Alvo de críticas, nova gestão do órgão não enviou representantes para mesa de diálogo organizada pelo Ministério Público; lideranças de povos e comunidades tradicionais celebram legado de Chico Mendes e exigem manutenção de conselhos participativos
Por Bruno Stankevicius Bassi, em De Olho nos Ruralistas
“O governo não priorizou essa agenda, a abertura desse diálogo”. A avaliação de Cláudia Pinho, presidente do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), resumiu o sentimento geral de desapontamento entre os participantes da mesa de diálogo “Direito a Território e Políticas Públicas das Comunidades Tradicionais”, que ocorreu nesta quarta-feira (08/05), na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília.
Organizado pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), o encontro reuniu procuradores, representantes de movimentos sociais e lideranças de povos tradicionais de todo país que vieram à Brasília para expor suas demandas ao poder público. Mas as expectativas foram frustradas.
Entre os órgãos convocados pelo MPF, apenas o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, enviaram representantes. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura (Seaf/Mapa), liderada pelo ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) Nabhan Garcia, não atenderam ao chamado.
O encontro seria a primeira oportunidade para a nova diretoria do ICMBio, composta exclusivamente por policiais militares, ouvir as demandas das comunidades tradicionais que, nos últimos anos, vêm denunciando conflitos gerados pela atuação do instituto em seus territórios.
A “militarização” do órgão responsável pela proteção das unidades de conservação no Brasil veio como resposta à crise gerada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que ameaçou servidores do ICMBio durante um evento no Rio Grande do Sul, ao lado do deputado Alceu Moreira (MDB-RS) e do senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS), respectivamente presidente e vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o braço mais visível da bancada ruralista no Congresso.
“O PRÓPRIO ICMBIO CONDUZIU CHICO MENDES AO OSTRACISMO”
Segundo as lideranças de povos tradicionais presentes no evento, a falta de diálogo com o ICMBio não se dá apenas nesses espaços. Para Carlos Alberto Pinto dos Santos, da Reserva Extrativistas (Resex) de Canavieiras, no Sul da Bahia, há uma dificuldade no entendimento do protagonismo das comunidades por parte do instituto. “O ICMBio não se preparou para trabalhar com os povos e comunidades tradicionais”, observou.
Durante o encontro, lideranças também denunciaram a falta de reconhecimento dos territórios de uso coletivo e a desconsideração às decisões tomadas pelos conselhos deliberativos nas unidades de conservação como focos de conflito, além do esvaziamento da Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, responsável por absorver as demandas das comunidades tradicionais.
Para o procurador Antonio Carlos Bigonha, coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF, essa atuação do ICMBio em relação aos povos tradicionais vai de encontro ao próprio legado de Chico Mendes, que inspirou a fundação do órgão. “Eu sou contemporâneo do Chico Mendes, acompanhei o assassinato dele. Era uma pessoa importante que o próprio ICMBio conduziu ao ostracismo”, afirmou.
Em fevereiro, durante uma entrevista no programa Roda-Viva, na TV Cultura, o próprio ministro Ricardo Salles negou a importância do líder seringueiro para a agenda socioambiental brasileira. “É irrelevante, que diferença faz quem é Chico Mendes neste momento?”, questionou. O ministro disse ainda que Chico Mendes manipulava os extrativistas: “As pessoas do agronegócio da região dizem que ele usava os seringueiros para se beneficiar, fazia uma manipulação da opinião”.
Segundo Bigonha, é importante que a sociedade resgate a memória e o legado de Chico Mendes através de uma campanha simbólica. “A gente poderia fazer um primeiro passo para apropriar o ICMBio e [voltar a] chamar de Instituto Chico Mendes”.
CNPCT SERÁ MANTIDO, AFIRMA SECRETÁRIO DA SEPPIR
Outra pauta recorrente no evento foi a redução no espaço de participação popular das comunidades tradicionais, consequência do Decreto nº 9759, de 11 de abril de 2019, que extinguiu provisoriamente os grupos colegiados da sociedade civil, afetando, entre outros órgãos, a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), principal responsável pelo acompanhamento e implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo Decreto nº 6.040/07.
Ezequiel Roque do Espírito Santo, secretário adjunto de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, um dos poucos representantes do governo que compareceu à mesa de diálogo convocada pelo MPF, disse que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos encaminhará à Casa Civil o pedido de recriação da CNPCT. De acordo com o decreto, os ministérios têm até 28 de maio para solicitar a recomposição dos colegiados sob sua responsabilidade. Os grupos que não estiverem nessas listas serão definitivamente extintos.
No entanto, o secretário não garantiu que a comissão será mantida com a mesma composição, atualmente com 28 membros. Segundo ele, há uma determinação de que a nova formação dos colegiados conte apenas com 7 representantes. Como efeito direto do encontro, foi agendada para sexta-feira (10/05) uma reunião com as lideranças de povos tradicionais para discutir a nova composição da comissão.
“Nós esperamos que esses representantes do governo que aqui estiveram levem aos outros ramos do governo a mensagem de que este diálogo é importante e dará bons frutos para ambas as partes”, afirmou Bigonha.
De Olho nos Ruralistas encaminhou questionamento à assessoria do ICMBio sobre o motivo do instituto não ter enviado representantes para a mesa de diálogo “Direito a Território e Políticas Públicas das Comunidades Tradicionais”. Não houve resposta até o fechamento da reportagem.
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Foto: Thays Puzzi/Rede Cerrado