Dos 166 registros de pesticidas liberados neste ano, apenas 5% são totalmente produzidos em solo nacional
Por Pedro Grigori, Agência Pública/Repórter Brasil
Os agrotóxicos recém aprovados que chegarão à mesa do brasileiro virão de fora. Levantamento inédito da Agência Pública e Repórter Brasil identificou que, dos 166 pesticidas com registros aprovados e publicados no Diário Oficial da União neste ano, apenas 64 foram para empresas brasileiras. Mas a participação nacional é ainda menor na fabricação dos produtos. Só 36 registros têm pelo menos uma cidade brasileira como endereço de fabricação do agrotóxico ou do ingrediente ativo. E somente nove – ou 5% – são totalmente produzidos no Brasil. Ou seja: o país continua a tendência de importar pesticidas.
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Para garantir registro de comercialização de agrotóxico no Brasil a empresa deve ter uma sede no país, segundo o Ministério da Agricultura. Além disso, tem que estar presente no Cadastro Técnico Federal do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Mas ter um endereço no Brasil não significa que o produto é feito aqui. Por exemplo, a Syngenta, uma das líderes do mercado mundial de agrotóxicos, tem sede em São Paulo. Mas, como endereço de fabricação do fungicida Elatus Trio — um dos cinco produtos da multinacional aprovados neste ano – constam localidades na Alemanha, Reino Unido, Suíça e China. Nenhuma no Brasil.
Apenas cerca de 26% dos produtos ativos (matéria-prima para o agrotóxico) usados na agricultura brasileira são produzidos no país, segundo quadro de Produção, Importação, Exportação e Vendas de Ingredientes Ativos de 2017 publicado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O quadro mostra que 199.375 toneladas foram importados pelo Brasil, enquanto apenas 71.669,34 toneladas foram produzidos aqui. Ainda não estão disponíveis os dados de 2018.
Empresas de países como China, Índia, Japão e Estados Unidos estão entre as que garantiram novas permissões de comercialização no Brasil em 2019.
Segundo companhias brasileiras e especialistas ouvidos pela reportagem, a pouca participação nacional no mercado é resultado do menor custo para produção dos produtos vindos de fora, da falta de tecnologia e de equipamentos para sintetizar os ingredientes ativos no Brasil.
Além disso, há a dificuldade de competir com gigantes do mercado de agrotóxicos, atraídas por incentivos fiscais. Desde 2004, a Lei nº 10.925 reduziu a zero as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS para importação e comercialização de fertilizantes e agrotóxicos.
Os pesticidas têm, ainda, redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS).
Fatia estrangeira até mesmo nas empresas brasileiras
Apenas neste ano, 48 empresas conseguiram novos registros de comercialização de agrotóxicos aprovados pelo Ministério da Agricultura, Ibama e Anvisa. Dessas companhias, 29 são estrangeiras. Até o momento, a companhia chinesa Adama é a que mais obteve permissões: 13. A empresa nasceu no Paraná em 1970, mas em 2001 foi vendida para uma companhia israelense, e em 2011 incorporada ao ChemChina, uma das maiores companhias de produtos químicos da China e do mundo. Embora a sede da Adama ainda seja em em Londrina, no Paraná, os produtos são fabricados em sua maioria na província de Jiangsu, na China, segundo os registros de comercialização.
Dentre as empresas registrantes, 19 se definem como brasileiras, o que não impede a participação de estrangeiros no quadro de acionistas e na produção dos agrotóxicos. Como é o caso da Companhia das Cooperativas Agrícolas do Brasil, a CCAB Agro. A empresa, que tem pouco mais 10 anos de vida, é formada por agricultores brasileiros.. Em 2016, começou a ter participação francesa, quando o grupo InVivo passou a integrar o grupo de acionistas da companhia.
“A CCAB entende que a competência e aptidão (do Brasil) é produzir alimentos e não fabricar produtos para controlar as pragas”, afirmou à reportagem Jones Yasuda, CEO da CCAB Agro. Os sete agrotóxicos da CCAB Agro aprovados neste ano são produzidos em fábricas da China, segundo informações do registro de comercialização. “A China teve como política de país o desenvolvimento do parque industrial químico”, completa.
O empresário destaca também que o mercado dos pesticidas é “altamente concentrado”. “Parte das empresas que o dominam são centenárias, que estiveram na base da própria revolução industrial”, pontua.
