Durante o Congresso, a questão do socialismo, a reforma agrária e a unidade foram apresentadas aos 400 delegados e delegadas, para ajudar no debate que ocorreu nos grupos de trabalho e que foi enriquecido por cada militante presente no Congresso. As apresentações foram feitas pelos principais líderes da Coordenadoria Latino-Americana de Organizações do Campo (CLOC – Via Campesina). Declaração dos Direitos dos Camponeses, aprovada na Organização das Nações Unidas (ONU) em dezembro de 2018, também foi debatida e analisada como importante instrumento de reafirmação do modo de vida e produção camponês, da valorização dos saberes seculares das comunidades originárias e dos direitos coletivos desses povos.
Coletivo de Comunicação do VII Congresso CLOC Via Campesina / tradução: Cristiane Passos – CPT
Faustino Torrez, da Associação dos Trabalhadores no Campo (ATC) da Nicarágua, analisou que para muitos quando se fala em socialismo, está se falando sobre o passado. No entanto, a CLOC por natureza sempre deu o seu apoio à revolução cubana e à revolução bolivariana. Todo este debate tem sido trabalhado nesses 25 anos e vai continuar, a partir das contribuições feitas pelos grandes pensadores da América Latina como Che, Mariátegui, Fidel, e que nos permite compreender o caminho para o socialismo.
Francisca Rodriguez, da Associação Nacional de Mulheres Rurais e Indígenas (ANAMURI) do Chile, disse que este Congresso teve uma particularidade muito importante, pois se relembrarmos os congressos anteriores, podemos avaliar que foram eventos de massa, já este é um processo de construção política e ideológica onde todos os principais líderes das organizações camponesas na América Latina estão presentes e, com isso, as resoluções devem ser um profundo compromisso para fazer avançar o debate.
Na construção coletiva dos últimos 10 anos, a CLOC segue caminhando junto a Via Campesina na construção de uma via alternativa ao modelo neoliberal na América Latina, para construir conjuntamente o socialismo como um projeto político e popular. Para Francisca, uma sociedade socialista é aquela que deve proporcionar uma vida digna, livre, segura, produtiva, significativa e harmoniosa e em solidariedade com outros povos, o que torna possível a busca pelo bem-viver.
A continuidade dos debates se deu no painel sobre Reforma Agrária, a partir do entendimento de que ela não pode ser vista fora do sistema socialista, que permite estabelecer e desenvolver essa política. Existem processos históricos de reforma agrária no continente, como a Revolução Mexicana de 1911, a da Guatemala em 1954 e a Revolução cubana em 1959. Neste espaço, foi lembrado de quando Fidel descreveu que tinha a intenção de realizar a reforma agrária para os cubanos, “O que menos demos aos camponeses foi terra, nós demos algo mais, nós demos a chamada independência, pátria, soberania, dignidade e condição de seres humanos”.
Nury Martínez, da Federação Nacional Sindical e Unitária da Agropecuária da Colômbia (FENSUAGRO), declarou que a CLOC, desde sua criação, lutou pela terra e por uma reforma agrária integral e popular. Aqui se incorpora também a questão da soberania alimentar, o acesso à alimentação como direito da humanidade e que a terra, a água, devem estar nas mãos daqueles que alimentam o povo. Para ela, é importante poder refletir sobre como a reforma agrária e a soberania alimentar se aplicam em nossos territórios.
De acordo com Arturo Aliaga, da Associação Nacional de Pequenos Agricultores de Cuba (ANAP), a maior conquista da reforma agrária cubana é ser produto do trabalho da revolução, que tem o mérito de ter alcançado a verdadeira independência a 90 milhas do império norte-americano. A reforma agrária cubana nestes 60 anos deu aos cubanos todos os direitos, terra, saúde, educação: nestes 60 anos o camponês se tornou proprietário de 7% das terras do país, 14% das cooperativas são donas das terras em Cuba e o resto é do estado, que deu terra em usufruto a pessoas naturais do país, para neutralizar o bloqueio.
Maria dos Santos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra do Brasil (MST) destacou como é a realidade da terra na América Latina, e afirmou que a socialização da terra é a base fundamental, e que Cuba é o modelo que queremos alcançar no continente. Ela disse que neste período de crise, o capital procura aprofundar a exploração dos trabalhadores e roubar recursos públicos. Até o século XX o capitalismo podia coexistir com as e os trabalhadores, mas agora os paradigmas mudaram, a luta pela terra também deve ser pelo território livre do capital.
Por último, foi abordada a questão da Unidade dos Povos e para abrir o debate Juana Ferrer, da Confederação Nacional de Mulheres Camponesas da República Dominicana (CONAMUCA), disse que embora tenhamos resistido e até mesmo avançado na luta contra o racismo e a discriminação, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que os povos se unam em defesa de toda a sua diversidade.
