‘Damares Alves não é bem-vinda ao Espírito Santo’: Movimentos sociais organizam protesto contra homenagem da Assembleia à ministra de Bolsonaro

Por Fernanda Couzemenco, no Século Diário

Movimentos sociais, militantes e lideranças ligadas aos Direitos Humanos, direitos das mulheres, da população LGBTI+, dos indígenas e outras minorias discriminadas no Brasil organizam um protesto contra a homenagem que a Assembleia Legislativa decidiu prestar à ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Regina Alves.

A proposta – Resolução nº 6.133 – é do deputado Delegado Lorenzo Pazolini (sem partido), afilhado político do ex-senador Magno Malta (PR), de quem Damares foi assessora antes de assumir o ministério.

Aprovada pela Mesa Diretora da Assembleia, a Resolução admite a ministra na Ordem do Mérito Domingos Martins no grau de Grã-Cruz, a mais alta honraria oferecida pela Casa de Leis capixaba. O ato será consumado na noite da próxima segunda-feira (20), em sessão solene organizada por Pazolini, alusiva ao Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

O Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes) é uma das organizações envolvidas no protesto. Para as mulheres que lutam pelas mulheres e que querem o fim da opressão, Damares Alves não é bem-vinda ao Espírito Santo”, afirma Edna Martins, integrante do Fomes.

“Compreendo que essa comenda deve ser dada a quem realmente contribuiu para o bem-estar da população capixaba, para o desenvolvimento do Estado”, explana a militante.

Edna ressalta a perspectiva de “memoricídio” praticada pela ministra, ou seja, sua postura de destruir a memória da luta das mulheres no país. A construção de políticas públicas voltadas a eliminar a opressão contra as mulheres no Brasil não é obra de um governo, afirma, mas “foi uma construção da luta das mulheres brasileiras desde a década de 1980”, diz, citando a campanha “Quem Ama Não Mata, a luta contra as desigualdades no mercado de trabalho”, a Conferência de Pequim da ONU, a definição de cotas para as mulheres na política, entre outras ações ao longo das décadas.

“Quando ela chega ao ministério praticamente acaba com as políticas públicas para as mulheres de modo geral. A única coisa que sobrou é o 180, mas ela sempre fala dele criticando ‘a esquerda”, conta Edna.

O ataque à laicidade do Estado também é abordado pela militante do Fomes. “Quando ela diz que na religião dela a mulher é submissa, ela mistura as coisas. Nossa luta é que a mulher deve ter autonomia de decisão sobre a sua vida. O Estado brasileiro é laico, e a partir do momento que ela representa o Estado, não pode emitir esse tipo de opinião”, explica.

“A gente sempre trabalhou no Brasil no sentido de que a violência contra a mulher não é um problema privado, é um problema social, e que tem que ter interferência do Estado em todos os âmbitos”, enfatiza. “Pra nós, a ministra Damares tem uma conduta fundamentalista”, afirma.

Edna lembra ainda que o Espírito Santo está entre o segundo e terceiro lugar no ranking nacional de feminicídio. “Nesse Estado as mulheres não podem ser nunca submissas. Essa submissão faz com que as mulheres não enfrentem a violência, não denunciem, não busquem ajuda psicossocial e morram”, descreve. “Não dizemos nunca que devemos brigar com os homens. Nosso inimigo é o patriarcado, não os homens”, esclarece.

Estado heteronormativo

Opinião semelhante tem Gilmar Ferreira, militante de Direitos Humanos filiado ao Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) da Serra, ex-presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) e ex-coordenador do Comitê Estadual para a Prevenção e Erradicação da Tortura no Espírito Santo (CEPET-ES).

“É um absurdo a Assembleia conceder a maior homenagem do Poder Legislativo a quem tem atuado na contramão das definições e normativas internacionais de Direitos Humanos”, protesta. 

“Ela tem se colocado contra as bandeiras históricas da luta pela promoção, defesa, proteção, reparação e efetivação dos direitos humanos de todas as pessoas no Brasil”, diz, citando ainda suas ações no sentido de “destruir a laicidade do Estado” e de “manter todo o Estado e a sociedade num caráter heteronormativo”, além de “colaborar com o processo de memoricídio em curso no Brasil colocado em prática no governo federal”. 

Denúncias e polêmicas

Para o cacique Werá Kwaray, o Toninho, da aldeia Boa Esperança, em Santa Cruz, e liderança guarani em nível nacional, os protestos contra a homenagem a Damares Alves precisam mesmo acontecer. “Mesmo antes do ministério, ela atacava muito as aldeias através da evangelização”, denuncia. “Para ela, evangelizar é acabar com a nossa cultura, com a nossa crença, pra que não exista mais a crença do nosso povo, a diversidade cultural”, afirma.

A crítica à ministra de Bolsonaro foi feita esta semana no Encontro de Saúde Indígena em Governador Valadares, que reuniu lideranças do Espírito Santo e Minas Gerais, para um planejamento da saúde e saneamento básico das aldeias dos dois estados.

O deputado Sergio Majeski (PSB) também cita a causa indígena ao comentar sua posição contrária – uma das poucas contrárias – à concessão da Ordem Domingos Martins a Damares Alves. “Uma pessoa que se envolveu em tantas polêmicas, que mentiu sobre a própria formação acadêmica, que foi até acusada de roubar uma criança indígena, que com seus discursos de certa forma incentiva o preconceito … eu creio que se deveria pensar melhor, não é uma pessoa merecedora de uma honraria tão alta”, argumenta.

Foto: Flickr /Scot Nelson /Creative Commons

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