Mercado de poucos líderes
Desde 2012, o Brasil é o maior importador de agrotóxico do mundo, conta Victor Pelaez, doutor em Sciences Economiques pela Université de Montpellier, na França, e professor do departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Como o país produz muita soja, o parque industrial não conseguiu atender toda a demanda por agrotóxico”, diz ele.
BASF, Bayer, Dow AgroSciences, Du Pont e Syngenta são as líderes no mercado brasileiro. Juntas, as cinco são donas de cerca de um quarto dos agrotóxicos aprovados no Brasil, segundo o Atlas do Agronegócio, uma iniciativa das fundações alemãs Heinrich Boll e Rosa Luxemburgo lançada em setembro de 2018.
“O mercado é controlado por um grupo pequeno de empresas multinacionais. Elas fazem um comércio intra-empresarial. Uma tem alguns ingredientes ativos especializados em uma planta, e eles repassam para plantas de outros países. Há uma dinâmica, e assim um grupo restrito define o mercado mundial”, explica o professor da UFPR Victor Pelaez. Em nível mundial, a companhia alemã Bayer é dona de um quarto de todo mercado, segundo o Atlas do Agronegócio.
Para a Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos (Aenda), que representa empresas de agrotóxico no Brasil, a crise da participação nacional na fabricação dos pesticidas data da década de 90. “Foi o efeito da redução de impostos de importação promovida pelo Presidente Fernando Collor”, conta o engenheiro agrônomo e diretor-executivo da Aenda, Tulio Teixeira.
A importação ficou livre de impostos a partir da Lei Nº 8.032/90, e regulamentada pelo decreto nº 6.759 de 2009. A legislação, para Tulio, fez o mercado nacional “desmoronar”. “Os agrotóxicos eram fabricados ou formulados aqui em torno de 80%. A indústria aqui instalada desmoronou. Mas, mostrou que nossa produção tinha custo mais elevado que lá fora, e, até o momento isso não foi revertido”, diz.
Tulio diz que hoje no Brasil só se faz a formulação dos agrotóxicos. “É a tecnologia mais simples, de juntar ingredientes ativos importados com solventes, suspensores, etc. Não é tecnologia de síntese que envolve reações químicas. Neste contexto, o Brasil regrediu”.
A professora da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (UnB) Cristina Schetino acrescenta que o Brasil ficou para trás no mercado também devido à falta da “química fina” — que é a síntese e a produção industrial de produtos químicos. “A parte da formulação se consegue fazer no Brasil, mas a síntese do ingrediente ativo não. E a grande maioria dos agrotóxicos utilizados são sintetizados. Então, por aqui, só conseguimos produzir os produtos que não requerem esse ato”, explica.
Só 10% são pouco tóxicos
Dos nove agrotóxicos recém aprovados e inteiramente produzidos no Brasil, apenas oito foram classificados como de baixa toxicidade. São três da Biovalens (Bio-Imune, BT-Turbo Max e Bio-Hulk), três da TZ Biotech (Trychonyd FR 25, Purpureonyd FR 25 e Metarhryd FR 25), um da Excellence (Excellence Mig-66), um da Ballagro (BF30.001). O outro produto nacional, o Bio Zenon da Simbiose, recebeu classificação de Medianamente Tóxico.
Do total de 166 agrotóxicos aprovados em 2019, apenas 16 receberam a classificação de “Pouco Tóxico” segundo classificação da Anvisa. Enquanto isso, 33 foram avaliados como “Extremamente Tóxico”, o nível mais alto de toxicidade — todos são parcialmente ou totalmente produzidos fora do Brasil.
Segundo Cristina Schetino, “não temos a tecnologia, não temos os equipamentos para fazer a síntese. E isso é negativo, fragiliza a principal fonte de renda da economia brasileira, que é a agricultura. Nos torna dependentes”.
Para o diretor da AENDA, Tulio Teixeira, o número de empresas brasileiras que conseguiram registros neste ano pode ainda ser menor do que o apontado pelo levantamento da Agência Pública e Repórter Brasil devido à participação de empresários de outros países nas companhias nacionais. “[Ter] um nome brasileiro não significa que a empresa é brasileira. Posso afirmar que nem 40 registros [dos 166] foram para empresas realmente nacionais. Com a expansão da agricultura brasileira, todas as internacionais vieram com força para cá, compraram diversas brasileiras fizeram fusões entre elas, e ocuparam os espaços do mercado com um poderoso serviço de marketing”, explica.
