Por Luiz Fernando Menezes, em Aos Fatos
É falso que, em dez anos, reitores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) desviaram R$ 500 milhões em verbas públicas, como afirma, em vídeo, Regina Villela, youtuber e candidata derrotada a deputada federal pelo PSL do Ceará nas últimas eleições. Na única ocorrência deste tipo, o MPF (Ministério Público Federal) denunciou os ex-reitores Aloísio Teixeira e Carlos Antônio Levi da Conceição em 2012 por improbidade administrativa e os acusou do desvio de R$ 50 milhões, valor dez vezes inferior ao citado na gravação.
Segundo o MPF, os recursos eram oriundos de dois convênios e de um contrato entre a universidade e o Banco do Brasil. Teixeira acabou inocentado em 2012 pela CGU (Controladoria-Geral da União), que não viu indícios de improbidade. Na época, Levi foi suspenso do cargo por 30 dias e, em março deste ano, acabou condenado pela 7ª Vara Criminal da Justiça Federal por peculato no mesmo caso. Ainda cabe recurso e ele afirma que os recursos foram aplicados integralmente em obras, reformas e eventos acadêmicos.
Portanto, ainda que esteja em curso processo contra ex-reitor da UFRJ por desvio de verbas, o valor apontado pelos investigadores é muito menor do que o citado por Regina Villela, o que torna falsa a afirmação dela. Na gravação, a youtuber erra ainda quando diz que, ao assumir o governo, Dilma Rousseff (PT) teria cortado verbas do ensino superior federal. Em 2011, primeiro ano da petista no Planalto, o volume de recursos executados na área foi 11,6% superior ao gasto no ano anterior.
O vídeo foi publicado por Villela no início de abril para abordar a eleição para a reitoria da UFRJ, mas só ganhou tração nas redes sociais após o anúncio de bloqueio de verbas para as universidades federais feito pelo MEC. Enviada por leitores do Aos Fatos no WhatsApp como sugestão de checagem (inscreva-se aqui), a gravação também tem sido difundida em posts no Facebook que, juntos, ultrapassavam 40 mil compartilhamentos nesta quarta-feira (8). Todos foram marcados com o selo FALSO na ferramenta de verificação disponibilizada pela rede social (entenda como funciona).
Confira abaixo, em detalhes, o que verificamos.
Em 10 anos, na UFRJ, R$ 500 milhões evaporaram, ninguém sabe, ninguém viu. Roubaram, no mínimo, no barato, R$ 500 milhões.
Não há informações de que, em uma década, reitores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) teriam desviado ao menos R$ 500 milhões em verbas. O que existe é uma denúncia do MPF (Ministério Público Federal) contra os ex-reitores Aloisio Freitas e Carlos Antônio Levi da Conceição por desvios na ordem de R$ 50 milhões — valor dez vezes inferior ao citado por Regina Villela.
A denúncia do MPF tem origem em um inquérito de 2008 da PF (Polícia Federal) que apurou suspeitas de favorecimento a parentes e amigos de Teixeira em contratações para prestação de serviços e em nomeações para cargos em comissão na UFRJ entre 2005 e 2009. Na época, o Ministério Público pediu à CGU (Controladoria-Geral da União) uma auditoria na instituição, que resultou na abertura de procedimentos administrativos disciplinares contra três servidores, entre eles, Levi. Ele era pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento na gestão de Teixeira. Em 2010, os procuradores ajuizaram ação para quebrar sigilo fiscal e bancário dos acusados.
Das investigações, o MPF concluiu, na denúncia oferecida em 2012, que os R$ 50 milhões teriam sido desviados em operação intermediada pela FUJB (Fundação Universitária José Bonifácio), mediante a cobrança de uma indevida taxa de administração. Os recursos eram oriundos de dois convênios e de um contrato celebrado entre a universidade e o Banco do Brasil e não foram registrados no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI) como se houvessem sido repassados ao caixa da UFRJ.
Levi já era reitor da UFRJ quando foi denunciado por improbidade administrativa pelo MPF. Na época, ele disse que “o uso da FUJB para gestão de recursos externos à UFRJ tem sido interpretado erroneamente pelo MPF como desvio de recursos públicos para instituição privada” e que o dinheiro foi utilizado integralmente em obras, reformas e eventos acadêmicos. A denúncia inclui ainda o espólio de Teixeira, que havia morrido meses antes.