Em seguida, Diego Montón, do Movimento Nacional dos Camponeses Indígenas da Argentina (MNCI), encarregado de todo o processo de discussão e aprovação final na ONU da Declaração de Direitos dos camponeses e das pessoas que vivem em áreas rurais, disse que temos um grande acúmulo sobre o que é o movimento camponês, que sempre foi o protagonista dessas lutas e sempre esteve à frente da produção de alimentos, sendo um sujeito de transformação. E, talvez por isso, quando o imperialismo tentou impor o fim histórico do campesinato, o movimento camponês começou a fortalecer sua resistência e nisso vemos a importância da campanha dos 500 anos de resistência indígena camponesa, negra e popular.
Dentro desta temática, não poderia ser deixado de fora o olhar dos povos originais. A partir dessa perspectiva, Daniel Pascual, do Comité da Unidade Camponesa da Guatemala (CUC), expressou que a cosmovisão, a visão do território, sua espiritualidade, sua organização, sua forma de organização e de autoridade, bem como legislação que existia quando nossos ancestrais viviam em harmonia, são importantes para a construção do socialismo, se não for assim, será insuficiente. Da mesma forma, a reforma agrária não será abrangente, a menos que os territórios dos povos indígenas sejam respeitados, como é o caso dos quilombolas na Amazônia, dos mapuches no Chile ou dos povos indígenas na América Central.
As exposições foram finalizadas por Rilma Román, da ANAP e membro da Comissão Política da CLOC em Cuba e na América Latina, que disse que na América Latina somos uma mistura de cores, sabores, conhecimentos, nos quais a unidade deve ser construída na diversidade, porque as questões que temos são comuns. “Falamos que defendemos a igualdade, a igualdade de gênero, para uma sociedade melhor. As regiões deveriam fazer uma análise e ver o que corrigir, ficar claro que o único inimigo é o capitalismo, que nos estuda de todas as formas, eles não nos querem juntos, eles nos querem divididos. Che disse que há muitas pessoas que não dão a merecida importância à unidade, no entanto, observamos como o inimigo dá importância, porque eles sabem que uma vez destruída a unidade, seremos presa fácil de seus projetos”, enfatizou ela.
A Declaração dos Direitos dos Camponeses surge das lutas da Via Campesina
O último dia do VII Congresso Continental da CLOC contou com reflexões e propostas sobre a Declaração dos Direitos dos Camponeses, aprovada na Organização das Nações Unidas (ONU) em dezembro de 2018. Diego Montón, integrante do MNCI, lembrou durante sua fala no dia 30 de junho na Expocuba, que houve mais de 17 anos de luta para alcançar esta Declaração, que será o principal instrumento dos movimentos camponeses do mundo para defender seus direitos.
O documento reconhece o papel dos camponeses na produção de alimentos saudáveis, como promotores do desenvolvimento sustentável e a importância da agroecologia para lidar com a crise alimentar.
Além disso, os direitos coletivos foram incorporados, como o direito à semente, à terra e ao uso comum da terra, à administração dos bens comuns. O texto também pede a garantia de uma vida digna para o campesinato, por meio de renda e comércio justos.
Tanto Montón, que faz parte da Comissão Política da CLOC, como Ramona Duminicioiu, representante romena da Via Campesina Europa, propuseram que a Declaração seja uma ferramenta a ser trabalhada em cada organização com os setores legais (tais como advogados populares) e com partidos políticos e governos, para pensarmos sobre a adaptação e aplicação em cada país.
Duminicioiu disse que entre os desafios colocados para a implementação da Declaração dos Direitos dos Camponeses na Europa estão: capacitar o campesinato europeu, especialmente o da Europa Oriental, onde o impacto das políticas agrícolas é enorme; e usar a Declaração para promover a agroecologia e promover a união com as outras regiões onde está presente a Via Campesina.
Alianças
A Declaração é o resultado da política de construção de alianças da Via Campesina (VC) incorporando associações de pescadores, pastores, povos indígenas, entre outros grupos e organizações, no sentido de alcançar uma ferramenta para defender os direitos dos camponeses, frente ao avanço dos acordos de livre comércio e outros excessos do capital financeiro internacional.
“Cada um dos itens que estão consagrados na Declaração surgem de nossas lutas concretas e deve retornar ao nossos, para fertilizar nossos processos e aprofundar a mobilização”, disse Montón.
Assim, a Declaração põe fim à tentativa de impor a teoria do “fim do campesinato” (que ocorreu no início dos anos 1990, o lado do “fim da história”).
Em nível de Via Campesina Internacional, ela vai pesquisar ainda como acompanhar a implementação da Declaração, e a forma de promover políticas públicas para o campesinato, assim como controlar os Estados que violam os direitos dos camponeses.
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Foto: Viviana Rojas – CLOC