros 100 dias do governo Bolsonaro, foram liberadas 121 novas substâncias ou métodos de aplicação. De todos os agrotóxicos liberados para o uso no Brasil, 40% são classificados como extremamente ou altamente perigosos para a saúde humana. Em relação ao meio ambiente, 56% são muito perigosos. Quando questionada sobre o papel das populações tradicionais na preservação e defesa do meio ambiente, a Ministra completa que a floresta só será preservada de fato se for paga, se transformada em mercadoria, desconsiderando completamente os povos da floresta que há décadas têm preservado as matas.

Em outra oportunidade e agora com direito a fala no plenário, os Canela-Memortumré e Canela-Apãnjekra participarão de nova audiência na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, desta vez com a presença do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. “Viemos aqui na Câmara denunciar o desmatamento que os fazendeiro da região vem fazendo dentro da nossa Aldeia. Conversar com os Deputados para que possam rever a MP 870 que está acabando com nossos direitos, e pedir que seja feita a revisão de limites das terras dos Canela Memortumré e Apãnjekra”, aponta Ivan Canela, liderança da Terra Indígena Memortumré.

“Desde 2013 temos sofrido com as invasões dentro das nossas terras, causadas pelos latifundiários que cercam nossos territórios, o que já causou a morte de quatro indígenas. Isso porque a estrada, Rodovia Maranhense MA-132, passa no meio da nossa aldeia e causa atropelamento dos índios. Querem acabar com nós de qualquer maneira”, denuncia o jovem líder indígena.

Para que seus direitos sejam garantidos, a delegação fez questão de realizar um ato e protocolo na sede da Advocacia-Geral da União (AGU), exigindo a revogação imediata do Parecer 001/2017. O Parecer Antidemarcação da AGU – como ficou popular entre indígenas e apoiadores da causa – foi publicado em julho de 2017 pelo governo Temer e transforma em regra a tese político-jurídica do Marco Temporal. A tese, segundo a qual só poderiam ser demarcadas as terras que estivessem sob posse das comunidades indígenas na data de 5 de outubro de 1988, legaliza e legitima as violações a que historicamente os povos indígenas têm sido submetidos.

Na AGU, a delegação foi recebida pelo Chefe de Gabinete do Advogado-Geral da União, Rodrigo Sorrenti Hauer Vieira, e pela Assessora Especial para Comunicação do Advogado-Geral da União, Deine Suruagy. Na oportunidade foram realizadas uma série de denúncias de como esta medida adotada pela AGU e pelo governo Temer tem paralisados as demarcações das terras indígenas no Brasil e como tem restringido o direito dos povos tradicionais à Terra.

“Estão invadindo nosso território, acabando com a natureza plantando soja, acabando com os peixes, explorando tudo, essa é a minha grande preocupação. Precisamos da demarcação do nosso território pelas nossas crianças”, explica seu Antônio Apãnjekra, da terra Indígena Porquinhos, que ainda faz um pedido ao presidente: “Bolsonaro pare de tirar nossos direitos, é só isso que nós estamos precisando”.

Por sua vez, o Chefe de Gabinete do Advogado-Geral da União aponta o interesse do órgão em resolver a questão do Parecer 001/2017. “De forma alguma nós temos interesse em postergar essa questão do parecer. O pedido de vocês será levado ao conhecimento do Ministro”, conclui Rodrigo.

A programação ainda contemplou ações de incidência política juntos aos gabinetes dos Deputados e no Supremo Tribunal Federal, como explica o cacique da Terra Indígena Porquinhos dos Canela-Apãnjekra, Valdemir Kuvenecanela. “Viemos exigir nossos direitos enquanto indígenas. Deixamos os documentos no Supremo Tribunal Federal e todos os gabinetes dos Deputados Federais para que revoguem a MP 870 e garantam a revisão de limites das terras indígenas dos povos Canela Memortumré e Apãnjekra”.

Na avaliação da delegação, a luta precisa continuar, pois ainda há muitos parlamentares que são contrários aos direitos dos povos originários. Estar em Brasília, participar das audiências, fazer as denúncias é importante para que a causa indígena continue na pauta da sociedade. Além de ter sido um momento formativo da delegação, que levará este debate para as demais comunidades.

Imagem: Ministra Tereza Cristina afirma que a floresta só será preservada de fato se for transformada em mercadoria, desconsiderando completamente os povos da floresta que há décadas têm preservado as matas. Foto: Adilvane Spezia/Cimi

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