Como disse Asperger: “para se ter sucesso na ciência e na arte, é preciso uma pitada de autismo”

por Pedro Calvi / CDHM  

“Não queremos romantizar o autismo, dizer que somos anjos azuis incapazes de fazer uma maldade. Não queremos ser inspiração para pessoas sem deficiência que usam a mídia, a publicidade e até nossas famílias para mostrar supostos casos de superação e assim se beneficiarem, nos tornando objetos. Quando a imagem de uma pessoa com deficiência é colocada, junto com uma mensagem “se ela conseguiu, você consegue”, quer dizer que por pior que seja a situação, pessoas sem deficiência ainda estão melhor do que pessoas com deficiência”. Essas afirmações foram feitas por Amanda Pascoal, da Abraça (Associação Brasileira por Ação pelos Direitos das Pessoas Autistas), em audiência pública nesta terça-feira (18/6).

Amanda segue falando do papel da mídia na construção do preconceito que cerca os autistas. “No cinema, são sempre homens e brancos. Completamente alienados ou gênios. Se conseguiu um emprego no McDonald’s, oh, que bom! Se um jornal mostra numa reportagem que um jovem “superou” seu diagnóstico e conseguiu terminar uma faculdade,  na  verdade quer dizer que o diagnóstico era terrível e que ir até o fim na faculdade não era natural ou esperado”.  Ela conclui, afirmando: “como se a deficiência fosse algo terrível, um castigo de Deus, uma provação e um karma na vida”.

Ativista, Amanda foi uma dentre outros expositores do encontro promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) para discutir avanços na participação dos autistas  em  movimentos  da sociedade civil e na política partidária institucional. O encontro marcou também o Dia Internacional do Autismo, 18 de junho. Pela primeira vez um debate sobre o tema teve a mesa formada só por autistas.

Rita Louzeiro, do Coletivo de Mulheres com Deficiência do Distrito Federal, lembra de uma audiência pública feita em 2016: “Invadimos a audiência que era sobre o dia do autismo, mas sem nenhum autista. Hoje, na mesa só tem autista, isso é um avanço. Mas continuamos sem atendimento adequado e sem serviços adaptados”. Ela dá o exemplo do irmão, que tem um grau severo de autismo e ainda não se comunica de forma oral. “Se ele pudesse vir, teria muita coisa importante para falar. Mas os governos não cumprem a lei e nem a Convenção da ONU sobre Pessoas com Deficiência, que o Brasil faz parte”, esclarece.

A presidente da Associação Brasileira por Ação pelos Direitos das Pessoas Autistas também lembra da Convenção: “Em 2008, o Brasil ratificou a Convenção e ela é a lei para que a gente possa ser quem a gente é, para que possamos nos organizar. Historicamente viemos sendo representados pelos nossos pais até nas decisões. Mas isso tem que mudar. Queremos representação nos movimentos sociais e no poder público. Não estaria aqui se não tivesse sido treinada e preparada. E agora quero fazer o mesmo com outras pessoas. Não acredito em anjos, acredito em pessoas”.

“Temos que ter políticas públicas para diagnóstico, atendimento especializado e medicamentos para os portadores do autismo. O país carece de dados oficiais, mas estima-se que 2 milhões brasileiros sofrem com o transtorno autista. É preciso atenção especial a estes pacientes, às famílias e capacitar os profissionais nas escolas para bem atender e incluir”, destacou o deputado Padre João (PT/MG) que, junto com Áurea Carolina (PSOL/MG), solicitou a audiência pública.

Identidade social

Viver em um contexto social que impõe barreiras diárias às pessoas com deficiência molda a identidade de cada uma delas. São barreiras que dificultam acesso à direitos básicos como ir ao banheiro, estudar numa escola preparada ou até mesmo se comunicar. A forma como cada um se posiciona nessas situações cria a identidade social. Ana Beatriz de Souza, coordenadora do Grupo Neurodiversos da Casa da Esperança de Fortaleza e administradora da página Vida no Espectro, explica que, para os autistas, esse processo funciona da mesma forma que para qualquer outra pessoa: “Se a pessoa tem vergonha, que ficam escondidas, têm uma identidade negativa. Isso provoca depressão e até suicídio. Quem se identifica, se assume como autista, quer seus direitos, mas não milita. A Identidade politizada participa dos movimentos e luta pelos direitos dela e dos outros, e essa é formada através da convivência em grupo”.

Para William Jesus Silva, ativista pela Neurodiversidade, afirmou que “está na hora de sairmos do armário”. Silva ressaltou que o autismo não é uma doença, mas uma condição neurológica adversa: “Temos uma diferença humana, como qualquer outra. Precisamos ocupar todos os espaços de poder porque temos capacidade no destino do nosso país, principalmente no momento que estamos vivendo. E vamos disputar cargos eletivos nas próximas eleições municipais”.

“A ausência de participação é tão evidente que, mesmo se configurando discriminação baseada na deficiência, os termos ‘autismo’ e ‘autista` são usados frequentemente por jornalistas, autoridades e figuras públicas defensoras de direitos humanos como adjetivos desqualificadores”, disse a parlamentar Áurea Carolina.

Lugar de fala

Alguns autistas não conseguem desenvolver a fala – são os “não oralizados”. É o caso de Victor Hugo Santos. Ele é paciente da Casa da Esperança, em Fortaleza. A participação dele foi lida por um auxiliar: “Aos 3 anos fui diagnosticado com autismo infantil. Não uso a comunicação oral. A inclusão e as políticas públicas são necessárias. Nasci autista e vou ser sempre autista. É preciso encontrar solução para os nossos problemas, que entendam nossas necessidades. Não peço só por mim, mas para todos. O primeiro passo é incluir o autista na sociedade, isso é importantíssimo, e enfrentar o preconceito, que nunca deixou de existir”. Por causa de problemas financeiros da família, Victor teve o tratamento interrompido. 

O autismo

Segundo a neurodiversidade, o autismo é uma condição de diversidade neurológica humana, de base genética e que apresenta uma forma diferente do cérebro receber, processar e responder a determinadas informações cognitivas e sensório-motoras. O cérebro do autista influencia o desenvolvimento do indivíduo desde o útero até as fases mais tardias da sua formação. O expressivo número de genes envolvidos e também  condições coexistentes como por exemplo a epilepsia, a deficiência intelectual ou as altas habilidades, fazem com que o autismo se apresente de forma tão múltipla que nenhum autista é igual ao outro.

Como disse Hans Asperger, médico que deu nome à síndrome do autismo: “para se ter sucesso na ciência e na arte, é preciso uma pitada de autismo”.    

Fonte: Abraça

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

um − um =