Indígenas de todas as regiões marcam presença nas manifestações pela educação

Várias etnias foram às ruas nesta quarta para protestar contra os cortes nas universidades anunciados por Bolsonaro; povos estiveram presentes em atos no Distrito Federal, em São Paulo, Rio, Santa Catarina, Minas, Mato Grosso do Sul, Pará, Bahia e Pernambuco

Por Maria Lígia Pagenotto, em De Olho nos Ruralistas

Indígenas de diversas etnias participaram nesta quarta (15) da série de manifestações em protesto ao corte de verbas para educação e pesquisa, anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro. As ruas de diversas capitais e outros municípios do país ficaram lotadas de manifestantes. Houve protestos em todos os 26 estados e no Distrito Federal.

Em todas as regiões do país (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul) os professores e estudantes indígenas foram para as ruas carregando cartazes reivindicando a permanência de bolsas e entoando cânticos e gritos de guerra próprios.

No interior de São Paulo, o Centro de Culturas Indígenas, ligado à Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), foi representado por um grupo que portava faixas e cartazes protestando contra o extermínio indígena. Entre outros dizeres, exigiam a permanência na universidade.

O corte de verbas segundo o anunciado pelo Ministério da Educação, bloqueará de 24,84% das chamadas despesas discricionárias, ou não obrigatórias — que são os gastos com contas de água, luz, compra de material básico, contratação de terceirizados e realização de pesquisas.

SEM BOLSAS, INDÍGENAS NÃO CONSEGUIRÃO ESTUDAR

O valor total, considerando todas as universidades, é de R$ 1,7 bilhão, ou 3,43% do orçamento completo — incluindo despesas obrigatórias. A redução dos gastos afeta diretamente a continuidade de pesquisas. Entre os estudantes indígenas, parcela significativa precisa se deslocar de seu município para estudar em outro, às vezes distante muitos quilômetros. Sem as bolsas de apoio, não têm como permanecer nas universidades.

Em Campinas, um grupo grande de indígenas vinculados à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também saiu nas ruas com faixas e cartazes. Na capital mineira, Belo Horizonte, os pontos de encontro foram a Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no bairro Floresta, e o campus da Pampulha.

Os indígenas presentes ao protesto mineiro foram com os rostos pintados, colares, cocares e muitos cartazes. Um deles trazia a seguinte frase: “O governo não pode dar educação pois a educação derruba o governo”.

Na Bahia, a força dos povos originários foi representada pelos Pataxó. Eles compareceram aos protestos em Salvador e em outros municípios do estado preocupados, em grande parte, justamente com a ameaça de perda da bolsa que recebem para permanência na universidade.

Nesse grupo, estava Thays Pataxó, de 19 anos, estudante de Ciências Naturais. Ela pertence a uma aldeia de Santa Cruz de Cabrália, no sul da Bahia, a 580 quilômetros de Salvador. Sem a bolsa, não terá como dar continuidade à sua formação na Universidade Federal da Bahia.

Em Dourados (MS), a comunidade indígena também marcou presença nas manifestações. A preocupação local é com o desmonte da Faculdade Intercultural Indígena, criada em 2012 junto à Universidade Federal da Grande Dourados. Na instituição, foi criado o primeiro curso de formação superior específica para professores Guarani e Kaiowá.

Segundo Jamir Freitas, da etnia Terena e membro do Fórum Estadual de Educação Indígena, os cortes anuciados ameaçam diretamente os cursos da faculdade. O impacto será muito grande, disse ele ao portal Dourados Agora, e com sérias implicações sociais, caso haja uma paralisação nos recursos:

– Se a educação indígena for prejudicada, o futuro da nossa aldeia será se tornar uma grande favela, com pessoas sem perspectiva de vida e aumento da violência.

Estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina, Laura Parintinti é do Amazonas. Disse que estava no protesto se manifestando a favor da universidade pública, contra a privatização. “Os primeiros afetados serão os que sempre foram excluídos, como os indígenas e os LGBT”.

ESTUDANTE MUNDUKURU PEDE AJUDA PARA ESTUDAR

Um grupo grande do Movimento da Educação Indígena Xukru,  em Pesqueira (PE), mostrou seu descontentamento com as medidas anunciadas, juntando-se a manifestantes, vestidos com roupas típicas da etnia. Eles cantaram e dançaram como protesto. Na capital paraense, alunos indígenas da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), do campus Oriximiná, usaram dos mesmos recursos de canto, dança e vestimentas próprias para reivindicar os direitos dos estudantes.

A situação é tão crítica que uma das estudantes, a líder indígena Alessandra Korap Munduruku, do curso de Direito, pediu ajuda pela internet, para conseguir prosseguir na universidade.

A ameaça à bolsa permanência também levou indígenas a protestarem em Brasília. A Esplanada dos Ministérios foi o ponto de concentração. Jennifer Tupinikim, de 26 anos, presidente da Associação dos Acadêmicos Indígenas da Universidade de Brasília (Unb) falou pelo grupo:

– Nós também nos sentimos afetados com esse corte, então viemos somar à manifestação.

A participação dos indígenas em manifestações tem sido bastante forte desde que Bolsonaro assumiu a presidência em janeiro. Texto publicado no De Olho nos Ruralistas mostrou que, logo no início do mandato presidencial, foram os indígenas os primeiros brasileiros a se manifestar, em todo o território nacional, contra o governo de extrema-direita.

Além da indignação pela perda dos investimentos, os estudantes se posicionaram nessa quarta contra as declarações do  ministro da Educação, Abraham Weintraub, que relacionou as universidades federais a espaços de “balbúrdia”. Essa era uma das palavras mais lidas em cartazes nas ruas pelo Brasil. Enquanto as manifestações corriam pelo país, Weintraub prestava esclarecimentos na Câmara a respeito dos cortes anunciados.

EM PARIS, PROTESTO EM DEFESA DO AMBIENTE

Um dia antes das manifestações brasileiras com foco na educação, cerca de cem pessoas, entre elas vários Munduruku, colocaram-se na porta da sede de um evento sobre energia hidráulica em Paris. Eles protestaram contra o impacto no ambiente e o prejuízo causado aos indígenas pelas hidrelétricas e barragens no Rio Tapajós. O grupo aproveitou para denunciar os ataques do governo Bolsonaro à demarcação de terras indígenas.

Grupos de quilombolas também fizeram frente aos cortes. Junto a indígenas da Ufopa, eles estão, desde janeiro, buscando formas de evitar a redução dos recursos. Estão sob ameaça 96 bolsas do Programa Bolsa Permanência, benefício concedido pelo Ministério da Educação (MEC).

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