Polêmica na indústria brasileira
A empresa brasileira a mais garantir permissões de comercialização em 2019 é a Nortox, fundada em 1954 pelo empresário Osmar Amaral no município de Arapoanga, no Paraná. Foram 10 registros, incluindo o Flutriafol Nortox, indicados para culturas de algodão, aveia, banana, batata, café, feijão, mamão, melão, soja e tomate. O grupo está em expansão, tendo a América Latina como foco. Em 2018 iniciou operações no Paraguai e neste ano quer chegar ao Chile.
A companhia também está envolvida em escândalos e investigações na Justiça do Paraná. Em 2015, o então diretor da Nortox, Humberto Amaral, foi denunciado pelo Ministério Público do Paraná no âmbito da Operação Publicano, que investiga esquema de corrupção na Receita Estadual do Paraná. Ele e outras 124 pessoas (entre empresários, funcionários públicos e políticos) foram denunciados por fazer parte de um esquema de pagamento de propina em troca de sonegação fiscal e redução da imposição de penalidades tributárias.
A reportagem teve acesso à ação que a empresa responde na Justiça do Paraná. Humberto e a Nortox são réus em ação civil de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito que tramita na 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Londrina.
Na denúncia, o MP/PR afirma que entre os meses de março e maio de 2011 auditores fiscais ligados à Receita Estadual do Paraná solicitaram ao diretor e ao contador da Nortox um pagamento de aproximado de R$ 750 mil para que multassem a empresa “em valor irrisório, cobrando apenas parcialmente o tributo devido, de modo a encobrir a omissão de recolhimento de tributos efetivamente devidos ao FISCO e ao mesmo tempo conferir aparência de legalidade à fiscalização já iniciada pela Receita Estadual de Londrina”.
Em nota, a Nortox garante que o nome da empresa, do seu então diretor superintendente e do contador foram inseridos indevidamente na fase II da Operação Publicano.
A Nortox questiona o Acordo de Colaboração Premiada feito entre o Ministério Público do Paraná e o então auditor fiscal Luiz Antônio de Souza. Segundo a nota, o acordo “resultou em uma precipitada denúncia com base apenas nas falsas declarações do Colaborador Premiado”.
A Nortox destaca que o acórdão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)julgou procedente“os Recursos em Habeas Corpus impetrados com o objetivo de trancamento da respectiva Ação Penal”. E que a Ação Civil de Improbidade Administrativa, “que foi ajuizada sem qualquer prova do ilícito imputado ao diretor e ao contador da companhia”, terá o mesmo destino. “Deverá ser julgado extinto”, finaliza. Leia a nota na íntegra.
Questionada sobre a baixa participação de empresas brasileiras no mercado de agrotóxicos e dificuldades do setor, a Nortox não respondeu.
Gigantes asiáticos
No Brasil as empresas chinesas e indianas representam grande fatia do mercado de agrotóxicos. Dos registros emitidos neste ano, 41 foram para empresas lideradas por empresários de um dos dois países. E 145 produtos são totalmente produzidos na China ou na Índia ou tem pelo menos o ingrediente ativo vindo de lá.
Além de serem os maiores fabricantes de defensivos agrícolas do mundo, a China é também o maior consumidor por volume. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) a média anual de consumo do país entre 1990 e 2016 foi de 1,3 milhão de toneladas, deixando Estados Unidos em segundo (406.603) e Brasil em terceiro (210.057).
Na média por pessoa, o Brasil assume o primeiro lugar, segundo levantamento de 2015 da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) publicado no “Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde“. Usando dados de associações de empresas agrícolas e do Ministério da Agricultura, o estudo afirma que, por aqui, são consumidos 7,3 litros de agrotóxico por pessoa a cada ano.
Já no mercado global de agrotóxicos a participação chinesa é cada vez maior. “China e Índia se especializaram em sintetizar os produtos. Com uma área química de grande qualificação eles conseguiram gerar os ingredientes ativos utilizados na formulação dos agrotóxicos e fornecem para o mercado”, explica Victor Pelaez, doutor em Sciences Economiques pela Université de Montpellier e professor do departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
O crescimento é tamanho que hoje companhias dos dois países asiáticos estão comprando diversas empresas de agrotóxicos pelo mundo. No ano passado, a americana Arysta LifeScience foi vendida por US$ 4,2 bilhões para a indiana UPL Corporation — que atua agora em 124 países, sendo a quinta maior companhia do setor global. Um ano antes, em 2017, a ChemChina (a mesma que adquiriu a Adama Brasil), comprou por US$ 43 bilhões o grupo suíço Syngenta.
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Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.