Uso do agrotóxico 2,4-D, banido na Austrália e no Canadá, divide opiniões no Rio Grande do Sul

Produtores de frutas pedem a suspensão do herbicida conhecido como “agente laranja”; governo e sojicultores defendem medidas consideradas paliativas para a utilização do produto; debate ganhou espaço em jornais e chegou ao Ministério Público Estadual

Por Maria Lígia Pagenotto, em De Olho nos Ruralistas

Uma disputa envolvendo produtores de frutas e soja está sendo travada no Rio Grande do Sul há alguns meses. No centro do confronto, o polêmico agrotóxico 2,4-D – banido na Austrália e no Canadá e, desde 2006, sob processo de reavaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Os fruticultores alegam que o herbicida provocou perdas milionárias em suas safras, pois devastou extensas plantações de uvas, impactando negativamente na produção das vinícolas. Querem a proibição imediata do produto no estado. Os prejuízos, afirmam, ultrapassam R$ 100 milhões, segundo Helio Marchioro, do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), e atingem, além das uvas, o cultivo de oliveiras, macieiras, citros e erva-mate.

Do outro lado, na defesa do pesticida, estão os donos de extensas áreas de soja, apoiados pelo secretário da Agricultura, Covatti Filho. Filiado ao PP, ele foi deputado federal em dois mandatos e coordenador de Política Agrícola da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o braço mais visível da bancada ruralista.

O conflito, iniciado no fim do ano passado, ganhou fôlego ao longo dos meses alimentado por opiniões diversas em espaços importantes de dois jornais gaúchos, o Zero Hora e o Sul 21, que apresentam linhas editoriais distintas.

Faz anos que o agrotóxico é amplamente utilizado no Brasil no cultivo da soja para combater a buva, planta considerada invasora pelos sojicultores. Aspergido por aviões, ou mesmo tratores, o 2,4-D acaba atingindo outras culturas, distantes às vezes até quilômetros – e provoca a destruição das plantações de frutas, um efeito que os especialistas chamam de deriva.

No fim de abril, cerca de 50 fruticultores, de vários municípios do Rio Grande do Sul, reuniram-se no Ministério Público Estadual, a convite do promotor de Justiça do Meio Ambiente de Porto Alegre, Alexandre Saltz, para pedir a Covatti a suspensão urgente do herbicida nas lavouras de soja. Para o secretário, essa possibilidade não existe. “Ao invés de proibir, temos que aproveitar a situação para aprimorar nossa legislação e criar mecanismos de controle”, afirmou, durante a reunião.

Ele apresentou, entre essas medidas, a regulamentação para aplicação do 2,4-D, treinamento e cadastro dos aplicadores e a criação de um fundo de indenização. Os fruticultores alegam que o herbicida tem um poder de destruição muito forte e que as propostas do secretário seriam apenas paliativas. Suas gotas podem atingir distâncias de até 15 quilômetros do ponto de aplicação.

Em reportagem do jornal Zero Hora, os produtores de soja defendem que o emprego do agrotóxico ultrapassa as questões econômicas. Ele seria altamente eficiente no combate à buva. Antes do 2,4-D, os sojicultores utilizavam o glifosato para impedir que a buva tomasse conta da soja – mas a planta adquiriu resistência à substância. Fruticultores afirmam que a buva já está se tornando resistente ao 2,4-D e que, por isso, ele tem de ser utilizado em quantidades cada vez maiores.

O engenheiro agrônomo Gianfranco Badin Alti, chefe da Divisão de Agrotóxicos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) do Rio Grande do Sul, explica que a substância tem uma ação similar a um hormônio. Nas plantações, quantidades muito pequenas já causam sintomas e  provocam uma desregulação, com impacto na produção nas plantas, na floração e na safra atual e nas seguintes.

HERBICIDA FOI UTILIZADO NA GUERRA DO VIETNÃ

Com alto potencial de destruição de folhas, especialmente as largas, o herbicida ganhou fama durante a guerra do Vietnã, quando foi empregado pelo exército dos Estados Unidos associado ao 2,4,5-T. Seu objetivo: desfolhar a mata vietnamita, para visualizar os soldados escondidos, e acabar com suas plantações de arroz, base da alimentação no país.

A mistura das duas substâncias ficou conhecida como “agente laranja” e deixou um rastro de destruição que se se estende até os dias de hoje – a guerra teve início em 1955 e perdurou até os anos 1970. Ao produto são associadas diversas doenças, como câncer, malformações congênitas e distúrbios neurológicos. Exames mostram que, passado tantos anos, o 2,4-D ainda está segue impregnado no solo e contaminando a água do Vietnã.

Segundo reportagem publicada no jornal Sul 21, o efeito do agrotóxico é sentido nas lavouras gaúchas há cinco anos, embora somente no ano passado é que as análises comprovaram sua relação com a destruição das plantações de uva, mais especificamente.

E o problema vai além da perda da produção. O coordenador do Fórum Gaúcho de Combate ao Impacto dos Agrotóxicos, Rodrigo Valez de Oliveira, procurador da República, garante que o 2,4-D foi encontrado na área urbana de Bagé, resultado da deriva.

A exposição ao produto, segundo parecer técnico da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), aumenta o risco para “desregulação endócrina, perturbações nas funções reprodutivas, alterações genéticas (efeito genotóxico), efeitos cancerígenos e o desenvolvimento da doença neurodegenerativa de Parkinson”.

O presidente da Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul), Gedeão Pereira, tem outra opinião. Segundo ele, o 2,4-D é de “altíssima qualidade e absolutamente seguro”, por isso não há justificativa para a sua suspensão. No jornal Zero Hora, ele afirma que “as atividades (da soja e da fruticultura) precisam conviver umas com as outras”.

O governo federal também parece acreditar que a ação do 2,4-D é incapaz de provocar danos graves ao ambiente ou ao ser humano. Em abril, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) lançou mais um ato concedendo novos registros para três formulações do agrotóxico, conforme noticiou o De Olho nos Ruralistas.

Com essa permissão, ele passa a ser comercializado aqui pela empresa chinesa Rainbow Defensivos Agrícolas e pela Dow AgroSciences, dos Estados Unidos, com duas marcas. A pressão para que o pesticida seja mantido no mercado é enorme. Para conseguir seu objetivo, várias empresas e entidades ligadas ao agronegócio se uniram na “Iniciativa 2,4-D”, em defesa do herbicida, com publicidade paga em importantes veículos de comunicação, como o jornal O Estado de S. Paulo.

Enquanto isso, no Rio Grande do Sul, o promotor Saltz aguarda uma posição do governo do estado sobre o agrotóxico em até 30 dias, a contar da data da audiência (23/04). Caso as autoridades não se manifestem, o promotor afirmou que serão tomadas, possivelmente, medidas judiciais, por meio de uma ação civil pública, para proibir o uso do produto. Uma nova audiência sobre o assunto está marcada para hoje, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

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