Porém, também em 2012, um parecer da CGU inocentou Teixeira e concluiu que não havia indícios de improbidade administrativa no caso dos R$ 50 milhões. Já Levi foi punido com suspensão de 30 dias no cargo, convertida em multa correspondente a 50% da remuneração mensal.
Peculato. Na 7ª Vara Federal Criminal, um outro processo relacionado à mesma denúncia do MPF rendeu ao ex-reitor Levi, em fevereiro deste ano, condenação por peculato. Na decisão, a Justiça afirmou que ele e os outros acusados não conseguiram comprovar a destinação pública dos recursos e que, do total, pelo menos R$ 2,9 milhões “não foram implementados em benefício da UFRJ”.
A juíza federal Caroline Vieira Figueiredo corroborou ainda a suspeita do MPF de que uma resolução da fundação José Bonifácio que permitia a cobrança de 5% a 15% de taxa de administração foi usada de forma irregular pelos acusados para “lavagem de capitais” em uma conta no Banco do Brasil. Ainda cabe recurso a essa sentença.
Após a decisão judicial, a UFRJ emitiu nota em que refuta a condenação ao resgatar o parecer da CGU que não apontou indícios de irregularidades. No texto, a universidade afirmou ainda que o caso “focaliza o pagamento de ressarcimento à Fundação de Apoio, em benefício da instituição, prática condizente com a norma em vigor (Lei n.12.863/2013)”, mas reconheceu que “eventuais desconformidades nas práticas administrativas e financeiras das instituições devem ser corrigidas”.
Portanto, ainda que esteja em curso processo na Justiça que envolve acusação de desvio de verbas por parte de ex-reitores da UFRJ, é FALSO afirmar que os valores envolvidos chegam a R$ 500 milhões, já que os investigadores apontam uma cifra dez vezes menor: R$ 50 milhões.
A reitoria da UFRJ informou ao Aos Fatos nesta quarta-feira (8) que pretende processar Regina Villela “em virtude de suas declarações caluniosas contra a universidade”. Na nota, a instituição disse ainda que teve suas contas aprovadas por todos os órgãos de controle e que “inexistem processos envolvendo os fantasiosos valores citados”. Para a reitoria da UFRJ, as declarações da youtuber e filiada ao PSL “estimulam uma inconstitucional intervenção na instituição, além de sugerir que houve conduta criminosa por parte dos gestores”.
Regina Villela não respondeu aos pedidos de entrevista feitos por Aos Fatosentre terça (7) e esta quarta-feira.
Aí quando a mocréia Rousseff foi eleita, ela cortou o orçamento [das universidade públicas].
Na verdade, dados do portal Siga Brasil mostram que o volume de verbas executadas pelo ensino superior federal em 2011, ano em que Dilma Rousseff (PT) assumiu a Presidência, (R$ 27,7 bilhões) foi 11,6% superior ao gasto em 2010 (R$ 24,8 bilhões), em valores corrigidos pela inflação.
Em fevereiro de 2011, dois meses após o início do governo Dilma, foi anunciado um corte de R$ 50,1 bilhões no Orçamento: R$ 18 bilhões em investimentos e R$ 32 bilhões em custeio. Na tesourada, o MEC perdeu R$ 3,1 bilhões em verbas, mas, desse total, R$ 2 bilhões eram de emendas parlamentares, segundo disse o então ministro da Educação Fernando Haddad (PT). Não houve redução especificamente nas despesas de universidades federais.
Dilma cortou verbas das universidades federais em 2015, primeiro ano do seu segundo mandato. Na época, o MEC reduziu em um terço o repasse de verbas das instituições. Mais tarde, em junho, o ministério cortou em 47% os recursos para investimentos (usados em obras e compras de equipamento) das 63 universidades federais existentes. Ao todo, a redução orçamentária do ensino superior foi de R$ 1,2 bilhão. Ainda assim, o orçamento executado pela área naquele ano foi o maior registrado desde 2011: R$ 35,5 bilhões.
Procurada por Aos Fatos, Regina Villela não havia retornado até a publicação desta checagem.
Esta não é a primeira vez que Aos Fatos checa informações falsas disseminadas por Villela. Em janeiro deste ano, foi verificado como enganoso o vídeo em que ela afirmava existir vínculos entre o ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Adélio Bispo, que desferiu uma facada em Jair Bolsonaro (PSL).