Uma nova Babel

A nação brasileira foi sacudida no último domingo (9) pela divulgação de diálogos entre juiz e promotores da Lava Jato em Curitiba (PR)

Por Antônio Canuto*, em CPT

Essa divulgação ocorreu no dia em que os cristãos celebravam a festa de Pentecostes, a vinda do Espírito Santo sobre os apóstolos reunidos em Jerusalém.

Isso me provocou a seguinte reflexão.

O texto do livro de Atos dos Apóstolos diz que, naquele dia, em Jerusalém, se encontravam pessoas de todas as partes do mundo conhecido, pois era dia de festa para os judeus. Depois de receberem o Espírito Santo, Pedro se dirigiu a uma grande multidão reunida. E seu discurso foi entendido pelos presentes, como se ele estivesse falando na língua própria de cada um. O Espírito de Deus faz todos se entenderem, apesar de falarem línguas diferentes.

Este episódio faz contraposição com uma outra narrativa bíblica, conhecida popularmente como Torre de Babel. Está em Gênesis 11.

Depois do grande dilúvio, a humanidade era uma só e todos falavam a mesma língua. Ao se deslocarem, encontraram uma planície onde resolveram construir uma cidade e nela uma torre que chegasse até o céu para perpetuar seu nome em toda a Terra. Diante de tal arrogância, diz o texto, Deus confundiu a língua deles de tal forma que ninguém mais se entendia e assim a construção precisou ser interrompida.

Eu penso que estamos vivendo uma nova Babel. A comunicação está cada dia mais difícil. A balbúrdia que se tornou o novo governo faz necessário, a cada dia, desdizer o que se disse ontem. Apresentar uma proposta que amanhã tem que ser retirada.

As palavras, apesar de terem as mesmas letras e o mesmo som, são entendidas de modo diferente, até contraditório.

O que se entende, por exemplo, por VERDADE? Proclamando submissão à verdade utilizam-se os mais diversos estratagemas para difundir as mais deslavadas mentiras.

E DEUS, o que se entende por DEUS? Qual é o deus que está acima de todos?

É aquele que vê o sofrimento do povo, escuta o clamor dos oprimidos e desce para libertá-los, ou é aquele que se coloca ao lado dos poderosos que oprimem e escravizam seus semelhantes?

É aquele que submete seus seguidores a uma série de normas e doutrinas, ou aquele que acolhe todo aquele que pratica a justiça e promove o direito, seja ele de qualquer raça ou nação?

Aquele que aprova que a adúltera, a prostituta, os LGBTQ+, devem ser apedrejados, ou aquele que recebe de braços abertos o filho que volta à casa paterna depois de ter esbanjado tudo, aquele que socorre os caídos, dá a mão aos desfalecidos?

E a IMPARCIALIDADE, o que significa?

Ela se encontra encoberta pela lama e poeira de projetos de poder. Tem os olhos fechados para os que não contam no cenário econômico e político da nação, para os descartados da sociedade. Serve aos interesses de uma classe.

Como na construção da Torre de Babel, na surdina, na calada da noite, constroem-se planos, tramam-se estratégias, aprovam-se leis, emitem-se decretos, expedem-se sentenças, que sustentam aqueles que pretendiam chegar aos céus.

Mas o tempo está se encarregando de minar este projeto. O vendaval que já se desencadeou certamente vai fazer desmoronar a construção levantada sobre alicerces da mentira, do ódio, do desprezo pelas classes subalternas.

Babel está de volta.

*Membro fundador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e colaborador do Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

2 × três =